O cenário eleitoral americano está em ebulição. Os acontecimento vão desde o questionável desempenho do presidente Joe Biden no debate da TV, passando pela discussão sobre a substituição do candidato democrata, até o atentado a tiros contra o ex-presidente Donald Trump, a convenção republicana e o teste positivo de Biden para Covid-19. Tudo isso nas últimas três semanas.
Com esta ampla variedade, um tópico segue presente: o debate sobre a imigração. Estava lá nas falas do debate, nos discursos da convenção republicana, nas intenções de voto e até no gráfico ao qual Trump apontava no momento do atentado. Os imigrantes são tema e alvo no meio da disputa eterna entre democratas e republicanos e, assim, pelos olhos de uma imigrante brasileira, a eleição parece ainda mais intensa.
O POVO conversou com a recifense Daniela Hanson, que mora no estado da Virgínia, nos EUA, há 25 anos. É formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e tem acompanhado passo a passo das eleições americanas, sendo uma eleitora do partido democrata - no lado republicano as visões são diferentes, conforme pode-se notar pelo relato da própria Daniela. Dentre os anseios citados pela jornalista, há o cenário de alta inflação, de perspectivas de violência e, especialmente, de discursos xenofóbicos contra imigrantes.
O POVO - Como se deu a migração do Brasil em direção aos Estados Unidos? De que maneira a senhora percebe as mudanças na política americana nestes 25 anos em que mora no país?
Daniela Hanson - Nasci no Recife, mas meu pai é americano e minha mãe é brasileira. Então, sempre tive o lado americano. Quando tinha seis, vivi nos Estados Unidos por três anos. Retornamos ao Brasil, para Campinas-SP e lá fiquei até completar a faculdade. Depois, senti que estava procurando emprego e não achava o que eu queria. Tinha feito Jornalismo e não conseguia um trabalho na área, trabalhava como professora de Inglês, particular. Resolvi vir para os Estados Unidos, precisava tentar uma carreira aqui. Estou no país há 25 anos e quase me sinto mais americana do que brasileira. Sobre a política, sinto que está extremamente polarizado e acho que isso se iniciou um pouco antes do [Donald] Trump entrar na cena. Claro, o discurso dele sempre foi muito divisor, sempre apontando o outro como inimigo, como alguém que está causando problemas no País. Isso exacerbou a divisão, mas acho que antes já estava ocorrendo. Quando o [Barack] Obama era presidente surgiu o movimento "Tea Party", alinhado aos republicanos, que começou a ter uma campanha divisória no País, fazendo com que as pessoas olhassem os democratas como inimigos. Acho que se iniciou aí. O Trump entrou e entendeu esse contexto, usou isso como marketing da campanha e acabou ganhando a eleição.
OP - A política americana está intensa. Houve o debate, com discussões sobre a idade de Biden, seguido pelo atentado contra o ex-presidente Trump e agora as convenções partidárias. De que maneira estes acontecimentos têm influenciado o cotidiano americano? Como está o clima na Virgínia e como a senhora percebe o clima nos EUA como um todo?
Hanson - O Biden já não estava bem nas pesquisas antes do debate. A questão da idade tem se debatido há mais de um ano, não foi depois do debate que começaram a falar disso. Acho até que muitas pessoas, que votam nos democratas, estranharam que ele resolveu ser o candidato. Depois do debate realmente piorou porque a performance não foi boa e a idade se tornou um problema maior. As pessoas viram que ele estava com problema de memória, não estava conseguindo se expressar bem. Isso piorou a situação. O atentado contra o presidente Trump quase que solidificou a imagem que ele já promove há muito tempo de "messias", de alguém que foi enviado por Deus para governar os Estados Unidos. Como ele sofreu esse atentado e escapou não só com vida, mas sem nenhum problema grave de saúde, acho que só solidificou a imagem. Fizeram até pesquisas nestes últimos dias e ele subiu. Por fim, o Biden foi diagnosticado com Covid-19 e estão falando que ele está mais receptivo a sair da eleição, a não ser o candidato. Acho que esse diagnóstico, junto com toda a pressão que está havendo e o fato do Trump subir nas pesquisas, é capaz que o Biden renuncie a candidatura dele. Em questão do cotidiano, existe uma certa tensão, porque a polarização é muito grande, a divisão entre democratas e republicanos. Com esse atentado contra o Trump algumas pessoas ficaram preocupadas. 'Será que isso ocasionará uma guerra civil?'. Houve esse questionamento, por exemplo. Entre os democratas, nos preocupamos porque os republicanos são pró-armas, possuem muitas armas e se, de repente, eles sentirem que o candidato deles ou eles mesmos estão sendo ameaçados, eu não sei se isso poderia ocasionar um problema sério. O meu estado, a Virgínia, sempre, nos últimos anos votou democrata, mas agora está acontecendo uma certa mudança. Temos um governador republicano e o Trump está crescendo nas pesquisas. Então, é complicado porque apesar da maioria dos democratas não pensarem em votar no Trump, existem os independentes, além dos republicanos que votaram no Biden, mas estão arrependidos. Estou achando que até no meu estado, o Trump vence essa eleição.
