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Mundo teve 12 meses consecutivos de recordes de calor
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Mundo teve 12 meses consecutivos de recordes de calor

Na última década (2014-2023), o aumento médio foi de 1,19° C em comparação a 1850-1900
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HOMEM caminha com um barco numa rua inundada ao redor da Arena do Grêmio, em Porto Alegre, em 29 de maio de 2024 (Foto: SILVIO AVILA / AFP)
Foto: SILVIO AVILA / AFP HOMEM caminha com um barco numa rua inundada ao redor da Arena do Grêmio, em Porto Alegre, em 29 de maio de 2024

O mês de maio de 2024 foi o mais quente já registrado, o que significa que o planeta está há um ano batendo seus recordes mensais, anunciou nesta semana o Observatório Europeu do Clima Copernicus.

Com esta série de recordes, "a temperatura média mundial dos últimos 12 meses (junho 2023-maio 2024) é a mais altas já registrada", segundo o Copernicus, ou seja, "1,63°C acima da média pré-industrial de 1850-1900" quando as emissões de gases de efeito estufa pela humanidade ainda não aqueciam o planeta.

Este anúncio coincidiu com um discurso em Nova York do secretário-geral da ONU, António Guterres, que comparou a ameaça ao meteorito que extinguiu os dinossauros. Em maio, a temperatura média mundial, na Terra e nos oceanos, foi 1,52°C acima da média da segunda metade do século XIX para o mesmo mês.

Maio de 2024 foi, portanto, o "11º mês consecutivo desde julho de 2023 a atingir ou exceder 1,5°C" das médias da era pré-industrial. Este limite de 1,5°C é citado como meta fixada no Acordo de Paris de 2015, assinado por quase todos os países.

Tal anormalidade deve ser observada na média de várias décadas para considerar que o clima se estabilizou em +1,5° C, o que ainda não aconteceu, ou seja, não é impossível que o próximo ano seja mais fresco.

Na última década (2014-2023), o aumento médio foi de 1,19° C em comparação a 1850-1900, segundo um estudo publicado na quarta-feira, 5. "O aquecimento causado pelo homem aumentou a um ritmo sem precedentes nas medições instrumentais, atingindo 0,26 ºC entre 2014 e 2023", indicam os autores do estudo.

O relatório, publicado na revista Earth System Science Data, é resultado do trabalho de quase 60 cientistas de renome que seguem os métodos do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU.

O aquecimento é uma consequência das emissões de gases de efeito estufa, causadas principalmente pela utilização em massa de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão. Estas emissões poluentes estão em níveis recordes, com cerca de 53 bilhões de toneladas de equivalentes ao CO2 anualmente entre 2013 e 2022.

Paradoxalmente, outro fator que contribui para o aquecimento é a redução de partículas poluentes na atmosfera que refletem a energia do Sol de volta ao espaço.

"A principal razão é a despoluição do ar, primeiro na Europa e nos Estados Unidos, e mais recentemente na Ásia, particularmente na China", disse Glen Peters, do Centro Internacional de Pesquisa Climática, em Oslo.

Por outro lado, alguns pesquisadores apontam que regulamentações mais rígidas no transporte marítimo e a redução da utilização de carvão diminuíram as emissões de dióxido de enxofre e contribuíram para algum resfriamento, diz Peters.  

Em relação ao ano 2024, o fenômeno climático natural El Niño, que há um ano agrava os efeitos do aquecimento, "mostra sinais de que está chegando ao fim", anunciou na segunda-feira a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Já o La Niña, com temperaturas mais amenas, deve chegar mais tarde este ano, segundo a OMM.

Porém, este resfriamento, advertem os climatologistas, pode ser fraco no geral, comparado ao efeito contrário, ou seja, ao aquecimento gerado pelas emissões de CO2 pela humanidade.

"Um pouco de otimismo" 

O limite mundial de carbono — a margem ainda disponível para gerar emissões mantendo 50% de probabilidade de conter o aquecimento global a 1,5ºC — está se esgotando.

