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Violência política: o que significa e até onde vai a disputa pelo poder
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Violência política: o que significa e até onde vai a disputa pelo poder

Recorte de uma cultura estabelecida ao longo do tempo, a violência política é um efeito que representa a negação prática e danosa da própria política
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Violência política: Até onde vai a disputa pelo poder (Foto: Gerado por AI)
Foto: Gerado por AI Violência política: Até onde vai a disputa pelo poder

A violência política é uma condição concreta. O caso mais recente, em comício do ex-presidente americano e atual pré-candidato à Casa Branca, Donald Trump, é um lembrete de que essa realidade não respeita fronteiras ou posições. Ocorre com líderes políticos dos Estados Unidos, do Brasil, até mesmo do Ceará, e com motivações distintas.

Especialistas destacam que a violência política é recorte de uma cultura estabelecida ao longo do tempo e que representa uma negação prática e danosa da própria política. A primeira reflexão é de que a política existe, justamente, para equacionar conflitos e arrefecê-los por meio do diálogo e de um sistema de instituições. Quando se abdica da política, o que se tem é a resolução pela via da força e da violência.

Para Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a maior frequência de casos de violência, representa a clara negação da política. “Vai contra tudo aquilo que a política deve fazer, que é diminuir conflitos e afastar-se de qualquer tipo de violência, seja ela simbólica, retórica ou concreta”, explana.

Antes de falar em causas e efeitos, Prando diz ser necessário diferenciar poder e autoridade. “Um traficante tem poder, porque tem armas, milícias, postos. Mas ele não tem autoridade, porque isso é algo tutelado pela lei. Um político, quando eleito, tem autoridade”, exemplifica, citando que a violência política ocorre, também, com participação de agentes políticos, porque de modo geral a cultura brasileira está assentada na violência.

“A facada em Bolsonaro, o assassinato de Marielle, a ex-deputada Manuela d'Ávila ameaçada nas redes sociais, os jornalistas que cobrem politica hostilizados por fazerem seus trabalhos, o ataque a Trump. Tudo isso é violência. Não é algo de uma região, é geral. Porque há na cultura brasileira uma propensão de exercício da violência e não do diálogo”, pontua.

O especialista reforça que quando a violência parte do próprio ramo político, a disputa de poder se torna um reflexo desse recorte social.

“Se no cotidiano as pessoas já exercem violência e se isso influencia a cultura política, imagine aquele ator, que vai ter acesso ao poder e à autoridade. Quando um poderoso se torna violento, sinaliza, vira um símbolo, como se fosse um exemplo a ser seguido. Então cria-se um caldo perfeito que deixa o diálogo de lado e investe no ataque. De modo específico, as consequências são as piores possíveis. Negar a política é dar margem para se utilizar de tudo aquilo que não é político. E as violências simbólica, retórica e física caminham quase sempre juntas”, conclui.

História do Brasil também é marcada por assassinatos políticos

Na história da política brasileira, também estão presentes assassinatos políticos. Em março deste ano, a PF prendeu os mandantes do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol), que foi executada no centro da capital fluminense em março de 2018.

Segundo as investigações, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), o membro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão e o delegado de polícia Rivaldo Barbosa executaram a vereadora devido a conflitos ligados a grilagem de terras na zona oeste da cidade.

Há quase 95 anos, a Revolução de 1930 foi deflagrada por Getúlio Vargas e seus aliados após o assassinado do então candidato a vice-presidente da Aliança Liberal (AL) e ex-governador da Paraíba João Pessoa. Beirando a marca de um século após o crime, ainda discute-se se o episódio, sucedido no Recife, foi um crime passional ou um atentado com razões políticas.

Em dezembro de 1963, o senador Arnon de Mello (PDC-AL) iniciou um tiroteio dentro do plenário do Senado na intenção de matar o colega Silvestre Péricles (PTB-AL), rival político dele no Estado. A troca de tiros acabou vitimando o suplente José Kairala (PSD-AC). Arnon é pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que governou o País entre 1990 e 1992.

No dia 16 de dezembro de 1998, a deputada federal Ceci Cunha (PSDB-AL) foi executada a mando de Talvane Albuquerque (PFL), colega dela na Câmara dos Deputados que precisava da imunidade parlamentar para driblar processos judiciais, mas que amargou a suplência nas eleições daquele ano. Em 2012, Talvane foi condenado a 103 anos de prisão. Em 2021, ele ganhou direito ao regime semiaberto. Ceci é mãe do senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL).

Políticos brasileiros que foram alvos de atentados como o de Donald Trump

Um atentado neste sábado, 14, feriu o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com um disparo de arma de fogo na orelha direita. Esse é mais um caso de violência política no território americano, que já teve quatro presidentes assassinados no exercício do cargo. No Brasil, a história do poder também é marcada por ataques contra políticos - muitos deles malsucedidos, como foi o de Trump.

