A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no inquérito que apura desvio e tentativa de venda de joias sauditas. A investigação imputa ao ex-chefe do Executivo federal indícios da prática dos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Além de Bolsonaro, foram indiciados 11 ex-assessores e aliados do ex-presidente, entre eles o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, o ex-chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes e os advogados Frederick Wassef e Fabio Wajngarten. Wajngarten foi chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom).
Bolsonaro vinha sendo investigado sob a suspeita de intervir, pessoalmente e por meio de funcionários da Presidência, para conseguir a liberação de um conjunto de joias dado pelo governo da Arábia Saudita e avaliado por peritos da PF em R$ 5,1 milhões.
Como foi um presente institucional, os itens deveriam ser catalogados e incorporados ao patrimônio da União. O ex-presidente prestou depoimento à PF sobre esse caso em abril e em agosto do ano passado.
O relatório final da PF está prestes a ser entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF). Quando o inquérito for remetido formalmente ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, ele deve abrir vista à Procuradoria-Geral da República. Cabe ao órgão se manifestar sobre um eventual oferecimento de denúncia contra os investigados. O Ministério Público Federal pode seguir ou não o parecer da PF.
O indiciamento ocorreu na esteira da Operação Lucas 12:2, que apontou indícios de que Bolsonaro e aliados "atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente para posteriormente serem vendidos no exterior".
Segundo a corporação, dados do inquérito indicam a possibilidade de o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência - responsável pela definição do destino de presentes oferecidos por autoridade estrangeira ao presidente - "ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado, presentes de alto valor, mediante determinação" de Bolsonaro.
À época em que a Lucas 12:2 foi aberta, os investigadores implicaram o ex-presidente em duas hipóteses criminais. A primeira levantou suspeitas de que o esquema teria ocorrido durante quase toda a gestão de Bolsonaro, entre 2019 e dezembro de 2022, com o desvio de presentes recebidos pelo ex-presidente e a remessa, de forma oculta, para os Estados Unidos, em avião presidencial.
A PF indica que, naquele país, os presentes foram encaminhados para lojas especializadas na Flórida, em Nova York e na Pensilvânia, "para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta".
Já a segunda hipótese criminal da PF é a de que o mesmo grupo teria ocultado "origem, localização e propriedade dos recursos financeiros decorrentes da alienação dos bens desviados do acervo público".
Segundo a apuração, os investigados estruturaram uma "verdadeira operação para resgatar os bens, que estavam em estabelecimentos comerciais nos EUA, para retornarem ao Brasil e serem devolvidos ao governo brasileiro, tudo para cumprir uma decisão exarada pelo Tribunal de Contas da União (TCU)".
Dados de presente a Bolsonaro pelo regime ditatorial da Arábia Saudita, um par de brincos de diamantes, um relógio de luxo e um colar de ouro estavam na mochila de um assessor do então ministro Bento Albuquerque. Era outubro de 2021 e as joias quase entraram de maneira irregular no País. A investida foi barrada pela fiscalização da Receita no Aeroporto de Guarulhos (SP).
A história começou com a primeira visita de Bolsonaro à Arábia Saudita, em 2019. Na visita, o ex-presidente recebeu do rei Salman Bin Abdulaziz Al Saud um relógio Rolex. O item ficou com o ex-chefe do Executivo e, posteriormente, foi vendido por assessores da Presidência nos Estados Unidos.
Em março de 2021, foi exposto que três pacotes de joias entregues pelo governo saudita chegaram ao País de forma irregular. Um dos kits foi apreendido em Guarulhos e os outros dois foram entregues para o ex-presidente, que incorporou os itens ao "acervo privado" dele. A prática é ilegal, tendo em vista que a legislação brasileira exige que presentes sejam entregues para o patrimônio da Presidência.
Wassef negou que Bolsonaro ou Mauro Cid tenham pedido que ele resgatasse o relógio Rolex no exterior. "Eu estava em viagem nos Estados Unidos e apenas pratiquei um único ato, que foi a compra do Rolex com meus próprios recursos, para devolver ao governo federal. Entreguei espontaneamente à Polícia Federal todos os documentos que provam isto. Nem eu e nem os demais advogados do ex-presidente tivemos acesso ao relatório final, o que choca a todos, o vazamento à imprensa de peças processuais que estão em segredo de Justiça. Estou passando por tudo isto apenas por exercer advocacia em defesa de Jair Bolsonaro", declarou o advogado do ex-presidente.
Fábio Wajngarten criticou a conduta da PF. "O meu indiciamento se baseia na seguinte afronta legal: fui indiciado porque, no exercício de minhas prerrogativas, defendi um cliente, sendo que em toda a investigação não há qualquer prova contra mim. Fui indiciado pela razão bizarra de ter cumprido a lei", afirmou.
Wajngarten disse ainda que sua orientação, como advogado, foi a de que os presentes "fossem imediatamente retornados à posse do Tribunal de Contas da União". "Minha sugestão foi acolhida e os presentes, entregues imediatamente ao TCU." Ele afirmou que vai recorrer "a todas as instâncias da Justiça para conter o abuso de poder e essa atitude arbitrária de um integrante da PF".
As defesas dos outros indiciados não haviam se manifestado até a publicação deste texto. O espaço segue aberto a manifestações.
Político aliado de ex-presidente é alvo de caso da vacinação
A Polícia Federal avançou nas investigações que apuram um esquema de fraudes em cartões de vacinação contra a Covid-19. Após o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em março, agentes federais cumpriram nesta quinta-feira, 4, mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Washington Reis (MDB) - ex-prefeito de Duque de Caxias (RJ) e atual secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro - e Célia Serrano da Silva - secretária de Saúde do município.
