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Nildes Alencar: Morte do irmão como motor da luta pela anistia e contra a ditadura
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Nildes Alencar: Morte do irmão como motor da luta pela anistia e contra a ditadura

Professora, ex-vereadora e presidente do Comitê Feminino pela Anistia no Ceará, Nildes Alencar relembra a relação com o irmão, frei Tito de Alencar, cuja morte completa 50 anos
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Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito

Nildes Alencar é filha de pais engajados em religiosidade e socialismo, que mantiveram no seio da família algo que ela chama de “universidade cultural”. Ela foi secretária estadual e municipal de Educação e vereadora em Fortaleza, mas é o papel de professora que exerce até hoje aos 90 anos de idade.

Os olhos claros se misturam com o cenário de uma das janelas de seu apartamento, que mais parece um quadro, onde se vê prédios e o mar verde-azul de Fortaleza. Ao ser questionada sobre quem é, Nildes pausa e expressa orgulho por se reconhecer.

Nildes Alencar, professora, ex-vereadora, com foto do irmão, Frei Tito(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar, professora, ex-vereadora, com foto do irmão, Frei Tito

“Sou um pedaço de cada um dos meus irmãos, que cada um deles tinha um mundo tão bonito, tão humano, tão natural e tão culto. Não por letramento de faculdades, mas cultos por gostarem de ler”, resume.

O gosto pelos livros ela também carrega. Tem uma biblioteca em casa e dedica tempo para separar obras e doar para a escola onde trabalha, que atende crianças em situação de vulnerabilidade social da Comunidade Caça e Pesca, em Fortaleza.

A professora também se mantém imersa na luta pela anistia dos presos políticos da ditadura militar. Em meio ao regime autoritário, liderou o Movimento Feminino pela Anistia. Resistiu e resiste à saudade do irmão, frei Tito de Alencar, mantendo viva a memória dele, 50 anos após a morte, em 10 de agosto de 1974.

Apesar de não ter tido filhos biológicos, ela revela que o caçula ocupou esse espaço. Emociona ao contar de sua história entrelaçada à do irmão. Ainda sofre com sua partida, mas propaga o legado do frade. Além da biblioteca, reúne um acervo de produções sobre ele. Se a história de Tito resiste à ditadura militar, a vida de Nildes traduz a defesa da democracia. 

O POVO - Frei Tito antes de se tornar frei Tito, ele foi o seu irmão. Ele é seu irmão e a senhora o conheceu antes de todos nós. Então, queria que a senhora primeiro se apresentasse. Eu queria saber de Nildes quem é Nildes Alencar?

Nildes Alencar - Eu sinto orgulho imenso de dizer quem eu sou, devido a eu ser a que divide as duas gerações da família: as gerações dos mais velhos e as gerações dos pequenos, como chamavam lá em casa. Eu sou a divisora. E eu posso dizer assim: eu sou Nildes, mas, ao mesmo tempo, eu fico sempre me perguntando. Eu sou um pedaço de cada um dos meus irmãos, que cada um deles tinha um mundo tão bonito, tão humano, tão natural e tão culto.

Não por letramento de faculdades, mas cultos por gostarem dos livros e de ler. Só tinham, todos eles, o curso primário naquele tempo, mas eles tinham uma cultura impressionante. Acho que influencia do meu pai e da minha mãe, porque a minha mãe gostava muito de ler, gostava muito de poesias, era amante da Bíblia Sagrada. Ela fazia o trabalho de mãe-educadora, mas, ao mesmo tempo, de cristã, de educar os filhos na religião. Nós éramos privilegiados. Isso era notado por muita gente. Pobres, porque a família de boa cultura, de bons princípios, de boas reservas patrimoniais, sítios e tudo, mas que empobreceram ao longo do tempo com as secas e as lutas.

Meu pai era um homem que não era da lavoura, mas tinha que viver da lavoura, porque o sonho dele era ter estudado e não deu certo, porque a mãe dele não deixava, com medo. E esse contexto todinho fez da nossa casa, digo, uma universidade cultural, porque cada um que foi crescendo, que tinha seus relacionamentos, suas amizades, traziam para dentro de casa seus conhecimentos, suas experiências, seus amigos e aquilo enriquecia muito a família.

