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O avanço da extrema direita que põe a globalização em xeque
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O avanço da extrema direita que põe a globalização em xeque

| Radicalismo | Alemanha, França e Itália têm registrado movimentos mais intensos destes grupos a partir de figuras com discurso anti-imigração, ultranacionalista e contrário à União Europeia a outros organismos supranacionais
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Marine Le Pen, do partido ultradireitista francês Reunião Nacional, diante de telão com o rosto do presidente da sigla e candidato a primeiro-ministro Jordan Bardella (Foto: Julien de Rosa/AFP)
Foto: Julien de Rosa/AFP Marine Le Pen, do partido ultradireitista francês Reunião Nacional, diante de telão com o rosto do presidente da sigla e candidato a primeiro-ministro Jordan Bardella

A ultradireita marcha a passos largos em países-chave da Europa. Eleições recentes no “velho continente” têm registrado um fenômeno relativamente novo, com o avanço de grupos extremistas nas casas legislativas e até mesmo dentro de gestões. Na Itália, a extrema direita já é governo. Na França, pode formar maioria no Legislativo no pleito deste domingo e fazer um primeiro-ministro. Na Alemanha, grupos com tendências neonazistas têm crescido.

As três maiores economias da União Europeia (UE) têm registrado movimentos mais intensos desses grupos a partir de figuras relevantes (ver quadro). Destaque para a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, do partido Fratelli d'Italia (Irmãos da Itália), Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional (RN) na França. e o partido Alternativa para Alemanha (AfD), que assim como os outros, tem discurso anti-imigração, ultranacionalista e contrário à UE e a outros organismos supranacionais.

A ascensão dos ultradireitistas reforça um sentimento de “desglobalização”, diferente do que ocorria há 30 anos, na esteira do fim da Guerra Fria, quando prevalecia o sentimento geral de maior conexão entre os estados a partir da integração internacional e do multilateralismo.

O retrato europeu se repete pelo mundo, podendo ser um prenúncio para outros países e regiões. Em novembro, os Estados Unidos terão eleições presidenciais, na qual Donald Trump, rosto mais conhecido da extrema direita mundial, tem despontado como favorito.

O POVO ouviu especialistas sobre como os extremistas têm avançado e como se organizam para manter a relevância após chegar ao poder. O professor italiano Fabio Gentile, PhD em Filosofia e Política pela Universidade L'Orientale, de Nápoles, destaca que o fenômeno do crescimento da extrema direita não é apenas europeu, mas global.

“De forma geral, o extremismo avança porque há algumas décadas a democracia está em crise. O estado social está enfraquecido, os recursos para políticas públicas de cunho social são escassos. Na Europa, em especial, há a questão dos imigrantes, o que vira argumento da extrema direita para mobilizar setores da sociedade” ressentidos”, explana.

Gentile destaca que a extrema direita cresce utilizando-se de temas de identidade nacional para rechaçar organismos internacionais, ao passo em que é acentuada a fragilidade de movimentos mais à esquerda. “Há uma recusa da unidade europeia, argumentando que acabaria com a identidade nacional, com a soberania econômica. A direita avança, também, porque a centro-esquerda fracassa. Fracassa porque não tem uma resposta às demandas sociais e a direita sabe melhor representar essas demandas de alguns setores”, pontua.

No entanto, ele ressalta que a partir do momento em que extremistas chegam ao poder, precisam aparar arestas a fim de manter a governabilidade. “Eles têm discurso populista e de recusa da política, mas esse é o argumento de quem está em campanha. Na hora que vira governo, pode até manter (o discurso) para o eleitorado, mas tem que governar, dar conta do país, formar alianças. Na Itália e na França, há essa ambiguidade, que marca a extrema direita. Estar dentro e fora do sistema, recusa a política, mas faz parte dela”.

Demetrius Pereira, professor de Relações Internacionais e Comunicação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e do Centro Universitário Belas Artes, sinaliza que a eventual suavização do discurso extremista pode engolir a direita tradicional. “O caminho deles é, talvez, se aproximar da esquerda, ampliando assim as posições mais centristas. Uma aliança mais ao centro para evitar os extremos”, projeta.

Pereira cita países nórdicos como contraponto ao avanço da ultradireita e explica a razão. “Isso se dá, especialmente, porque eles já tem bem estabelecido o "wellfare state" (estado de bem-estar social), que seria essa conciliação de direita e esquerda, entre capitalismo e ‘socialismo’, por assim dizer. Isso faz com que a esquerda tenha força nesses locais”, diz.

O professor lembra ainda do Reino Unido, onde eleições legislativas registraram derrota acachapante para os conservadores, embora o partido Reform UK, de extrema direita, pela primeira vez conseguiu eleger deputados para a Câmara dos Comuns.

“Eu diria que ali teria começado esse movimento mais à direita, com o Brexit. Talvez no Reino Unido seja onde vai se iniciar uma queda da extrema direita. Ela nunca chegou, de fato, ao governo, mas chegou próximo. No entanto, tem se amenizado bastante após o Brexit. Há uma visão grande na sociedade britânica de que, hoje, a maioria votaria para permanecer na UE, o que pode ter levado a um crescimento da esquerda, que se confirma agora”, conclui.

Reino Unido vai na contramão do extremismo

Na contramão. É assim que o Reino Unido decidiu caminhar em relação ao continente europeu.

