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A última flor: os 50 anos da Revolução dos Cravos
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A última flor: os 50 anos da Revolução dos Cravos

Em 25 de abril de 1974, golpe de militares derrubou o regime fascista do Estado Novo português, mais duradoura ditadura da história da Europa ocidental
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PESSOAS seguram buquês de cravos em 1º de maio de 1974 na praça do Rossio, em Lisboa (Foto: AFP)
Foto: AFP PESSOAS seguram buquês de cravos em 1º de maio de 1974 na praça do Rossio, em Lisboa

"Foi bonita a festa, pá", cantou Chico Buarque de Holanda para saudar o movimento que nesta quinta-feira completa 50 anos. À meia-noite e 21 do dia 25 de abril de 1974, a rádio Renascença transmitiu a música "Grândola Vila Morena". Era a senha para o início simultâneo das operações, com o avanço das tropas do Movimento das Forças Armadas (MFA) em todo o território lusitano. A Revolução dos Cravos pôs fim ao regime fascista do Estado Novo português, a mais duradoura ditadura da história da Europa ocidental.

"Portugal colheu as últimas flores da utopia revolucionária", sublinhou a historiadora Marisa Midori Deaecto. O movimento não apenas colocou fim ao regime fascista inaugurado por António de Oliveira Salazar como também foi o principal marco do fim do Império Colonial Português, do qual o Brasil chegou a ser a parte mais relusente.

O movimento de 25 de abril de 1974 acabou com a ditadura, com 13 anos de guerras coloniais na África e deu início à instauração da democracia portuguesa. Naquela data, a ditadura mais antiga da Europa ocidental caiu em questão de horas, praticamente sem sangue derramado. A revolta foi liderada por suboficiais rapidamente apoiada pela população.

Os cravos vermelhos, colocados nas armas dos jovens militares que deixaram os quartéis e se tornaram heróis libertadores de um povo submetido a um regime ditatorial durante 48 anos, viraram o símbolo da convulsão política, econômica e social.

A revolução abriria o caminho para a organização das primeiras eleições livres com sufrágio universal, em 25 de abril de 1975, e para o processo de independência das colônias portuguesas na África: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

"A guerra colonial teve uma influência fundamental para abrir os nossos olhos para a situação em Portugal", declarou à AFP o coronel da reserva Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, herdeira do "movimento dos capitães" que organizaram a revolução há 50 anos.

O apoio "imediato e intenso" da população ajudou a causa "dos que realmente desejavam uma mudança radical, uma libertação verdadeira e democracia", acrescentou.

"O 25 de abril é tecnicamente um golpe de Estado que, no mesmo dia, se transformou em revolução", explica a historiadora Maria Inácia Rezola, que coordena os programas de celebração da data, que incluem centenas de iniciativas institucionais e culturais.

Chico Buarque compôs em 1975 Tanto Mar, um paralelo entre o momento revolucionário português e a ditadura militar brasileira. "Eu queria estar na festa, pá/Com a tua gente/E colher pessoalmente/Uma flor do teu jardim/Sei que há léguas a nos separar/Tanto mar, tanto mar". A música foi censurada no Brasil e apenas a versão instrumental acabou lançada. Em Portugal, a gravação com letra foi comercializada em single — disco com só uma a quatro músicas.

Em 1978, com o início da reabertura, a música foi veiculada com letra no Brasil. Mas a maré havia mudado do outro lado do Atlântico. Em novembro de 1975, crise no meio militar marcou o fim do período revolucionário e teve vitória da ala moderada, marcando novo rumo para a democracia portuguesa. Então, a letra ganhou uma versão diferente. 

"Já murcharam tua festa, pá/mas, certamente/esqueceram uma semente nalgum canto de jardim".

Com AFP

Extrema direita cresce em Portugal quando revolução completa meio século

A data emblemática do 50º aniversário da Revolução dos Cravos, nesta quinta-feira, 25 de abril, coincide com o crescimento eleitoral da extrema direita em Portugal.

