O eleitor fortalezense está mais preocupado com a Segurança Pública. É o que mostra a primeira rodada da Pesquisa Datafolha, contratada pelo O POVO, divulgada na última semana. O levantamento perguntou aos moradores da Capital cearense: “Qual o principal problema da cidade hoje?”. Para 44% dos entrevistados, o principal problema da cidade envolve temas de segurança, violência e criminalidade.
Na segunda posição aparecem pontos ligados à saúde, hospitais e postos de saúde (17%). Em terceiro estão questões de calçamento, asfalto e buracos (12%) e na quarta colocação pontos sobre limpeza urbana, com 6% dos entrevistados citando o assunto como principal problema de Fortaleza (ver gráfico para outros tópicos).
A pesquisa Datafolha esteve em campo em Fortaleza entre a última segunda-feira, 24, e a quarta-feira, 26 de junho. Foram dias nos quais o principal assunto no Ceará foi a crise na segurança pública estadual, com uma chacina em Viçosa do Ceará, que deixou oito mortos, e uma tentativa de chacina no bairro Barroso, em Fortaleza, que teve uma mulher e uma criança como vítimas fatais.
Neste ano, a segurança entrou de vez no debate eleitoral de Fortaleza após uma onda de violência que acometeu o Ceará. No último dia 21 de junho, 18 homicídios foram registrados em todo o Estado, sendo oito deles na Capital.
O Governo do Estado intensificou ações e anúncios na área da segurança, enquanto pré-candidatos e lideranças da oposição fizeram duras críticas à gestão estadual.
A pesquisa Datafolha ouviu presencialmente 644 eleitores de Fortaleza. A pesquisa foi contratada pelo Grupo de Comunicação O POVO, está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com número CE-01909/2024 e tem margem de erro de quatro pontos percentuais para mais ou para menos. A taxa de confiança é de 95%.
Segundo o levantamento, as pessoas que têm entre 25 a 34 anos são as que mais se preocupam com o tema da segurança. Para 51% dos entrevistados nessa faixa etária este é o principal problema da Capital. Entre os mais jovens, de 16 a 24 anos, o índice também é elevado, chegando a 50%. Embora seja uma preocupação do eleitorado, a segurança não é, em princípio, responsabilidade dos municípios, sendo uma atribuição do Estado.
Entre os eleitores dos cinco pré-candidatos mais bem posicionados na pesquisa, o tema da segurança lidera como principal ponto de problema em Fortaleza. Para os eleitores dos pré-candidatos mais à direita no espectro político, o tópico da segurança lidera com folga, sendo 55% entre os que dizem votar em André Fernandes (PL) e 47% para os eleitores de Capitão Wagner (União Brasil).
Na sequência, aparecem 44% dos eleitores de Célio Studart (PSD) e 40% dos votantes em José Sarto (PDT). Já entre os entrevistados que afirmam votar em Evandro Leitão (PT), o tema da segurança pública é citado por 29%, dividindo atenção com outros tópicos como saúde (26%) e calçamento/asfaltamento/buracos (20%).
Há quatro anos, a segurança já era o tema prioritário para o eleitorado de Fortaleza. Em pesquisa do Datafolha contratada pelo O POVO antes das eleições de 2020 mostrou que 33% dos entrevistados apontavam que a segurança deveria ser a prioridade do próximo gestor, enquanto tópicos de Saúde foram a segunda resposta mais frequente, com 28% dos eleitores ouvidos por aquele levantamento.
A eleição de 2024 em Fortaleza já tem um tema central, mesmo antes de começar: Segurança Pública. Embora não seja atribuição direta das prefeituras, são os municípios que sofrem diretamente com os efeitos da violência e dos gargalos existentes. Em suma, é na cidade que a população sente os efeitos práticos da criminalidade, tornando o tema num catalisador natural do debate eleitoral.
Em Fortaleza está a maior concentração populacional do Ceará. Com 2,4 milhões de habitantes (27,61% da população do Estado), a Capital consequentemente está sujeita a uma maior incidência da violência, o que por fim mobiliza políticos a discutir o tema.