O meu pai era um homem muito aberto e a minha mãe também. O fato é que nós, os pequenos, confundimos a obediência da minha mãe com as mais velhas, era uma coisa só praticamente, era uma situação muito bonita. Isso favoreceu muito um apego à mãe e, ao mesmo tempo, um apego às irmãs, como se elas fossem nossas mães.

 

OP - Em que momento a senhora e sua família perceberam que a ditadura militar sufocava aquilo que vocês acreditavam? Quando se notou o perigo que o regime representava?

Nildes: Olha, se deu mesmo quando começamos a chegar ao nível secundário de escolaridade, porque estudando a História do Brasil e discutindo essas questões da nossa história em casa, um dos meus irmãos, o mais velho, foi muito influenciado pelo professor de História, era como um líder para ele. Por meio disso, ele se conduziu às ideias marxistas.

Era congregado mariano, orientado pela minha mãe para a Igreja, mas ao mesmo tempo ele abriu os horizontes para o mundo social dividido, marcado por diferenças e vendo que não estava certo aquilo. Ele trazia esses problemas e questionava em casa. Ao fazer esse questionamento, sempre o nosso almoço era uma assembleia de debates. Minha mãe rejeitando, porque ela é muito religiosa, achando que aquilo era coisa de comunistas, porque estava começando a se discutir no País que nós vivíamos.

Eu nasci numa ditadura, que foi a ditadura de Getúlio Vargas. O meu pai confirmando com o meu irmão as ideias que tinham. Meu pai lia muito jornal, eles gostavam muito. Isso foi trazendo para a família uma abertura para a questão social.

O vizinho da direita trabalhava nos jornais e você sabe que onde se trabalha no meio de jornalista, você ouve tudo, né? Ouve todos os lados, todas as matizes de pensamentos. Eu digo que não houve rompimentos, assim, para nós, porque a família foi fazendo as mudanças de pensamentos dentro do próprio contexto familiar, porque ela era muito diversificada. à medida que íamos crescendo, íamos enriquecendo outros grupos trazendo mais amplitude de pensamentos.

Na família não houve, para a situação do Tito, uma compreensão muito forte do que aconteceu com ele, sabendo que ele não estava errado, que ele estava certo. Deu um sentimento de revolta. Deu uma vontade de puxar e acolher e esconder para ninguém mexer com aquilo que é sagrado para a gente, que é o amor de um irmão por outro. Mas isso não foi possível porque ele já estava liberado para o mundo, também. Ele já estava fazendo o curso científico, já tinha entrado na Ação Católica Brasileira (ACB). Apesar de que ele era o caçula da casa na época, a gente não pôde reter de maneira alguma. 

Nildes Alencar com o livro (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar com o livro

OP - E quando a senhora enveredou para ser professora?

Nildes: Todas as mulheres da minha casa foram professoras. Eu abri meus olhos vendo professoras, sendo aquelas professorinhas no interior que ensina no sítios. Eram professoras leigas, não diplomadas. Eu abri meus olhos vendo professora lá em casa. Lindas, elas. Cada qual mais bonita e eu sonhava ser professora.

OP - A senhora foi vereadora. Fiquei sabendo de uma história de uma sapatada também que a senhora teria dado em um colega.

Nildes - Essa daí ficou na história. A vereança foi uma coisa interessante. O Bianor, meu companheiro, a gente tinha começado a fazer a nossa união há pouco tempo e ele botou que eu daria para acompanhar a Câmara Municipal e também estava naquela época de mudar, estar empolgado para entrar na política, para assumir. Estávamos saindo da ditadura, caminhando com toda ansiedade para a anistia e a gente sonhando com isso tudo. Ele me instigou muito a me candidatar como vereadora e, na verdade, me elegi bem (em 1982).