O atentado contra Trump aconteceu durante um comício em Butler, na Pensilvânia. O atirador, que está registrado como um eleitor republicano de 20 anos, foi morto pelos agentes do Serviço Secreto dos EUA. Um apoiador do ex-presidente também morreu no ataque e outro dois ficaram gravemente feridos.

Assim como nos Estados Unidos, a violência política também é comum no Brasil. Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) mostrou que 103 crimes políticos ocorreram durante a reta final das eleições de 2022. Entre os incidentes, foram registrados dez atentados e 13 homicídios. Na história do País, políticos como Jair Bolsonaro, José Sarney e d. Pedro II foram alvos de ataques por parte de pessoas anônimas e as consequências dos episódios moldaram o contexto de diferentes épocas.

Facada em Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018

No dia 6 de setembro de 2018, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi esfaqueado na região do abdômen por Adélio Bispo de Oliveira. O crime se deu durante um comício em Juiz de Fora (MG), enquanto Bolsonaro, então deputado federal e pré-candidato à Presidência pelo PSL (atual União Brasil) era carregado por apoiadores.

O golpe de faca perfurou em três partes o intestino delgado do então candidato, provocando traumatismo abdominal e hemorragia interna. Em relatório oficial, a Polícia Federal (PF) disse que Adélio agiu sozinho. A Justiça Federal, por sua vez, decidiu que o autor do crime é inimputável por sofrer de transtorno delirante persistente. Atualmente, ele está recolhido na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Após o atentado contra Trump, bolsonaristas tentaram associar os dois crimes para culpabilizar a esquerda pelo "crescimento da violência política". Militantes de esquerda e o deputado federal André Janones (Avante-MG) sugeriram que o ataque contra o republicano seria uma "armação" como teria sido o episódio em Juiz de Fora, segundo eles. Não há provas que endossem a fabricação dos dois atentados.

Desempregado tenta jogar avião no Palácio do Planalto para matar Sarney

Às 9 horas do dia 29 de setembro de 1988, um desempregado sequestrou um Boeing 737-300 da extinta Viação Aérea São Paulo (Vasp), que fazia rota entre Belo Horizonte e o Rio, e ordenou que a aeronave fosse atirada no Palácio do Planalto, em Brasília, na intenção de matar o então presidente da República José Sarney.

Armado com um revólver calibre 38 e mais de 90 munições na bagagem, o maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 28 anos, iniciou o sequestro que durou nove horas. O desenlace do incidente foi recentemente representado no filme "O Sequestro do Voo 375", que estreou nos cinemas em dezembro do ano passado.

Após fazer manobras arriscadas para neutralizar o sequestrador, o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva conseguiu pousar a aeronave em Goiânia. Raimundo Nonato foi capturado por policiais enquanto tentava trocar de aeronave. Outro óbito no episódio foi o do copiloto Salvador Evangelista, que foi vítima de um disparo na cabeça.

Presidente da ditadura foi alvo de atentado a bomba no Recife

Era 25 de julho de 1966 quando um artefato explodiu no saguão do Aeroporto de Guararapes, no Recife, e matou o vice-almirante Nelson Gomes Fernandes e o jornalista e secretário de governo de Pernambuco Edson Régis de Carvalho, além de deixar 14 feridos. O alvo era o então ministro do Exército e futuro presidente da República, general Artur da Costa e Silva, que não estava no terminal.

Posteriormente, foi descoberto que autoria do crime foi do jornalista e ex-padre Alípio Cristiano de Freitas, um dos fundadores das Ligas Camponesas no Nordeste, ao lado do ex-deputado federal Francisco Julião.

Disparos contra Carlos Lacerda deflagram crise política

Principal opositor do presidente Getúlio Vargas, o jornalista e futuro governador da Guanabara (Estado extinto que corresponde ao atual município do Rio) foi alvo de um atentado no dia 5 de agosto de 1954, na Rua Tonelero, no bairro de Copacabana. O ataque malsucedido ajudou a levar à derrocada de Getúlio, que cometeria suicídio no palácio presidencial 19 dias depois.

No episódio, Lacerda foi atingido com um tiro no pé e um major da Aeronáutica de 32 anos, Rubens Vaz, foi morto com dois disparos. Por conta da morte do militar, foi aberto um inquérito policial militar (IPM) que determinou que o mandante do crime foi Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial de Getúlio.

Após o crime, Lacerda, os militares e setores da opinião pública fizeram pressão para que Getúlio renunciasse ao cargo. A crise política deflagrada pelo atentado arrefeceu apenas após a posse de Juscelino Kubitschek, em janeiro de 1956.

Primeiro presidente civil é vítima de atentado que matou ministro

O presidente Prudente de Morais, primeiro chefe do Executivo civil, quase foi assassinado no exercício do seu cargo. O episódio se deu em 5 de novembro de 1897, quando ele recebia no Rio os soldados que retornavam da Guerra de Canudos.

Durante a solenidade, um militar chamado Marcelino Bispo de Melo apontou uma garrucha em direção a Prudente. O ministro da Guerra (atual Ministério da Defesa) Carlos Machado de Bittencourt se prostrou na frente da arma, e foi apunhalado diversas vezes, não resistindo aos ferimentos.

