O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) depôs por mais de seis horas à Polícia Federal no Rio, anteontem, e atribuiu a dois ex-assessores a responsabilidade pela atuação da "Abin paralela" - suspeita de monitoramento ilegal de autoridades e jornalistas no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Ao tentar se esquivar de responsabilidade pela estrutura clandestina, Ramagem indicou os nomes do policial federal Marcelo Araújo Bormevet e do sargento do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues - ambos presos na semana passada na Operação Última Milha.
Ramagem respondeu a mais de cem perguntas. Um dos tópicos da oitiva foi o áudio tornado público na última segunda-feira, 15, em que o hoje deputado federal do PL, segundo a Polícia Federal, orienta a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) sobre o melhor caminho para um questionamento da conduta dos auditores fiscais responsáveis pelo relatório de inteligência que colocou o filho de Bolsonaro na mira dos investigadores.
A declaração vai de encontro à representação de 187 páginas da PF pela abertura da quarta fase da Última Milha. No documento, os investigadores dizem que Ramagem teria determinado o monitoramento dos três auditores fiscais autores do relatório. A ação clandestina era "urgente" e foi determinada "seguindo o modus operandi da organização criminosa para descobrir ‘podres e relações políticas’ dos auditores", segundo a PF.
O levantamento ilegal, ainda conforme a PF, deveria ser "jogado num word somente", o que, segundo os investigadores, revela o caráter clandestino da ação. A PF encontrou os diálogos em que Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues tratam de pesquisas envolvendo auditores da Receita.
Em ato ontem com Ramagem, pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro afirmou que o ex-chefe da Abin "paga um preço alto pela ousadia" de querer governar uma cidade como a capital fluminense.
"O Ramagem, delegado da Polícia Federal, que eu conheci na transição em 2018, já começa a pagar um preço alto pela sua ousadia de querer, pensar e sonhar em administrar uma cidade com respeito, com honradez e com orgulho", afirmou o ex-presidente durante ato realizado na Tijuca, na zona norte do Rio.
Bolsonaro chegou à Praça Saens Peña, na Tijuca, por volta das 11 horas. Ele se juntou a Ramagem, a Flávio Bolsonaro, ao governador do Rio, Cláudio Castro (PL), e a aliados bolsonaristas em um carro de som estacionado em uma das ruas de acesso ao local. O ato começou com a participação de deputados estaduais, vereadores e líderes do PL fluminense.
Ramagem, Castro e Flávio Bolsonaro adotaram a mesma narrativa de perseguição. Outra estratégia adotada pelo grupo foi voltar a reforçar o discurso ideológico que levou Bolsonaro à Presidência, com declarações contra o aborto, a descriminalização das drogas e a ideologia de gênero.
A reafirmação de apoio a Ramagem ocorreu três dias após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo do áudio de uma reunião em que o ex-presidente, o general Augusto Heleno (então chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e o ex-diretor da Abin discutem, de acordo com a Polícia Federal, um plano para anular o inquérito das "rachadinhas" - investigação que atingiu Flávio. A gravação integra a Operação Última Milha, que apura a suspeita de uso ilegal da Abin na gestão de Ramagem.
Após os áudios virem à tona, o ex-presidente gravou um vídeo em solidariedade a Ramagem. Bolsonaro atribuiu o avanço das investigações a uma "perseguição" contra ele e seus aliados.
"Quando se fala em 2026, temos que passar por 2024. Todos aqueles que estão ao meu lado sofrem perseguição. Pagam um preço alto por ombrear-se comigo. Vocês sabem como somos perseguidos. Até baleia colocam na minha frente", discursou Bolsonaro diante dos apoiadores.
O ato durou pouco mais de 40 minutos. O ex-presidente ainda seguiu para Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Bolsonaro voltará a se encontrar nesta sexta, 19, com Ramagem em Campo Grande, na zona oeste da cidade. O Rio é o berço eleitoral do ex-presidente.
A três meses das eleições municipais, o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), aparece com 53% das intenções de voto em levantamento do Datafolha divulgado em 5 de julho. Ramagem vem em seguida, com 9% - uma diferença de 44 pontos porcentuais.