Alguns pensavam que o passado autoritário português frearia a ascensão da extrema direita observada em outros países da Europa.

Mas um partido criado em 2019 se consolidou como terceira força política do país, com 18% dos votos nas recentes eleições legislativas.

Embora o fundador e presidente deste partido, André Ventura, tenha criticado o antigo regime, o partido Chega inclui saudosistas da ditadura salazarista.

"Dentro do Chega e de outros partidos, há muitas pessoas na direita que não têm uma visão negativa de (António) Salazar e seu regime", destaca o pesquisador italiano Riccardo Marchi, especialista em direita radical do Instituto Universitário de Lisboa.

Rita Rato, diretora do Museu da Resistência e da Liberdade, criado pela prefeitura de Lisboa em uma antiga prisão onde militantes antifascistas foram detidos e torturados, reconhece que a maioria dos portugueses "sabe pouco de seu passado".

"O contexto atual torna mais evidente a importância de que os jovens conheçam a história contemporânea do nosso país", destacou a historiadora Maria Inácia Rezola, ex-deputada comunista.

Até 1974, Portugal era "um país pobre, atrasado, analfabeto e isolado do resto do mundo, que depois se modernizou em todos os níveis", destacou Rezola. (AFP)

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, discursa durante a sessão solene de comemoração do 20.º Aniversário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, discursa durante a sessão solene de comemoração do 20.º Aniversário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)" realizada na sede da CPLP, Lisboa, 18 de julho de 2016. TIAGO PETINGA/LUSA

Portugal reconhece responsabilidade por escravidão nas colônias

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu na terça-feira, que o país "assume total responsabilidade" pelos crimes cometidos durante a escravidão no período colonial e que esses crimes, incluindo massacres coloniais, tiveram "custos" que devem ser pagos. "Temos de pagar os custos", disse o presidente português em um evento com jornalistas estrangeiros. "Existem ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Existem bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos consertar isso."

São raros os casos em que autoridades de Portugal comentam diretamente sobre o passado colonial do país, que foi o maior traficante no comércio transatlântico de pessoas escravizadas - quase 6 milhões de pessoas. Somente para o Brasil, segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos, vieram cerca de 4,86 milhões de escravos entre os séculos XV e XIX.

Há exatamente um ano, durante a comemoração anual da Revolução dos Cravos, Rebelo de Sousa também afirmou que Portugal deveria pedir desculpas e assumir um papel de maior responsabilidade pelo comércio de escravos, mas não chegou a realizar qualquer pedido de desculpa formal. Na época, ele também afirmou que a colonização do Brasil teve impactos positivos como a difusão da língua portuguesa.

Relatório de 2021 do Conselho da Europa, principal instituição de direitos humanos do continente, concluiu que Lisboa precisa de ações afirmativas para confrontar o passado colonial e o papel no tráfico de escravos, com o objetivo de combater o racismo e a discriminação. (Agência Estado)

 

Opinião dos portugueses sobre o salazarismo e a revolução

Uma pesquisa divulgada na última sexta-feira mostrou que metade das pessoas entrevistadas considera que o antigo regime do Estado Novo português tinha mais aspectos negativos do que positivos, mas 20% afirmaram o contrário.

Além disso, 65% dos entrevistados consideraram que a Revolução de 25 de abril foi o evento mais importante da história portuguesa, muito à frente da adesão à precursora da União Europeia em 1986 ou ao fim da monarquia em 1910.

 

José Afonso Pedrosa de Oliveira, 73 anos, chefe militar dos veículos durante a Revolução dos Cravos de 1974, fotografado com o blindado Chaimite restaurado para o 50º aniversário da Revolução Portuguesa de 25 de Abril, em Oeiras
José Afonso Pedrosa de Oliveira, 73 anos, chefe militar dos veículos durante a Revolução dos Cravos de 1974, fotografado com o blindado Chaimite restaurado para o 50º aniversário da Revolução Portuguesa de 25 de Abril, em Oeiras

Blindados da Revolução dos Cravos voltam a circular em Portugal

Chassis, motor, pneus... quase mil peças foram montadas para restaurar este veículo blindado de 1942 equipado com canhão e dar-lhe uma segunda vida por ocasião do 50º aniversário da Revolução dos Cravos em Portugal.

