Na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), o número de deputados autodeclarados negros com mandato aumentou consideravelmente na última década. Em 2014, eram 10 parlamentares eleitos, representando 22% dos 46 assentos na Casa. Em 2022, são 15, quase um terço do total. Em 2018, foram 13 eleitos, entre eles o atual governador do Estado, Elmano de Freitas (PT).
O avanço ocorreu também na quantidade de candidaturas dos que se declaram negros. No entanto, escancarara ainda mais a disparidade entre os que se lançaram na disputa e os que foram eleitos. Em 2014, as candidaturas negras representavam 49,7% do total. Em 2018, corresponderam a 58,6% e, em 2022, eram 60% do total de postulantes ao mandato de deputado estadual.
Em 2022 as regras aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que visavam diminuir essa disparidade, foram aplicadas pela primeira vez. A distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral, e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão passa a ser obrigatoriamente proporcional ao total de candidatos negros (pretos e pardos) que o partido apresentar para a disputa eleitoral.
A decisão do TSE foi tomada após análise de uma consulta apresentada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Benedita indagou se a parcela dos incentivos às candidaturas femininas, que estão previstos na legislação, poderia ser reservada especificamente para candidatas da raça negra.
Caso um partido apresente uma chapa de candidatos com 60% dos postulantes que se autodeclarem negros, 60% dos recursos do Fundo Eleitoral e 60% do tempo de propaganda eleitoral gratuita dispostos pela legenda devem ser destinados a essas candidaturas.
Apesar do avanço, os resultados práticos a nível do legislativo estadual pareceram tímidos.
Situação observada também em outros níveis. Em 2022, as pessoas negras representaram 48% dos candidatos à Câmara dos Deputados, mas apenas 26% dos eleitos.
Na última segunda-feira, 10, O POVO publicou a primeira parte da reportagem sobre o mapa racial da política no Ceará, com dados sobre câmaras municipais e pfrefeituras do Estado.
Representatividade na bancada federal cearense regride
Em 2018, o percentual de negros na bancada cearense na Câmara dos Deputados chegou a ser 40% dos 22 eleitos — eram 9 no total. Mas, o salto que havia sido dado em relação a 2014, quando apenas 4 haviam sido eleitos, não se manteve para 2022.
O número de postulantes que se autodeclararam negros em 2022 foi de 249 e representou 60% do total de candidaturas, um aumento de 99 candidatos negros em relação a 2018. Apesar disso, o percentual de eleitos caiu e ficou em 31% da bancada, com 7 representantes pardos ou pretos.
Em relação ao número de candidatos, houve um aumento considerável entre 2014 e 2022. Em 2014, candidatos negros representavam 52% do total. Em 2018, passaram a ser 56% e, em 2022, chegaram a marca de 60% do total de candidaturas.
De Marielle às redes sociais: hipóteses do aumento de candidaturas negras
Uma das hipóteses levantadas pela socióloga Mariana Lacerda para o aumento de candidaturas negras nas últimas três eleições é o "efeito Marielle". A morte da vereadora, assassinada em 2018, a causou comoção e indignação. Muitas pessoas negras, principalmente mulheres, começaram a olhar a política como um lugar necessário de ocupar.
Além disso, em 2020 dois "fenômenos" potencializaram o interesse e o engajamento das pessoas negras pelos espaços políticos. O primeiro foi o movimento "Black Lives Matter" (BLM), ou "Vidas Negras Importam".
O assassinato do estadunidense George Floyd despertou uma poderosa inquietação nos Estados Unidos e que se expandiram para o resto do mundo, inclusive para o Brasil. O BLM instigou as pessoas negras a debaterem política e a violência expressa pelo Estado.
O segundo foi a pandemia de Covid-19, que transformou a forma de fazer campanha. Fortes em 2018, as redes sociais ganharam proporções enormes na disputa eleitoral de 2020, possibilitando que candidatos sem maior financiamento para desenvolverem as campanhas pudessem ter a voz ecoando para além das próprias bolhas.
Além, claro, da nova regra de financiamento e tempo de propaganda eleitoral gratuita estalebecida pelo TSE. Apesar de os resultados ainda serem tímidos, a expectativa é que a medida traga maiores impactos a médio e longo prazo.
"É um ativo muito grande, você coloca o candidato em evidência. O recurso possibilita que você contrate mais pessoas, imprima mais panfletos para distribuir", destaca Mariana Lacerda, estudiosa da representação de mulheres negras no parlamento brasileiro.
Apesar de as evidências apontarem para a confirmação das hipóteses, Mariana destaca que a pesquisa ainda não está concluída e que os estudos continuam a ser feitos.