Íamos fazer a eleição da mesa diretora. A gente via que estava dividido e a turma que queria se eleger era pesada, no sentido de direitista e, lá pelas tantas, houve muita discussão, muito debate, mas eles que fizeram de propósito, que a turma era da brincadeira e debochada em alguns momentos. Aí disse que a vereadora Nildes tinha puxado a chinela para bater no colega, mas não aconteceu isso de maneira alguma. Aí o jornal explorou. No outro dia saiu a notícia, mas nada aconteceu. Aconteceu o debate, de bate-boca, mas isso aí, não.

OP - Tito ingressou na ACB e a senhora, depois da morte dele, liderou o Movimento Feminino pela Anistia.

Nildes - A dona Terezinha Zerbini, de São Paulo, começou a fazer um levantamento em todo o País da situação das pessoas que tinham presos políticos, que passaram sofrimentos e perdas e tudo no período da ditadura para unir as famílias e dar início ao movimento da anistia. E que seria mais mulheres, feminino mesmo, porque estava naquela empolgação, as mulheres começaram a ter visibilidade. Foi no período em que a mulher só tinha visibilidade se fosse artista de cinema, se fosse manequim. E eu tinha essa escolinha, que foi fundada por mim, que era o Instituto Educacional de Alencar.

Nessa escola, nós tínhamos poucos alunos, mas era uma escola modelo. As decisões eram tomadas coletivas. Ao fazermos essa experiência com a escola, recebemos pais de alunos da escolinha que eram presos políticos. A gente estava numa fase, assim, de insegurança imensa, de não saber o que fazer e recebemos comunicações dela, dona Terezinha Zerbini, pedindo um encontro com as mulheres aqui em Fortaleza que tinham presos políticos e aquelas que não tinha e que elas procurassem a irmã do Frei Tito.

Daí, ela começou a fazer as reuniões. Mostrou toda a importância que tinha da anistia. Eu nunca tinha... Eu vi falar em anistia quando menina, no tempo do Getúlio Vargas, né? Então, começamos a organizar e fazer o trabalho. Esclarecendo que seria um trabalho que a gente tinha que fazer muito aberto, muito convidativo para todo mundo, para que acreditasse que não era um trabalho camuflado, contrário à ditadura. A coisa dentro do espírito político. Não de atacar e derrubar, sabe?

Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito

OP - A senhora ou alguém do grupo chegou a ser perseguida ou observada?

Nildes: Ah, sim, sim! Todo mundo sabendo e, mesmo assim, o carro da polícia ficava no quarteirão até a hora de terminar as reuniões. Eu vinha para casa, o carro acompanhava. Eu descia, o carro ficava. Eu subia para dormir, aí o carro ia embora. Era horrível. A sensação que a gente tem, o medo que tinha, mas nós ficamos nessa organização, assim, levando em conta que vale a pena a gente passar pelo medo, pelo susto, pelas coisas, porque, senão, quem era que ia falar sobre anistia?

Foi uma fase muito bonita, mas também eu não sei onde a gente arranjou coragem, não. A verdade é essa. Porque eu vivia brigando com o Tito. Qualquer reunião que ele ia com aquela história: "você tenha cuidado. Olha, não faça isso". Ela, a dona Terezinha, achou que deveria ficar como presidente o meu nome. Por quê? Por causa do Tito, que tinha falecido e a forma da morte dele foi uma coisa que abalou muitos países, quase todo mundo inteiro.

Ela disse que seria aqui em Fortaleza, porque haveria respeito de qualquer maneira. A gente ia de casa em casa, traçava os bairros, batia palma nas casas e explicava o que era a anistia, se a pessoa já tinha ouvido falar. Aí, pelo menos, ia aliviando a forma do pensamento que se tinha sobre os presos políticos, e fomos ganhando espaço. Porque a ditadura plantou bem o conceito de que eles eram terroristas.

Convidava o povo para ir visitar os presos políticos, aí ficava difícil, porque o pessoal tinha medo, mas levava na Páscoa, nessas festas, assim, bem tradicionais, a gente levava para os presídios. Só uma vez eu fui chamada, somente uma vez, porque o pai de um aluno fez denúncia e me chamaram. E eu fui colocar que não, nós não entregávamos.