O vice-presidente do País à época, Manuel Victorino, chegou a ser processado como suposto mandante do assassinato de Prudente. Mas, por falta de provas, ele foi absolvido. Apesar disso, a carreira política de Victorino acabou prejudicada pelo episódio.

Imperador d.Pedro II quase foi assassinado meses antes da Proclamação da República

Em meio à crise política que deflagrou a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, o imperador d.Pedro II quase foi morto em um atentado a tiros no Rio.

A trama ocorreu em julho daquele ano na atual Praça Tiradentes. O monarca estava na carruagem dele, quando foi surpreendido por um português de 20 anos chamado Augusto do Valle que desferiu um tiro enquanto entoava vivas à República.

O disparo não atingiu o monarca e, quando foi instaurada a República, ele foi para o exílio na Europa, morrendo em 1891. Augusto do Valle foi absolvido do crime e faleceu em 1903, aos 36 anos, de tuberculose pulmonar.

Casos de violência política com repercussão no Ceará

Almir Dutra - Maracanaú (1987)

Primeiro prefeito eleito de Maracanaú, em 1984, Almir Dutra, foi assassinado três anos depois, em fevereiro de 1987, em uma churrascaria, enquanto comemorava o casamento de um amigo. Dutra foi morto com um tiro na nuca. O crime teve motivações políticas e o acusado de ser o mandante era o então vice-prefeito, José Raimundo. Tasso Jereissati, governador do Ceará à época, indicou uma intervenção no município que resultou no afastamento de Raimundo. Anos depois, ele foi condenado e preso pela morte de Dutra.

Antônio Gaudêncio - Irauçuba (1996)

Em 1996, o então prefeito de Irauçuba, Antônio Gaudêncio Braga, foi encontrado morto, num local conhecido como Fazenda Costa, distante alguns quilômetros da sede do município. Ele morreu com um tiro dentro do próprio carro. Gaudêncio vinha sendo acusado de irregularidades administrativas. A investigação considerou possibilidade de homicídio ou suicídio.

João Jaime - Acaraú (1998)

João Jaime Ferreira Gomes Filho, então prefeito de Acaraú, foi morto a tiros em maio de 1998, em Fortaleza, no escritório de representação política da Prefeitura de Acaraú, com um tiro calibre 38, abaixo do olho, disparado à queima-roupa. A bala atravessou o crânio do então prefeito que teve morte instantânea. As investigações citaram familiares políticos de ramos distintos.

Mardônio Diógenes - Pereiro (2009)

Então ex-prefeito de Pereiro, Antônio Mardônio Diógenes Osório, foi executado por pistoleiros, em dezembro de 2009, na sua propriedade rural. Ele estava em uma estrada de terra, com empregados, quando foi abordado por homens que o alvejaram com disparos.

João do Povo - Granjeiro (2019)

João Gregório Neto, conhecido sob a alcunha de João do Povo, era prefeito de Granjeiro e foi assassinado enquanto caminhava na cidade, em 2019. Um dos suspeitos de envolvimento é o ex-vice-prefeito Ticiano Félix, que chegou a assumir após a morte de João, mas acabou afastado após o inquérito apontar suspeita de envolvimento.

Atentados a tiro na política dos EUA

Abraham Lincoln (1865)

16º presidente dos EUA, Lincoln foi assassinado por John Wilkes Booth, um ator conhecido na época, enquanto assistia a uma peça chamada "Our American Cousin" (Nosso primo americano) em Washington.

William McKinley (1901)

O presidente McKinley foi baleado e morto por Leon Czolgosz em Buffalo, Nova York.

Theodore Roosevelt (1912)

Situação similar ao caso recente de Trump, Teddy Roosevelt concorria à Casa Branca como ex-presidente quando foi baleado em Milwaukee, no estado de Wisconsin. A bala permaneceu alojada no peito do ex-presidente pelo resto de sua vida.

Franklin D. Roosevelt (1933)

Como presidente eleito, foi alvo de uma tentativa de assassinato em Miami, Flórida. Roosevelt saiu ileso, mas o prefeito de Chicago, Anton Cermak, foi morto no ataque.

John F. Kennedy (1963)

Andando em sua carreata com sua esposa Jackie, o presidente Kennedy foi assassinado em Dallas, Texas, por Lee Harvey Oswald. Muitos americanos acreditam que a morte de JFK iniciou um período mais violento na política e na sociedade americana

Gerald Ford (1975)

O presidente Ford saiu ileso de duas tentativas de assassinato separadas por mulheres em setembro de 1975, na Califórnia e em um intervalo de pouco mais de duas semanas.

Ronald Reagan (1981)

Presidente americano foi gravemente ferido ao ser baleado na saída de um evento em Washington. O agressor foi John Hinckley Jr., que recebeu libertação incondicional em 2022. Reagan passou doze dias no hospital. O incidente aumentou a popularidade de Reagan, pois ele demonstrou humor e resiliência durante sua recuperação.

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