Atualmente, é de cerca de 200 bilhões de toneladas, o equivalente a cinco anos de emissões no ritmo atual.

"É uma década crítica", alertam os autores. "É previsível que nos próximos dez anos atinjamos ou ultrapassemos o aquecimento global de 1,5 ºC".

"Mas é também a década em que podemos esperar que as emissões mundiais atinjam o pico e comecem a diminuir consideravelmente", acrescentam.

De fato, embora tenha alcançado níveis recordes, o aumento das emissões de CO2 desacelerou em relação ao início de 2000.

O relatório, publicado na Earth System Science Data, carrega "um pouco de otimismo", diz Piers Forster, da Universidade de Leeds e principal autor do estudo.

"As emissões de gases com efeito estufa aumentaram mais lentamente do que em 2000, mas continuam aumentando", assim como sua "concentração e o aquecimento também", explica à AFP Pierre Friedlingstein, da Universidade de Exeter. "Precisam reduzir a uma emissão líquida zero", enfatiza.

Mudanças climáticas dobraram chance de chuva extrema no RS

As mudanças climáticas produzidas pela ação do homem no planeta tiveram uma grande contribuição nas chuvas extremas registradas entre fim de abril e início de maio no Rio Grande do Sul. O aumento da temperatura global dobrou as chances de a catástrofe acontecer, aponta estudo de caso publicado nesta semana. A conclusão é do World Weather Attribution (WWA), uma rede de cientistas que investiga o papel das mudanças climáticas a cada evento extremo registrado no mundo.

No caso recente brasileiro, elas transformaram um acontecimento extremamente raro, que era esperado apenas uma vez a cada 100 a 250 anos no clima atual, naquilo que se tornou a pior catástrofe natural já registrada no Rio Grande do Sul. As inundações deixaram marcas em mais de 90% do estado — uma área equivalente ao Reino Unido. Até agora, 172 mortes foram confirmadas e cerca de 600 mil pessoas permanecem desalojadas. Em muitos locais, como algumas áreas da capital Porto Alegre, a água ainda não baixou.

Um período mais úmido que o normal já era aguardado na região por conta do El Niño, caracterizado pelo aumento da temperatura das águas superficiais no Oceano Pacífico tropical. Este fenômeno climático natural ajuda a explicar a variabilidade nas chuvas observadas, mas o que se viu foi além do esperado.

"Nosso estudo mostrou em específico que as mudanças climáticas juntamente com o El Niño duplicaram o potencial de ocorrência do evento e aumento na intensidade de 6-9% devido à queima de combustíveis fósseis", detalhou Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores da pesquisa.

Os cientistas analisaram dois períodos de chuvas: um acumulado de quatro dias (20 de abril a 2 maio), e outro de dez dias (26 de abril a 5 de maio). A janela de quatro dias se mostrou o evento único mais severo: as chuvas recordes caíram por vários dias consecutivos.

Para se ter uma ideia da severidade da inundação mais recente, a pesquisadora Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),  comparou dados de 1941, quando Porto Alegre sofreu o que era até 2024 a sua pior cheia, com a situação atual.

"Em 1941, foram necessários 22 dias para o nível da água no Guaíba atingir 4,76 metros acima dos níveis normais. Em 2024, foram apenas cinco dias para o Guaíba ultrapassar os 5 metros, bem acima do nível de inundação de 3 metros necessário para inundar a cidade", pontuou durante seminário com jornalistas durante a apresentação do estudo.

A pesquisadora ressalta que três das maiores enchentes no Sul do Brasil aconteceram nos últimos nove meses, sob influência deste El Niño, que foi intenso. "A ciência já mostra que as mudanças climáticas vão intensificar este padrão", disse Rodrigues.

 

Impacto climático da humanidade é como o 'meteoro que eliminou os dinossauros', diz chefe da ONU

O papel da humanidade no aquecimento destrutivo do planeta é comparável ao do meteoro que destruiu os dinossauros, declarou o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelando por medidas rápidas, incluindo a proibição da propaganda de combustíveis fósseis.

