Após as críticas avançarem das redes sociais para as ruas das principais capitais do País, até defensores do chamado PL do Aborto iniciaram a semana admitindo que o projeto não deve ser votado tão cedo, embora a Câmara tenha aprovado urgência na análise na semana passada. Já o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fechou questão contra a proposta e já admite questionar o Supremo Tribunal Federal (STF), caso sua tramitação avance.
O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos autores e principal defensor do projeto que pune quem interromper uma gestação com mais de 22 semanas, mesmo nos casos permitidos em lei, admitiu que a votação poderá ficar para depois das eleições municipais. "A votação da matéria em plenário terá o ano todo (para ocorrer)", disse ao jornal O Globo.
Segundo o deputado afirmou em entrevista, o projeto é uma promessa feita pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), quando se candidatou à reeleição em 2023, e o cumprimento dela está vinculado agora ao apoio para a eleição de um sucessor. "O Lira tem compromisso conosco e ele pode cumprir até o último dia do mandato dele", disse, afirmando que, sem que Lira cumpra o combinado, "fica difícil de pedir apoio (para seu candidato à sucessão)".
Sóstenes lê a postura do governo, que demorou para se pronunciar contrariamente ao projeto, e a falta de resistência para conferir celeridade ao processo - em uma análise que demorou cinco segundos - como um cenário onde está "tudo dominado". "O governo está dando corda para as feministas nesse assunto, elas estão desesperadas. Eu estou muito calmo, deixa elas sapatearem. Eu já ganhei, votamos a urgência, ninguém chiou, tudo caladinho, tudo dominado, dominamos 513 parlamentares", afirmou o deputado.
O assunto será tema de reunião hoje de Lira com os líderes partidários. A tendência agora é focar na regulamentação da reforma tributária, segundo aliados do presidente, de forma a que as propostas estejam prontas para votação no próximo mês.
Nos bastidores, afirma-se que Lira não gostou da amplitude que tomou o tema do aborto - nem de ser alvo de manifestações na semana passada, com direito a cartazes nas ruas contra ele. O deputado alagoano afirmou que há uma lista enorme de projetos com requerimentos para tramitação em regime de urgência aprovados, mas sem que o mérito tenha ido para votação. Alguns aliados ressaltam ainda que a aprovação da urgência foi um "aceno" à bancada evangélica. Mas não existe interesse na votação do projeto em plenário neste momento.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou ontem que não vê "ambiente" no Congresso para que o projeto do aborto avance mais. "É o que ouço dos líderes." Na semana passada, ele já havia afirmado que o governo é contra qualquer mudança na legislação atual sobre o aborto. No sábado, o presidente Lula (PT) disse que, apesar de ser contra o aborto, considera uma "insanidade" querer punir a mulher vítima de estupro com pena maior que a do estuprador - que chega a 10 anos.
As ministras do governo também foram às redes sociais criticar a proposta. "Ser contra o aborto não pode significar defender o PL do estupro", escreveu Simone Tebet (Planejamento e Orçamento). (Agência Estado)