OP - Qual seriam os principais anseios da população nas eleições deste ano? De que maneira estas questões se diferenciam do cenário de 2020, por exemplo?
Hanson - Um dos principais anseios é a inflação. Por muitos anos os EUA não tiveram inflação alta, desde a pandemia começou a crescer. Neste último mês houve uma queda. A economia está muito forte, é a mais forte do mundo no momento. O Biden conseguiu aumentar o número de empregos, então a taxa de desemprego está baixa. Porém a inflação tem comido o salário das pessoas. A população vai ao supermercado e gasta US$ 60, US$ 80 a mais por semana do que elas gastavam. Então essa é uma grande preocupação. Acho que os democratas, o Biden, têm tido uma dificuldade de comunicar que o problema da inflação não é apenas americano. É mundial, tem afetado vários países por causa da pandemia. E o Biden, apesar de ainda estar lutando com esse aspecto da economia, conseguiu fazer bastante em comparação com outros países. A economia está bem forte aqui. Mas para as pessoas, o que elas sentem no bolso é o que mais preocupa. Em 2020, quando o Trump saiu, a inflação ainda não estava tão ruim. Estava começando a ficar, os preços estavam subindo por causa da pandemia. Mas não estava tão ruim quanto foi em 2021, 2022. Este é um problema sério e afeta demais uma eleição, quando os preços estão caros. Isso está favorecendo o Trump, com certeza. Outra preocupação é em relação à imigração. Os democratas acham que deve haver leis mais propícias à entrada de imigrantes, mas não veem como um problema, como os republicanos veem. Eles veem a imigração como pessoas tirando emprego deles. E o Trump tem esse discurso de que está entrando muito criminoso, entrando muita droga, muito terrorista. Muitos republicanos veem a imigração desta maneira. Não querem nenhum imigrante ilegal aqui. E o Trump falou que se ele for eleito ele vai deportar todos os ilegais.
OP - Como alguém de fora do País, como percebe a forma como este tópico da imigração vem sendo utilizado pelos políticos americanos? De que maneira o aumento dessa discussão na política muda seu modo de viver e sua postura como eleitora, levando em consideração casos de xenofobia?
Hanson - Desde que o Trump entrou na vida política aumentou demais a xenofobia aqui nos EUA. Há muito mais preconceito, pessoas achando que têm o direito de falar o que querem em relação a outras raças. Por exemplo, se escuta muito mais a frase ‘volte para o seu país’. Isso estava um pouco abafado antes do Trump virar político. Claro, sempre existiu preconceito aqui nos Estados Unidos, mas existem leis que fazem com que a sociedade conviva em paz, que haja mais direitos trabalhistas. Depois que o Trump entrou, começaram estes discursos anti-imigrantes, de que imigrante é criminoso, houve um aumento muito grande de discurso preconceituoso. Além disso, ele fez certas coisas durante a presidência que, ao ver dos democratas, foi horrível, como colocar separar crianças dos pais, na fronteira dos Estados Unidos. Agora ele está prometendo que se for eleito, vai deportar todos os que são ilegais. E o que eu vejo de problemático nisso é que eles se esquecem que até republicanos, como fazendeiros, dependem do trabalho destes imigrantes ilegal. Não sei se é apenas um discurso para ganhar a eleição ou se ele realmente vai cumprir essa promessa que está fazendo nesta campanha. Sei que isso não muda minha posição como eleitora, sempre fui democrata. Meus valores são do partido democrata. Eu acho que só aumenta, essa posição do Trump anti-imigratória, falar de uma maneira feia em relação a outras raças, só aumenta minha vontade de votar por um candidato democrata e ter um presidente, senador e deputados democratas.