"É emocionante ver o veículo em que estava naquele dia. Sabia que depois disso Portugal não seria o mesmo", recordou José Afonso de Oliveira, psicólogo aposentado de 73 anos.

Em 25 de abril de 1974, liderou a tripulação de um Humber de fabricação britânica em uma das colunas que convergiram para Lisboa para depor uma ditadura de 48 anos.

"Eles poderiam ter me prendido, mas o regime já estava morrendo", disse à este ex-subtenente, um dos 5 mil soldados que participaram do golpe de Estado.

Poucos dias antes das comemorações desse dia histórico, Oliveira visitou a oficina onde há dois anos um pequeno grupo de entusiastas restaura veículos blindados da época.

Para os eventos oficiais de quinta-feira, 15 veículos participarão na reconstrução histórica da coluna liderada por um dos heróis da Revolução dos Cravos, o capitão José Salgueiro Maia, falecido em 1992.

No mesmo armazém encontra-se uma réplica do Chaimite "Bula", um dos veículos blindados de fabricação portuguesa que ficou famoso por transportar Marcelo Caetano, o ditador deposto que substituiu António Salazar alguns anos antes.

Os veículos de transporte de tropas, utilizados nas guerras coloniais que Portugal travou na África entre 1961 e 1974, tornaram-se ícones de um golpe de Estado sem derramamento de sangue.

O outro símbolo, o cravo vermelho, era apenas uma flor sazonal oferecida espontaneamente aos soldados que a colocavam no canhão de seu fuzil.

Ao chegarem a Lisboa, a situação tornou-se tensa quando se depararam com uma unidade militar leal ao regime.

"Quase atiraram em nós", disse Antonio Gonçalves, outro soldado daquele grupo de insurgentes.

"Recebemos ordens para responder ao fogo, se necessário", mas os homens que se encontravam na frente finalmente se renderam, contou este ex-soldado de 74 anos.

Depois de uma primeira parada na Praça do Comércio, às margens do rio Tejo, a coluna dirigiu-se ao quartel da gendarmaria onde Caetano se refugiara com alguns dos seus ministros.

Cercados por milhares de pessoas que vieram apoiá-los, os militares iniciaram negociações com os representantes do regime, que estavam sitiados. (AFP)

 

ImpérioColonialPortuguês

O Império Colonial Português é considerado o primeiro império global, ao abranger Europa, África, América, Ásia e Oceania.

É tido também como primeiro império europeu moderno.

A construção do império começou em 1415 com a conquista de Ceuta, no norte da África.

O império se expandiu com a exploração da costa da África e posteriormente ao oceano Índico. O Brasil também foi incorporado. Os navegadores lusitanos chegaram até o Japão e Nova Guiné.

O império parou de se expandir na união ibérica (1580-1640), período em que ficou subordinado à Espanha. As colônias passaram a sofrer assédio de rivais espanhóis: Holanda, Espanha e Inglaterra.

O maior baque foi em 1822, com a independência brasileira. Mas, no fim do século XIX, na partilha da África pelos impérios europeus, Portugal ainda conseguiu avançar para o interior do continente.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, o ditador António de Oliveira Salazar buscou preservar o que restava das possessões ultramarinas. Mas, na década de 1960, Portugal não resistiu ao avanço indiano em Goa.

No mesmo período, teve início nos territórios africanos a Guerra Colonial Portuguesa, que durou até a Revolução dos Cravos e foi uma das causas.

O marco simbólico do fim do Império Colonial Português é considerado a devolução de Macau à China, em 1999.

Atualmente, são territórios ultramarinos portugueses os arquipelágos de Açores e Madeira, que não eram habitados quando conquistados, no século XV.

 

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