A ação atingiu um dos principais aliados políticos de Bolsonaro no Rio. Foram apreendidos cerca de R$ 200 mil em espécie durante as buscas feitas na casa do ex-prefeito e secretário de Transportes.
Reis é o alvo principal da segunda etapa da Operação Venire, investigação que resultou no primeiro indiciamento de Bolsonaro. Na primeira etapa, em maio do ano passado, a PF prendeu o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que virou delator e implicou o antigo chefe em uma série de investigações em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
A ofensiva ocorreu em meio à expectativa de que a PF complemente o relatório final da operação, reforçando o indiciamento de Bolsonaro no caso. Em abril, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu a complementação das apurações antes de decidir se denuncia ou não o ex-presidente e outros investigados pela PF.
Quando a primeira etapa foi aberta, a PF já apontava a criação de uma "estrutura criminosa no município de Duque de Caxias" para beneficiar o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, suas filhas e também o então presidente e sua filha Laura, além dos assessores Max Guilherme e Sérgio Cordeiro.
Agora, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República sustentam que o esquema teria beneficiado outras pessoas no município de Duque de Caxias. A nova etapa ostensiva do inquérito vasculhou não só o endereço de Washington Reis, mas também de Célia Serrano da Silva. As buscas foram autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, a partir de pedido da PF e da PGR.
De acordo com a PF, em dezembro de 2022, João Carlos de Sousa Brecha, então secretário de Governo de Duque de Caxias, inseriu dados fraudulentos no sistema do SUS sobre a suposta vacinação de Bolsonaro. Segundo as informações inseridas, o então presidente foi a Duque de Caxias receber doses da vacina Pfizer em 13 de agosto e 14 de outubro de 2022. No entanto, de acordo com as diligências, o deslocamento de Bolsonaro até a cidade na Baixada Fluminense nessas datas não era viável.
Os dados inseridos por Sousa Brecha foram removidos seis dias depois pela servidora Claudia Helena Acosta, chefe da Central de Vacinas da cidade, sob alegação de "erro". Neste ínterim, porém, já haviam sido impressos comprovantes de vacinação com as informações fraudulentas, que foram entregues às autoridades de imigração dos Estados Unidos. Sousa Brecha foi preso durante a primeira fase da Operação Venire.
Líder de um clã político formado na Baixada Fluminense, Washington Reis é um aliado de primeira hora da família Bolsonaro. O ex-prefeito e outros três irmãos políticos ampliaram a base e influência eleitoral no Rio às margens de nomes como do ex-chefe do Executivo, do ex-governador Sergio Cabral e do atual mandatário estadual Cláudio Castro (PL).
Washington Reis é secretário estadual de Transportes de Castro, mas a relação com o governo estadual não começou com o atual governador. Foi subsecretário estadual de Obras Metropolitanas do Rio na gestão de Sergio Cabral, em 2009.
O que dizem os outros indiciados
Frederick Wassef negou que Jair Bolsonaro ou Mauro Cid tenham pedido que ele resgatasse o relógio Rolex no exterior. "Eu estava em viagem nos Estados Unidos e apenas pratiquei um único ato, que foi a compra do Rolex com meus próprios recursos, para devolver ao governo federal. Entreguei espontaneamente à Polícia Federal todos os documentos que provam isto. Nem eu e nem os demais advogados do ex-presidente tivemos acesso ao relatório final, o que choca a todos, o vazamento à imprensa de peças processuais que estão em segredo de Justiça. Estou passando por tudo isto apenas por exercer advocacia em defesa de Jair Bolsonaro", declarou o advogado do ex-presidente.
Fábio Wajngarten criticou a conduta da PF. "O meu indiciamento se baseia na seguinte afronta legal: fui indiciado porque, no exercício de minhas prerrogativas, defendi um cliente, sendo que em toda a investigação não há qualquer prova contra mim. Fui indiciado pela razão bizarra de ter cumprido a lei", afirmou.
Wajngarten disse ainda que sua orientação, como advogado, foi a de que os presentes "fossem imediatamente retornados à posse do Tribunal de Contas da União". "Minha sugestão foi acolhida e os presentes, entregues imediatamente ao TCU." Ele afirmou que vai recorrer "a todas as instâncias da Justiça para conter o abuso de poder e essa atitude arbitrária de um integrante da PF".
As defesas dos outros indiciados não haviam se manifestado até o fechamento desta página.
Joias
Bolsonaro pode pegar até 32 anos de prisão só no caso das joias. A pena mais rígida é de associação criminosa. Quando três ou mais pessoas se associam para pratica criminosa poderão pegar entre cinco e dez anos de reclusão e multa
Quais são os próximos passos depois do indiciamento de Bolsonaro no caso das joias?
A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 11 pessoas nesta quinta-feira, 4, pelos supostos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro no caso que envolvendo a venda das joias sauditas, revelado pelo Estadão em março de 2023.
Além de Bolsonaro, outros aliados dele de primeiro escalão foram indiciados, como o advogado pessoal do ex-mandatário, Fabio Wajngarten, e o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência (e delator) Mauro Cid.
O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o caso está sendo entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF). O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, deve encaminhar o documento para o Ministério Público Federal.
Cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar, em até 15 dias, sobre um eventual oferecimento de denúncia contra os investigados.
O MPF é quem vai decidir se apresenta acusação formal à Justiça, que pode determinar a abertura de uma ação penal. O MPF pode também pedir mais apurações, ou ainda arquivar o caso.
Ou seja, o indiciamento não significa que o ex-presidente já tenha sido considerado culpado pela apropriação e tentativa de venda das joias. Se a Justiça acatar a denúncia, aí, sim, Bolsonaro vira réu no processo que vai apurar os crimes.