Com um cachorro debaixo do braço, um político fala sobre maus-tratos aos pets nas redes sociais. Vídeos mostram resgates e imagens gráficas de animais em situações degradantes. No fim, ele ou ela fala da importância de votar em candidatos que apoiam a causa, sendo ele ou ela, a melhor escolha.
Não são poucos os que têm subido no palanque para se dizer defensor da causa animal. Mas, especialmente em ano eleitoral, há um abismo entre o que é prometido e o que se concretiza como política pública.
A ideia de que os animais devam ser incluídos nas decisões políticas pode soar como secundário ou mesmo pitoresco para setores da população, mas já é algo estabelecido, sendo dividida em diferentes vertentes e ideologias.
A defesa mais comum e popular é a feita sobre animais domésticos, especialmente cães e gatos. A preferência é explicada em números. Com 149,6 milhões de animais de estimação, segundo o censo do Instituto Pet Brasil de 2021, o Brasil é o terceiro país em número de animais domésticos. O número significa que, considerando uma população de 203 milhões, cerca de 74% da população tem um pet em casa ou conhece alguém que tenha.
Os cães lideram o ranking, com 58,1 milhões de indivíduos. As aves canoras vêm em segundo, com 41 milhões. Os gatos figuram em terceiro lugar, com 27,1 milhões, seguidos de perto pelos peixes (20,8 milhões). E depois vêm os pequenos répteis e mamíferos (2,5 milhões)
Adesão de políticos na causa de cães e gatos é importante e tem apresentando alguns resultados, mas tem acontecido apenas em momentos de grande pressão social e muitos dos projetos prioritários seguem amonturados nas casas legislativas, como explica Haiuly Viana, coordenadora técnica do Fórum Animal, instituição com mais de 20 anos na luta pela proteção animal. Ela também destaca que os grupos são "portas de entrada", mas há uma cobrança no movimento para que outros animais sejam beneficiados por políticas públicas, principalmente os maiores.
“No ponto de vista da questão dos cães e gatos, a gente pode ver já algumas conquistas, alguns debates importantes. O que acontece é que, muitas vezes, você tem o parlamentar, mas não tem em si o avanço numa proposta. Infelizmente, (é preciso) que aconteça uma tragédia, algum evento pontual para que isso suscite um debate maior ou uma intensificação das discussões”, ressalta Viana, que levanta o questionamento sobre o tempo na espera para que projetos sejam aprovados.
Ela cita como legislações importantes, aprovadas nos últimos anos, as leis Sansão e Joca, em ambos os casos aprovadas com bastante agilidade e iniciados pela comoção com casos. “A gente vê esses esses debates mais acalorados, geralmente, envolvendo esses animais que estão mais próximos das pessoas, mas a gente entende que ainda precisa avançar mais nos outros grupos de animais, especialmente os animais explorados para consumo, o que a gente chama de animais em situação de fazenda”, avalia ainda.
O grupo tem organizado, para as eleições, campanhas para incentivar que a população procure eleger nomes que defendem a causa, mas também levantado a bandeira de identificar candidatos que se aproximaram da pauta exclusivamente para fins eleitoreiros.
O Fórum já tem pronta, e vem divulgando, uma carta de compromisso que candidatos podem assinar e se comprometer, caso eleitos, a propor iniciativas para implantar ou avançar os temas abordados em sua localidade. Entre as teses: propor ou ampliar programas de manejo populacional ético de cães e gatos já existentes e desestimular e/ou propor ações para aquisição e manutenção de animais silvestres em cativeiro.
Além da proteção ambiental e o trabalho de pressão sobre os parlamentares, há um esforço para que as organizações e os integrantes do movimento se articulem e se fortaleçam para se lançarem candidatos. “A gente quer que a proteção animal fique empoderada, dentro do coletivo, produzir os nossos próprios representantes. A proteção animal, de forma geral, é predominantemente feminina”, aponta.
E acrescenta: “É um movimento feminino, então, muitas vezes, a gente vê mulheres sendo representadas por homens. A gente quer que as próprias protetoras consigam adquirir os conhecimentos, elaborando as articulações necessárias para que elas mesmas representam os animais”.
Além do Fórum, a Frente de Ações Pela Libertação Animal também faz o monitoramento de políticos que levantam a bandeira. Nas Eleições 2020, foi lançada a plataforma chamada VotoAnimal.com, onde os candidatos conseguiam assinar carta de compromisso e, assim, serem listados no site e divulgados como engajados com o movimento, após análise e aprovação do perfil.
A plataforma celebrou a eleição de 56 candidaturas, de 22 partidos diferentes, que foram apresentados na plataforma. Em 2022, também foi feito o monitoramento, mas o consolidado de candidaturas não foi divulgado. Os números foram solicitados, mas não houve retorno até o fechamento da matéria.