O POVO conversou com especialistas sobre o quanto o debate da Segurança Pública deve influenciar na campanha eleitoral e sobre como parte dos pré-candidatos já vem se apropriando da questão. Sobretudo num contexto em que casos de violência tiveram alta de registros no Estado.
Paula Vieira, pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídias (Lepem-UFC) avalia as movimentações dos postulantes à Prefeitura que o fazem a fim de gerar capital político.
“Em termos de confronto, o prefeito Sarto já puxa a pauta para si como forma de se colocar como opositor ao Governo do Estado. Ele não esclarece, discursivamente, que a segurança não é uma pauta a ser resolvida pela Prefeitura, ao mesmo tempo em que fala que vai armar a Guarda Municipal e, assim, aponta uma ‘solução’, dá uma resposta”, explica.
Neste cenário, a pesquisadora projeta que o pré-candidato do governista, Evandro Leitão (PT), é quem mais deve sofrer com críticas, por conta da vinculação com o grupo à frente da gestão estadual. “Evandro será colocado no centro da crise porque é quem está vinculado ao partido do governador, que é o responsável. Isso pode acabar prejudicando a candidatura na medida em que a Segurança não é uma questão que será resolvida da noite para o dia”, pontua.
Em contrapartida, o governador Elmano de Freitas (PT) deu declarações fortes recentes, argumentando que a esquerda precisa rever o discurso sobre segurança. Em meio à última crise na segurança pública, ele anunciou medidas como convocação de novos profissionais, entregas de viaturas, melhorias de gratificações, dentre outras ações.
Com a eleição batendo às portas, uma leitura possível é de que essas ações, além de reforçarem que a segurança é prioridade, dão munição argumentativa ao pré-candidato governista para o período eleitoral que se avizinha.
Acrescenta-se ainda ao cálculo o fato de que, nos últimos anos, há uma maior dedicação de determinados grupos políticos à pauta. Mundo afora, agentes da direita e da extrema direita se apropriaram do tema, muitas vezes utilizando o argumento do armamento, o que tem gerado crescente de candidaturas similares. Em Fortaleza, os pré-candidatos Capitão Wagner (União Brasil) e André Fernandes (PL) são parte da oposição, mais à direita, que deve se debruçar sobre o tema.
Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), aponta que Wagner tem sido cobrado nos últimos pleitos a "ampliar o discurso", mas que o contexto no qual se insere a eleição de 2024 pode fazer com que o pré-candidato recobre um discurso mais próximo da segurança.
"Quando Wagner disputou o governo em 2022, ele se sentiu mais à vontade para discutir segurança, porque é atribuição do Estado. Mas saindo da disputa, ele vai para a Secretaria da Saúde de Maracanaú para diversificar e forjar uma imagem de gestor experiente. Agora, em 2024, o cenário, favorece a colocação do discurso da segurança. Primeiro, pela onda de violência que toma conta do Estado e segundo porque o atual prefeito da razão a essa ideia quando fala em armar a guarda".
Nesse contexto, Emanuel projeta que Wagner pode sentir-se "mais à vontade" para abordar o tema. "O gestor da cidade não pode ficar aquém do discurso. Com isso, ele pode apontar os erros do Governo do Estado, como alguém que tem ligação com a tropa, ao passo em que também aponta erros da Prefeitura e reforça que embora o responsável seja o Estado, há coisas que a Prefeitura poderia executar.
Sobre Fernandes, o especialista reforça que o bolsonarista deve "nadar de braçada" na abordagem da pauta, mas reforça que há desafios que se colocam ao pré-candidato.
"O grande desafio será mostrar como o bolsonarismo produziu segurança, ou não, no governo federal. Ao mesmo tempo que vai nadar no tema, será desafiado a dar uma resposta efetiva", avalia, acrescentando que Fernandes estará num terreno favorável enquanto discurso "punitivo e populista", mas limitado "no que diz respeito à efetividade" que uma Prefeitura tem nessa questão específica.
Dentro das facetas do espectro político da direita, Fortaleza já tem três pré-candidatos na corrida eleitoral. Capitão Wagner (União Brasil), André Fernandes (PL) e Eduardo Girão (Novo). Os dois primeiros abordam com mais intensidade a pauta da segurança pública, que deve ser crucial no debate político-eleitoral deste ano, embora não seja uma função primária de prefeituras.