Se por um lado, a tendência é de avanço da extrema direita em nações como Itália, França e Alemanha, no Reino Unido uma guinada à esquerda já é realidade. O Partido Trabalhista (centro-esquerda) confirmou uma vitória - de lavada -, nas eleições legislativas deste mês. Com isso, a esquerda voltou ao poder após 14 anos de gestões conservadoras.

Os trabalhistas conseguiram uma maioria colossal no Parlamento, passando a ter mais de 410 assentos, contra 120 dos conservadores (centro-direita), e batendo com folga o mínimo necessário para assegurar a maioria (326 cadeiras). Com isso, o ex-advogado de direitos humanos, Keir Starmer, passa a ocupar o posto de primeiro-ministro.

Em seu primeiro discurso na última sexta-feira, 5, Starmer destacou a responsabilidade de assumir o cargo e destacou a missão de reverter uma crise de confiança da população para com a classe política após anos de gestões conservadoras. “Temos que devolver a política ao serviço público. Mostrar que a política pode ser uma força para o bem", declarou.

Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Groningen e Estrasburgo, avalia que o resultado aponta que o Reino Unido decidiu abordar problemas reais e questões urgentes para os países que compõem o território, que saiu recentemente da União Europeia (UE) e vem enfrentando repetidas crises na política interna.

“Ao rejeitar o populismo, o Reino Unido vai na contramão dos Estados Unidos e de grande parte da Europa, com planos pragmáticos para abordar imediatamente os desafios econômicos reais e estimular o crescimento por meio da cooperação empresarial e do investimento em tecnologia verde”, denota.

QUADRO

Georgia Meloni: A Itália é onde a ultradireita já tornou-se governo, com a primeira-ministra Giorgia Meloni, do partido Fratelli d'Italia (Irmãos da Itália), em 2022. Ela foi a primeira mulher a ser eleita premiê do país. O partido tem ligações com o Movimento Social Italiano (MSI), que surgiu ligado ao ditador fascista Benito Mussolini. Ao longo dos anos, Meloni gerou polêmica por falas homofóbicas e racistas, mas alega que o fascismo ficou no passado. Ao longo de quase dois anos de gestão, Meloni foi confrontada com uma realidade presente para todos os espectros políticos: Os deveres de quem governa e o desafio da manutenção de bons níveis de governabilidade; o que tem gerado uma aparente suavização do discurso extremista, muito embora membros do seu partido volta e meia apareçam em polêmicas.

Marine Le Pen: Na França, o partido Reagrupamento Nacional (RN), da principal voz ultradireitista Marine Le Pen, liderou o primeiro turno da eleição legislativa e está a um passo de controlar a Assembleia francesa. O 2º turno ocorre neste domingo, 7, e será determinante na composição de forças e no andamento político para as próximas eleições presidenciais. Le Pen é filha de Jean-Marie Le Pen, liderança histórica do movimento ultradireitista na França, e apostou em Jordan Bardella como candidato a primeiro-ministro. Le Pen observa atentamente o resultado deste pleito, pois uma vitória do RN agora lhe cacifaria ainda mais para disputar a sucessão do presidente centrista Emmanuel Macron, em 2027.

AfD: Na eleição do Parlamento Europeu, em junho, a extrema direita alemã também avançou. O partido Alternativa para Alemanha (AfD) tornou-se o segundo mais expressivo no país. É uma sigla que, assim como legendas extremistas de outros países, tem discurso anti-imigração, ultranacionalista e contra a UE; O AfD, no entanto, tem como agravante o fato de ser uma legenda simpática ao período do nazismo, acumulando declarações revisionistas de lideranças sobre o tema que ainda é uma ferida aberta na história.

André Ventura (Chega!): Líder e fundador do Chega, partido ultradireitista português, Ventura tem forte discurso contra imigração e o partido se autodefine conservador e nacionalista. Embora tenha obtido resultados menos expressivos que partidos com ideologia similar em outras nações, têm ganhado espaço na mídia, inclusive brasileira, por conta de declarações contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Chega é um partido relativamente novo, nascido em 2019.

Donald Trump: O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dispensa apresentações. É a cara mais conhecida da extrema direita no mundo, sendo considerado por muitos especialistas como um precursor do movimento que se replicou em outros países. Trump foi eleito em 2016, perdeu a reeleição em 2020 e tentará o retorno ao poder nas eleições de novembro deste ano. Embora tenha passado quatro anos fora do governo, Trump manteve a força política e seu eleitorado segue engajado para devolvê-lo à Casa Branca.

Jair Bolsonaro: O ex-presidente Jair Bolsonaro é o rosto da ultradireita no Brasil. O modus operandi similar ao de Trump rendeu ao brasileiro a alcunha de “Trump dos Trópicos”. Bolsonaro e Trump tinham ligação ideológica próxima e chegaram a se encontrar em algumas oportunidades. Bolsonaro foi o primeiro presidente brasileiro a tentar a reeleição e perdê-la, desde que o mecanismo foi instituído, ainda na década de 1990. A preço de hoje, Bolsonaro está inelegível, após condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que não o impede de se vender como uma possibilidade para as eleições presidenciais de 2026.

Javier Milei: Presidente eleito na Argentina em 2023, Javier Milei é uma caricatura de Bolsonaro e Trump. Tem discurso contra a esquerda e contra organismos internacionais, como o Mercosul. Milei tem feito repetidas provocações ao presidente brasileiro Lula, gerando desgastes com a diplomacia brasileira. Com propostas de corte de gastos e outras polêmicas, tem estampado noticiários na Argentina e no mundo. Recentemente, Milei enviou um projeto que visa reduzir a maioridade penal na Argentina de 16 para 13 anos.

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