O acompanhamento é uma resposta para conter os avanços de candidatos que querem "aproveitar" o tema para conseguir votos. Em ano eleitoral, em meados de junho e julho, a administradora do Abrigo Amigo Vaqueiro, Márcia Freitas, nota o início da movimentação de políticos procurando apoiar instituições vinculadas a animais. Ela explica que a busca maior é para tirar fotos com os bichos.
Há 13 anos, ela cuida do abrigo que é focado em animais de grande porte, como jumentos e cavalos. Ao longo dos anos, ela viu, na prática, o vaivém do uso da pauta. Para ela, também são necessários avanços significativos para animais maiores e mais explorados comercialmente.
A postura é um reflexo por não ver a chegada de ajuda ao abrigo que administra e também considerar que a legislação que existe apresenta graves problemas de aplicabilidade. Municípios como Fortaleza e Sobral já aprovaram leis para proibição de veículos de tração animal, mas os casos seguem ocorrendo.
Em maio, por exemplo, circularam os registros de um cavalo que puxava uma carroça e saiu em disparada na avenida I, no bairro Prefeito José Walter, em Fortaleza. Em meio à correria, ele bateu em um carro que estava parado no semáforo e, mesmo com parte da carroça quebrada, o animal seguiu preso à estrutura.
Na Capital, a proibição do uso dos animais para a função de transporte de carga existe desde 2015, mas passou por atualização em 2019, tornando ainda mais rígida a legislação. No entanto, no dia a dia dos voluntários, a rotina de resgates segue, conforme Márcia. “Ontem mesmo (na terça-feira, 21 de maio) eu fiz o resgate de uma égua toda machucada, queimada. Os bichos estavam comendo ela”, detalhou. As ações são documentadas nas redes sociais do abrigo que cuida de 73 animais.
Em nível nacional, está parado desde novembro de 2023, na Câmara dos Deputados, o projeto que criminaliza o uso de veículos movidos à tração animal e de animais para transportar cargas. O texto está aguardando designação de relator(a) na Comissão de Viação e Transportes (CVT). Na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), já houve parecer favorável.
Seria uma mudança na Lei de Crimes Ambientais, instituindo com pena de reclusão de 1 a 4 anos, além de multa. O texto também proíbe o uso de animais em apresentações de circos tanto presenciais quanto transmitidas pela internet.
Sancionada em 2020, a Lei 14.064 aumenta a pena para quem maltratar cães e gatos. A prática de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação dos bichos de estimação passou a ser punida com reclusão de dois a cinco anos, além de multa e proibição de guarda.
A pena é aplicada independente do tipo de animal, silvestre, doméstico ou domesticado, nativo ou exótico. Há agravante de um sexto a um terço da pena se o crime causar a morte do animal. No nome do projeto, foi pelo caso de um cão da raça pitbull conhecido como Sansão, após ter sido brutalmente agredido em julho de 2020.
Aprovada na Câmara e em tramitação no Senado, a legislação cria uma regulamentação específica para o transporte aéreo de animais domésticos e de suporte emocional no Brasil, estabelecendo padrões claros e unificados de segurança, conforto e cuidados durante o transporte. O caso foi motivado pela morte de um cachorro, o Joca, em um voo da Gol em abril de 2024.
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Uma pauta que garante votos
A força da causa animal como uma pauta eleitoral começou a ganhar mais repercussão no pleito de 2012. Na época, Roberto Tripoli foi eleito o vereador mais votado da história do Brasil até então. A façanha garantiu a ele o sétimo mandato na Câmara de São Paulo, com aproximadamente 132 mil votos.
Tripoli ajudou a fundar o Partido Verde no Brasil, com sua vida política baseada não só na causa animal, mas na defesa de questões ambientais como um todo. A atuação era voltada para ações e propostas ligadas ao ativismo ambiental, à proteção e defesa da vida animal.
No Ceará, o case de mais destaque é a do deputado federal Célio Studart (PSD). O parlamentar iniciou a vida política com campanhas que focavam no combate ao desperdício de dinheiro público e à corrupção, embora já tivesse em seu discurso questões relacionadas aos animais. Seu primeira eleição bem-sucedida foi em 2016, para o cargo de vereador, sendo o parlamentar mais bem votado naquele pleito. Ele já tinha tentado gargo em 2010 e 2014, mas não conseguiu mandato efetivo.
Tornando a causa sua prioridade de atuação, tanto no Legislativo como nas redes sociais, em 2018, Célio se tornou, até então, o segundo deputado mais bem votado da história do Ceará, com 208 mil votos. Na eleição seguinte, a votação ficou em uma casa semelhante, com 205 mil votos, o terceiro mais votado.
