O último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que Fortaleza possui mais igrejas e templos do que hospitais e instituições de ensino, com mais de 4 mil unidades de centros religiosos pela cidade. O número é uma das peças no quebra cabeça da movimentação de candidatos para aumentar, ou manter, o relacionamento com as igrejas e, mais ainda, com congressistas e fieis.
Não é de hoje, claro, que política e religião convergem. E o tema não é restrito a apenas um dos polos políticos-ideológicos no Brasil. Em 2002, antes de ser eleito pela primeira vez, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um manifesto, a Carta aos Evangélicos, para "apaziguar" a relação com os eleitores desse grupo.
Em 2022, o petista reeditou a carta direcionada aos evangélicos, público estatisticamente mais votante em seu maior adversário, Jair Bolsonaro (PL). Desde sua primeira campanha presidencial, em 2018, o hoje ex-presidente atuou forte para atrair o público religioso, evangélicos mais que católicos.
O discurso de Bolsonaro, seus filhos e parlamentares de seu espectro político de extrema-direita não titubeiam em reproduzir os jargões “Deus, pátria e família” e “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”.
Em Fortaleza, a pesquisa Datafolha contratada pelo O POVO e divulgada há um mês mapeou também a intenção de voto quando se considerando a religião do eleitorado. Com dados coletados entre 24 e 26 de junho, o levantamento mostra dois candidatos da direita, Capitão Wagner (União Brasil) e André Fernandes (PL), com os maiores números entre os evangélicos, 38% e 21%, respectivamente.
Wagner aparece também com bom resultado entre os católicos com 31%, se consolidando na liderança da pesquisa de forma geral. É entre os católicos que o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT) tem seus maiores números, com 21%, enquanto tem 11% entre os evangélicos.
Nome do PT na disputa, o presidente da Assembleia Legislativa (Alece) Evandro Leitão também tem melhor desempenho entre católicos, 11%, do que com os evangélicos: 4%.
Mesmo com o resultado entre os fieis da Igreja Católica, Wagner aparece na pesquisa com uma maior rejeição nesta parcela do eleitorado. Entre católicos, 30% disseram não votar de jeito nenhum no pré-candidato do União Brasil. Entre os evangélicos, a rejeição para ele foi de 17%.
Por outro lado, Sarto tem maior rejeição entre os evangélicos, com 47%, contra 35% entre os católicos. A pesquisa não categorizou outras religiões.
Os resultados da sondagem são um reflexo da rotina que tem levado Wagner e Fernandes na pré-campanha. O pré-candidato do PL é filho do deputado estadual Alcides Fernandes (PL), consagrado como pastor em 1991 na Assembleia de Deus.
Muitos dos eventos de André Fernandes combinam política e religião, com momentos específicos destinados para orações. Um exemplo foi o lançamento da sua pré-candidatura em Fortaleza em abril deste ano, quando Bolsonaro esteve no Ceará.
Wagner também não é tímido em compartilhar a agenda religiosa, parte de sua vida pessoal, mas também em eventos. Ele e Fernandes participaram da Expoevangélica, programação que reuniu encontro de igrejas e pastores.
No palco, o cabeça do evento, o pastor Francisco Everton da Silva fez elogios a Fernandes e declarou abertamente apoio ao bolsonarista. O religioso lembrou que se lançou como pré-candidato a prefeito de Fortaleza, mas afirmou que desistiu após reunião com Fernandes e “200 pastores".
Evandro e Sarto também se demarcaram dentro do cristianismo. O petista compartilhou registros da visita ao Festival Halleluya neste mês de julho e expressou a "felicidade" por poder reencontrar Moysés Azevedo, fundador da comunidade Shalom e idealizador do festival.
O atual prefeito também tem transitado entre religiosos e buscado manter a proximidade com líderes evangélicos. Em abril, ele foi à celebração dos dez anos de fundação da Igreja Assembleia de Deus Templo Central Presidente Vargas. Na última eleição, o pedetsita foi apoiado por Costa Neto, pastor sênior da Comunidade Videira, por Sandro Fiúza, da Comunidade Evangélica Verdadeiros, e pelo pastor Carlos Queiroz, da Igreja de Cristo no Brasil.
Pauta religiosa aglutina, mas grupos não são unânimes
O que explica, então, o desejo dos candidatos de se aproximarem desse público? Para Jardel Neves Lopes, secretário-executivo do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara (CEFEP), iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é o poder de aglutinar e chegar em muitos lugares. A capilaridade das igrejas.
"A pauta religiosa, ela aglutina muito, por muitas razões. As igrejas têm muita capilaridade. Tem lugares que não têm a organização sindical, por exemplo, que se esfacelou nos últimos anos. Os partidos não têm a mesma capilaridade, a mesma força que tinham em outros momentos. Os órgãos públicos não têm nos territórios a mesma força. Quem está enraizado nos territórios populares são as igrejas", avalia ele.
Neves Lopes considera que, por essa possibilidade, muitos "aproveitam" para usar o espaço da igreja para difundir seus ideais políticos. No entanto, ele ressalta, nada disso é unânime, uma vez que as igrejas e as vertentes da própria religião são diversas.
Ele cita, por exemplo, a existência da "Bancada da Bíblia", como é conhecida a Frente Parlamentar Evangélica (FPE). O grupo tem grande representação das igrejas Assembleia de Deus, Universal e Batista, mas possuía membros ligados à Igreja Católica.
Ainda assim, este ano, foi criada a Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana. Apesar disso, Neves Lopes relata que nem todos os católicos se sentem representados pelo movimento. Isso porque, segundo ele observa, na própria Igreja Católica há setores mais conservadores e outros mais progressistas. "Não é uma unidade. Quando a gente percebe lugares onde há uma formação política nas bases, as pessoas têm autonomia e discernimento para escolher (no voto) como querem", destaca.
E segue: "Mas, de fato, a influência da religião na política, sobretudo nas eleições de vereadores, que estão mais próximos à comunidade, é muito forte. E, nem sempre, essas pessoas são de fato (religiosas). Não vou nem dizer que representam a igreja, porque pelo menos no seguimento católico essa coisa de candidato da igreja não existe essa motivação".
Jardel deixa o alerta para que os fieis fiquem atentos ao fanatismo religioso, crescente nos últimos anos. "A gente precisa trabalhar na desconstrução desse fanatismo religioso, que reafirma uma dimensão religiosa moralista e excludente, que é um posicionamento contrário à classe trabalhadora, contrário aos negros. Isso, nos últimos anos, eles ocuparam cada vez mais espaço dentro das igrejas e dentro da pauta da fé em si. E consequentemente, eles ocuparam mais espaço, dentro da própria política", pontuou.
Ele não rechaça a ideia de que os candidatos participem da igreja, se tornem lideranças e pautem suas ideias na ética dos ensinamentos cristãos que sigam "junto ao pensamento social da Igreja".
O centro no qual ele faz parte se constitui como um serviço à formação política dos cristãos leigos e leigas, sob a coordenação da Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato (CEPL), para fomentar o pensamento social cristão à luz do Ensino Social da Igreja e dos valores evangélicos. (Júlia Duarte)