Embora ambos abordem o tema, especialistas ouvidos pela reportagem destacam que a forma como o tratam é distinta. Tanto Wagner quando Fernandes não devem descolar da temática, por ser uma pauta forte de oposição ao governo e de uma parcela do eleitorado mais ligada ao conservadorismo.
Cleyton Monte, analista político e pesquisador vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), destaca as diferenças de abordagem entre André e Wagner.
"Wagner tem um discurso muito atrelado à corporação, mas ao mesmo tempo ele tem tentado trazer um debate mais técnico da Segurança. Um debate sobre inteligência, sobre a valorização da categoria, sobre investimento em monitoramento. Ele se apropriou desse debate mais técnico", explica.
Já sobre Fernandes, o pesquisador aponta para uma postura mais passional. "O André se aproxima muito da gramática bolsonarista. Qual a fala dele sobre o tema? É uma fala mais superficial, de impacto, lacradora, mais armamentista e que faz a defesa da distribuição de armas e munições; do discurso de 'bandido bom é bandido morto', que abraça aquele arsenal semântico do Bolsonaro", avalia.
"Não há preocupação técnica, de ordem corporativa. É uma fala mais de endurecimento contra a criminalidade; Apesar dos dois tratarem muito do tema, a abordagem é diferente".
Cientista política e professora da Unichristus, Paula Vieira aponta ainda que Fernandes deve usar a Segurança como uma das principais cartas para crescer eleitoralmente. “Ele deve utilizar a pauta com um tom de enfrentamento para descredibilizar adversários, sobretudo o candidato petista. Buscando apontar um governo ineficiente frente à segurança e tentando colar essa imagem numa eventual administração do candidato do governo”.
Por: Luiz Fábio S. Paiva; coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC
A cada dois anos, vivemos eleições no Brasil, com a definição de projetos em escala municipal, estadual e federal. Acredito que nada tem animado mais os debates eleitorais, pelo menos nos últimos vinte anos, do que os problemas de segurança pública vividos pela sociedade brasileira.
Refletir sobre a situação da segurança pública, em um momento eleitoral, deveria ser uma oportunidade para esclarecer a população dos problemas e discutir propostas para uma sociedade menos violenta. Não obstante, a cada nova eleição, assistimos estarrecidos a deterioração do debate sobre segurança pública, com políticos ávidos por votos propondo soluções absurdas, apelando para os sentimentos de medo e insegurança da população.
Nos debates, as instituições de segurança são usadas como mercadorias político-eleitorais, com políticos profissionais definindo programas, inventando projetos e prometendo usar as forças policiais de acordo com interesses do seu governo. Desta maneira, policiais de todas as forças assistem suas instituições serem vendidas e prometidas em pacotes anunciados por políticos em campanha eleitoral.
Candidatos se aproveitam de cenários de violência para defenderem violações de direitos como estratégia de segurança pública, esquecendo que, nos últimos dez anos, estados como o Ceará expandiram suas forças policiais, investiram em tecnologia, realizaram prisões em grande quantidade, aperfeiçoaram o controle do sistema carcerário e não resolveram problemas graves da área.
Isto porque esquece-se do básico, não se soluciona problemas relacionados à violência e ao crime sem pensar, conjuntamente, as condições sociais que geram tais problemas. Cada crime conta uma história que, em diferentes escalas, envolve uma série de acontecimentos anteriores à ocorrência e ele não termina com o enfrentamento ou prisão, mas envolve toda maneira como as instituições de justiça se comportam para garantir a responsabilização das pessoas que causaram dano à sociedade.
Infelizmente, pensar a complexidade de problemas de segurança pública não gera voto e pesquisadores dessa área são solenemente ignorados, enquanto equipes de marketing auxiliam políticos profissionais por meio dos indicadores do que gera engajamento nas redes sociais. Propor mais violência em uma sociedade amedrontada gera voto e se optou por isso em detrimento da responsabilidade de se pensar segurança pública como projeto de Estado.