Na Câmara dos Deputados, Célio presidiu a Subcomissão Permanente em Defesa dos Direitos dos Animais, aprovando projeto que estabelece a prisão para quem maltrata os animais. Ele foi um dos articuladores para a renovação da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais.
No âmbito executivo estadual, se tornou o primeiro secretário de Proteção Animal do Ceará, quando esta foi criada no governo Elmano. No entanto, teve breves passagens na gestão da pasta, alternando com o mandato de deputado federal. Por fim, deixou a estrutura para estar disponível para as eleições municipais deste ano.
Ele, no entanto, não é o único político que milita dentro da causa no Estado. A vereadora do Crato, Mariângela Bandeira (PDT), está finalizando seu primeiro mandato no cargo após ser eleita na defesa dos animais em 2020. Ela é fundadora da Associação Defensora dos Animais Carentes e recebeu 899 votos, cerca de 1,3% da população do município.
Em Juazeiro do Norte, Jaqueline Gouveia (Republicanos) foi quem mais recebeu votos para o cargo na Câmara Municipal. Ativista há 30 anos, ela recebeu 4,2 mil votos, cerca de 3,1% do total de votos registrados. (Júlia Duarte)
Fortaleza foi pioneira em cuidados, mas, em sete anos, não aprovou legislação
Ainda em 2017, a Prefeitura de Fortaleza criou a Coordenadoria Especial de Proteção e Bem-Estar Animal (Coepa), que ficou responsável por elaborar e executar políticas públicas para garantir o respeito aos direitos dos animais em Fortaleza.
Desde dezembro de 2021, a coordenadoria está vinculada ao Gabinete do prefeito, o que confere status de secretaria. A elaboração de uma pasta exclusiva foi seguida anos depois por outros municípios e, em 2023, o Governo do Estado estabeleceu a Secretaria da Proteção Animal (Sepa).
Durante a aprovação da legislação para a Coordenadoria, ficaram estabelecidos dois pontos que seriam responsabilidade da pasta: elaborar e executar o Plano Municipal dos Direitos dos Animais, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e a Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma); e planejar e executar o Programa Permanente de Controle Populacional de Animais Domésticos.
Cinco anos depois, já na conta uma mudança de gestão, o prefeito José Sarto (PDT) enviou para a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) em maio de 2022 o projeto que resolveria isso. A lei complementar estabelece objetivos, diretrizes, conceitos para a execução de políticas públicas e estipula regras para o controle reprodutivo de cães e gatos, pensando em se adequar a uma "moderna percepção dos animais como seres sencientes".
Seria criada a Política Municipal de Proteção e Bem Estar Animal, objetivando a "proteção, o bem-estar e o controle das populações animais", além colocar no papel a definição da Rede Municipal de Proteção Animal. As ações seriam feitas por meio uma articulação integrada entre os órgãos federais, estaduais e municipais junto de entidades protetoras do setor da sociedade civil para "atuar em cooperação técnica administrativa ou operacional" em convênios, acordos ou compromissos assumidos entre as partes.
A lei complementar também definiria, entre outros pontos, de forma clara o que são considerados maus-tratos a animais. Confira alguns pontos do texto:
Todo esse conjunto está bem longe de virar realidade. O texto está parado na Comissão Conjunta de Constituição e Orçamento (CCCO) e ainda aguarda um relator. A última movimentação foi em maio de 2022, no dia seguinte ao recebimento da proposição. O POVO questionou como a Coordenadoria tem se orientado nas políticas públicas sem o plano e a rede, além de ter solicitado fonte da pasta para questionar sobre o assumo.
A resposta foi dada por meio de nota. A Coordenadoria confirmou que o texto está no colegiado, mas não explicou quais os impactos da ausência de legislação. O órgão enviou, então, como também solicitado pela reportagem, dados dos atendimento que tem sido feitos. Os números dizem respeito a cães e gatos em Fortaleza, especialmente de tutores de baixa renda.
A Clínica Veterinária Jacó, inaugurada em 2020, já realizou mais de 195 mil atendimentos, entre urgências, emergências, consultas clínicas, especialidades médicas (cardiologia, oncologia, ortopedia e neurologia), cirurgias gerais e cirurgias de esterilização, além de exames de imagem, entre outros tipos de serviços.
Os atendimentos também são levados, conforme a Prefeitura, até os moradores por meio dos Vetmóveis, que já passaram por 60 bairros de Fortaleza, levando castrações, consultas, vacinações, exames e distribuição de material educativo aos tutores. Desde 2018, já foram realizados mais de 193 mil serviços aos pets.