O que nós colocávamos era sobre a anistia. A anistia não é partido político, a anistia é um estatuto de direito, e que nós estávamos pedindo era anistia e pedir nunca foi crime nem pecado. “É esse o trabalho que nós fazemos”. Fui morrendo de medo, mas como eu tinha tanta certeza de que eu não tinha envolvimentos... Aquela história de que, quem não deve, não teme. Também a vontade que a gente tinha de que acreditassem na gente era tamanha, que precisava a gente assumir de qualquer maneira. Não tive medo, não.

OP - Tito motivou a senhora a entrar na luta pela anistia. Como era a relação de vocês?

Nildes - Realmente, assim, o meu relacionamento com o Tito teve a fase de eu ser a irmãzinha mais velha, cuidadosa, que banhava, que dava um mingauzinho, que fazia o leite, quem cuidava mesmo, que a minha mãe me ensinou como era que fazia, que lá em casa era assim desde as mais velhas. Então, chegou a minha vez de cuidar do irmão mais novo. Ele foi crescendo, eu dando orientações.

Ora, o primeiro zepelim que passou na cidade, ele chamou a turma toda, tirou a classe toda para olhar o zepelim. Ele tinha, assim, umas fantasias muito fortes. Ele fazia as danações, mas também era muito contemplativo. O homem da mercearia juntava o carvão na frente da mercearia e ele pegava a baladeira e jogava na base, ai arriava todinho.

Aí chegavam os enredos lá em casa. Quando eu já estava estudando, entrei na Ação Católica, que é um movimento revolucionário na igreja. Era essa a formação que a gente tinha. Eu estava muito dentro das ideias da Ação Católica e meu pai reclamava muito que eu ia para as reuniões. E o Tito ia comigo, porque se não fosse, meu pai não deixava.

Ele me acompanhava nas reuniões e eu creio, eu observo que aquele movimento, que algumas coisas ele captou, foi quando ele fez o exame de admissão na Juventude Estudantil Católica (JEC). Ele entrou na JEC. Quem orientava geralmente era um padre que eles botavam capaz de cuidar bem da juventude, inteligente, preparado, líder, que os estudantes acreditassem para poder manter. Então, ele se empolgou na Ação Católica. Deu toda uma caminhada para ele.

Eu fiquei feliz quando ele começou a frequentar o movimento da gente. Logo, logo ele passa a coordenar os grupos. Aí vai para Recife representando o Ceará. Lá no Recife, ele conheceu o frei Beto, que também era da JEC. Tito me escreveu para que eu preparasse o espírito de papai, porque papai sonhava em ter um filho médico.

Isso porque Tito queria conversar sobre a vocação da vida dele. Aí eu fiquei muito feliz, a minha mãe morta de feliz, mas o meu pai... Aí ele vem e anuncia: "Papai, não se preocupe, você vai ter um filho médico das almas". Meu Deus, tanto que ele sonhou, né? Tudo que ele sonhou, mas ficou feliz de saber que ele tinha escolhido a vocação dele para o sacerdócio.

Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito

OP - Quando é que a senhora começou a se preocupar com ele e a ditadura militar?

Nildes - Quando a gente começou a se preocupar que ele estava muito imaturo para enfrentar um regime que ou você é tão sagaz quanto eles, ou você tem muita experiência, ou você não faz nada por enquanto. Ele, muito infantilmente, queria ajudar, só que na ajuda que ele fazia, ele ia se revelando para a ditadura, né? Então, ele resolve assumir a questão do congresso (da União Nacional dos Estudantes, UNE).

O congresso acontece. Quando eles estão no congresso, vai tudo preso. Por que que foi o Tito? Que é uma coisa que nós, aqui em Fortaleza, nós nordestinos, achamos que por que eles usaram o Tito e não outro, que era mais forte que o Tito? Por que que foi o Tito que foi, sabe? Aí é onde entra a discriminação, a situação de você se envolver no movimento.