"Das vastas forças que moldaram a vida na Terra ao longo de bilhões de anos, a humanidade é apenas um pequeno ponto no radar", disse Guterres em um discurso no Museu Americano de História Natural, em Nova York.

"Mas, tal como o meteoro que eliminou os dinossauros, estamos tendo um impacto descomunal", alertou. "No caso do clima, não somos os dinossauros. Somos o meteoro. Não estamos apenas em perigo. Somos o perigo."

O Copernicus, monitor climático da União Europeia, informou oficialmente nesta quarta-feira que maio de 2024 foi o maio mais quente já registrado na história.

Ele apelou à humanidade para tomar uma "rota de saída da estrada para o inferno climático", colocando um alvo específico na indústria dos combustíveis fósseis, que ele rotulou de "Poderosos Chefões do caos climático".

O secretário-geral também denunciou os anunciantes como "facilitadores" que ajudaram as empresas de combustíveis fósseis a adiar a ação climática.

"Parem de aceitar novos clientes de combustíveis fósseis a partir de hoje e estabeleça planos para abandonar os existentes", pediu.

Guterres também instou todos os países a proibirem a propaganda de empresas de combustíveis fósseis, como muitos fizeram para "produtos que prejudicam a saúde humana - como o tabaco".

O chefe da ONU repetiu o apelo à criação de um imposto sobre os lucros das empresas de combustíveis fósseis para financiar a luta contra o aquecimento global, ao mesmo tempo que mencionou "taxas de solidariedade" não especificadas nos setores da aviação e transporte marítimo.

Guterres também exigiu novamente que os países ricos eliminem gradualmente o carvão até 2030 e reduzam o consumo de petróleo e gás em 60% até 2035.

Os países ricos, que são historicamente mais responsáveis pelas emissões de carbono, deveriam aumentar a sua ajuda climática aos países mais pobres e em maior risco, apelou.

"Não podemos aceitar um futuro onde os ricos estejam protegidos em bolhas climatizadas, enquanto o resto da humanidade seja castigada por condições meteorológicas letais em terras inabitáveis", disse ele. (AFP)

La Niña reduzirá temporariamente a temperatura

O fenômeno meteorológico La Niña retorna ao planeta e vai causar uma queda nas temperaturas, após um período de El Niño que provocou, junto com a mudança climática, recordes de calor em 2023.

Mas o impacto deste resfriamento pode ser em média muito fraco, alertam os climatologistas, devido ao impacto das emissões de gases de efeito estufa, já responsáveis pelo um aumento das temperaturas globais em pelo menos 1,2°C em média na comparação com o fim do século XIX.

El Niño refere-se ao fenômeno cíclico de aquecimento da água no Oceano Pacífico tropical central e oriental, que influencia a precipitação, os ventos e as correntes oceânicas, e aumenta as temperaturas globais médias.

Ocorre a cada dois a sete anos e geralmente dura de nove a doze meses. O último El Niño, que começou em junho de 2023, está entre os cinco mais intensos já registrados, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM).

Embora o El Niño tenha desaparecido, os primeiros quatro meses de 2024 continuaram batendo recordes de calor, o que não é uma surpresa, uma vez que o seu ciclo geralmente provoca o aumento das temperaturas no ano seguinte ao seu aparecimento.

O fenômeno La Niña resulta em um resfriamento do Oceano Pacífico oriental durante um período de aproximadamente um a três anos, produzindo os efeitos inversos aos do El Niño no clima global.

La Niña causa condições geralmente mais úmidas em algumas regiões da Austrália, Sudeste Asiático, Índia, sudeste da África e norte do Brasil, mas condições mais secas em algumas partes da América do Sul.

Também pode contribuir para uma temporada de furacões mais violenta no Atlântico. A agência norte-americana NOAA antecipa uma temporada excepcional para 2024, com entre quatro e sete furacões de categoria 3 ou superior.

Um possível retorno do La Niña desde o verão não é suficiente para alimentar a esperança de um alívio rápido em regiões como o Sudeste Asiático, atingidas desde a primavera por ondas de calor extremas.

 

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