Você cai não é só porque era a ditadura, não. É porque, até na ditadura, eles privilegiam quem é que eles vão maltratar e quem não vão. Não é que eu quisesse que o outro fosse torturado, não. É que eu pergunto: por quê? Isso são pensamentos de irmão. São pensamentos afetivos. São pensamentos que não são da inteligência racional. Aqui, está falando a irmã, mãe, educadora do Tito, protetora, tudo dele.

Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito

OP - A senhora chegou a visitá-lo no exílio antes de ele morrer. Resgatando notícias sobre a morte do seu irmão, nota-se que a senhora sempre questionou o suicídio. O que a leva a manter essa postura?

Nildes - Sempre, sempre, sempre. Eu achei, assim, que ele estava muito visto como um ser… “Aquele rapaz ali, aquele homem é um dominicano”. Vamos dizer, assim, um ativista. “Esse rapaz não tem juízo, não, para se meter com uma coisa dessa”. Não sei. Eu percebi que ele era discriminado. Senti. Ali, a gente sente na pele. Eu senti a pobreza do país, não tem nada de rico por aí; a pobreza da nossa cultura, a nossa indigência, a nossa incapacidade...

De a gente achar que fulano de tal é maravilhoso e a gente não presta. Eu senti tudo isso. Eu achei ele, assim, muito dependente, sabe? Muito infantilizado. E ele não era burro. Ele sabia que estava sendo discriminado. Eu achei que aquilo era o pior que podia acontecer com ele. “Já que a Ordem não pode retê-lo, que, pelo menos, cumpra o resto até o fim.

Cuidem do meu irmão, porque, mais cedo ou mais tarde, nós vamos ter notícia ruim dele”. Eu tinha certeza. Eu tinha. Fiquei com essa coisa dentro de mim, que não teve quem me tirasse. Eu tinha certeza absoluta que ele não ia suportar aquilo. Sozinho, não. Eu não suporto ver corda. Então, para mim, a luta da anistia era como um resgate, como se eu estivesse resgatando meu irmão. Imaginando o quanto mães, irmãs, esposas sofreram como eu que estava passando aquilo.

“Agora, eu sei o que é. Eu sei como é que se sente, como é que a gente sente”. Como é que os outros veem, sabe? Essa coisa toda. E, principalmente, porque ele, ninguém escolhe o tipo de morte que vai ter, né? Ninguém escolhe, mas não queria nunca que fosse da forma como foi, sinceramente. Isso aí é uma questão muito pessoal e não queria que tivesse sido assim. Uso a minha profissão para o bem social. Fato é que me comprometi.

Ele me deixou esse compromisso de não parar de fazer o que era para ser feito, de falar aquilo que está escrito no túmulo dele: “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão”. Na verdade, nós, enquanto formos vivos, e pudermos lutar contra ela, a gente luta. Que vale! Que nós estivemos na beira do abismo agora há poucos dias. Isso aí a gente sabe. Os erros têm por todas as bandas, mas nenhum desses erros justifica uma ditadura. Nenhum. Não tem nada que justifique.

Você ter um povo que tem o direito de falar, de dizer, de reclamar. Mas, implantar uma ditadura e dizer: “Você está proibido. Você não fala”. Nunca mais! E a gente que sofreu isso na pele, a gente que viveu isso… E eu como educadora, a gente sabe que, a semente, a gente planta na escola; que a voz de uma professora, se ela souber o quanto um professor, uma professora é profeta, ele cuidava. Profeta no sentido de que ele tem de dizer e profetizar que o homem é para ser. O homem é para ser gente.

Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Nildes Alencar, professora, ex-vereadora e irmã de Frei Tito

OP - Eu acho que só de a senhora abrir as portas para contar a história dele, ter esse memorial que a senhora tem, já é cumprir essa missão.

Nildes - Já é. E ele era lindo, o Tito, viu? O Tito era lindo. E não é porque fosse meu irmão, não. É porque ele era lindo mesmo. Às vezes, quando eu estava assim afobada, ele dizia: “Nildes, olha, não pode”. Era tão engraçado ele. Mas, perdi... Perdi e não perdi, né? Ganhei. O meu irmão. Tem a escola lá, Frei Tito. O que eles precisarem, eu estou na disponibilidade de estar presente.

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