O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou suspender nesta sexta-feira, 30, a rede social X no Brasil após o dono da plataforma, Elon Musk, descumprir a ordem de nomear um representante para responder pela empresa no País. Moraes afirmou que a companhia tenta se esquivar da jurisdição brasileira "com a declarada e criminosa finalidade de deixar de cumprir determinações judiciais".
O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, foi comunicado da medida e a agência já havia começado a notificar os mais de 20 mil provedores de internet para a derrubada da rede social no prazo estabelecido por Moraes, de 24 horas. A Anatel não é a responsável por bloquear o acesso aos usuários, e funciona como uma intermediária.
Em manifestação no X, Musk acusou Moraes de destruir a liberdade de expressão por "motivos políticos" e se referiu a ele como "pseudo-juiz não eleito no Brasil". "A liberdade de expressão é o alicerce da democracia", disse.
"O regime opressor no Brasil tem tanto medo de o povo aprender a verdade que levará à falência qualquer um que tentar". Afirmou ainda que "estão derrubando a fonte número um da verdade no Brasil". Mais cedo, Musk tinha declarado que o ministro é "uma vergonha para as vestes de juízes".
A suspensão "imediata, completa e integral" vale até o X apresentar um responsável - pessoa física ou jurídica - pelas operações no território brasileiro e pagar as multas impostas pelo STF por deixar de bloquear perfis na rede social, em desobediência a ordens judiciais. O valor das multas passa de R$ 18 milhões.
O prazo determinado por Moraes para a nomeação de um representante do X expirou na última quinta-feira, 29, às 20h07min. A empresa foi intimada por meio da própria rede social. O perfil institucional do STF publicou a notificação e marcou as contas do escritório global da plataforma e de Musk. O tribunal nunca tinha feito uma intimação por esse meio. O procedimento levantou dúvidas sobre sua validade e a decisão ampliou questionamentos a condutas do ministro do STF.
Moraes estabeleceu uma multa diária de R$ 50 mil para quem tentar burlar o bloqueio ao X por meio da ferramenta VPN, que permite omitir a localização de acesso à internet. Esses usuários também podem responder criminalmente, segundo a decisão
Inicialmente, para evitar que o embargo fosse desrespeitado, o ministro tinha determinado que Apple e Google impusessem "obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar" o acesso ao X e retirassem o aplicativo de suas lojas virtuais. Ordem semelhante foi emitida a provedores de serviço de internet. Horas depois, Moraes revogou esse trecho da decisão para evitar "eventuais transtornos desnecessários e reversíveis a terceiras empresas".
Nas 51 páginas da decisão, o ministro retoma o histórico de descumprimento de ordens do STF pelo X. Moraes afirma no documento que o empresário "demonstrou seu total desrespeito à soberania brasileira".
"A flagrante conduta de obstrução à Justiça brasileira, a incitação ao crime, a ameaça pública de desobediência a ordens judiciais são fatos que desrespeitaram a soberania do Brasil e reforçam a conexão da dolosa instrumentalização criminosa das redes", escreveu.
Para o ministro, o fechamento do escritório da plataforma no País, às vésperas das eleições municipais, seria uma estratégia velada para permitir a divulgação de fake news sem correr o risco de responder pelas transgressões. O objetivo, destaca a decisão, seria favorecer grupos populistas extremistas. O X anunciou a saída do Brasil no último dia 17.
"A tentativa em colocar-se à margem da lei brasileira demonstra seu claro intuito de manter a instrumentalização das redes sociais, com a massiva divulgação de desinformação e a possibilidade da nociva e ilícita utilização da tecnologia e inteligência artificial para direcionar, clandestinamente, a vontade do eleitorado", diz um trecho do documento.
Embora Musk tenha descumprido ordens impostas no Brasil, ele acatou decisões semelhantes de outros países. Em maio de 2023, o X cumpriu determinações do governo de Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, e restringiu contas às vésperas da eleição no país. Em janeiro do ano passado, removeu postagens, por ordem imposta na Índia, que divulgavam conteúdo de um documentário sobre o primeiro-ministro Narendra Modi.
Ainda ontem, Moraes abriu o julgamento, na Primeira Turma do STF, de 39 recursos apresentados por plataformas. Ao negar os pedidos que contestam bloqueios de perfis, ele disse que "não se confunde liberdade de expressão com impunidade para agressão". O ministro Flávio Dino o acompanhou. Até a noite de ontem, faltavam votar Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin. O julgamento vai até 6 de setembro.
Os recursos são das empresas X, Rumble e Discord. A rede de Musk alega que o bloqueio configura censura prévia porque as suspensões poderiam ser aplicadas a postagens específicas, e não atingir todo o perfil.
Embaixada dos EUA fala em liberdade de expressão; Lula pede respeito ao STF
A Embaixada dos Estados Unidos no Brasil defendeu ontem, em nota, a liberdade de expressão, ao se referir ao impasse entre o ministro do STF Alexandre de Moraes e o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter). A nota foi divulgada antes da determinação de Moraes de suspender o X no País.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em rota distinta, disse que Musk deveria se submeter à Constituição e às regras do Brasil, inclusive sobre o que decide a Corte máxima do País. A intimação de Moraes ocorreu após Musk ter anunciado o fechamento do escritório do X no Brasil, com a demissão de todos os funcionários.
Com a decisão, a plataforma ficou sem representante legal no País, o que é proibido pela legislação nacional. O cumprimento das leis brasileiras é exigência do Marco Civil da Internet para que as redes sociais operem em território nacional.
Na nota divulgada ontem, a Embaixada dos Estados Unidos, apesar de ressaltar a democracia como "pilar fundamental", disse que não se manifesta sobre decisões judiciais. "Ressaltamos que a liberdade de expressão é um pilar fundamental em uma democracia saudável. Por política interna, não comentamos decisões de tribunais ou disputas legais", afirma o comunicado.
Lula foi taxativo na defesa das medidas tomadas pelo STF, em declaração dada também antes da decisão de Moraes de suspender a rede X. "Todo e qualquer cidadão de qualquer parte do mundo que tiver investimentos no Brasil está subordinado à Constituição brasileira e às leis brasileiras. Se a Suprema Corte tomou uma decisão, ou ele cumpre ou vai ter que tomar outra atitude. Não é porque o cara (Elon Musk) tem muito dinheiro que ele pode desrespeitar", declarou o presidente, durante entrevista à rádio MaisPB, de João Pessoa.
Ainda sobre o empresário, Lula disse: "Ele pensa que é o quê? Tem que respeitar a decisão da Suprema Corte brasileira".
Depois da manifestação da Embaixada dos Estados Unidos, Musk agradeceu ontem o apoio, ainda antes da divulgação da decisão tomada por Moraes. A reportagem procurou o Supremo, mas não obteve resposta da Corte até a publicação deste texto.
Pelo X, também antes da decisão do ministro do Supremo, Musk voltou a criticar Moraes. Ele disse que o magistrado está cerceando a liberdade de expressão, fazendo com que os usuários da rede social sejam impedidos de "expressar seus pensamentos ou saber a verdade da situação".
"A expressão de apoio da embaixada dos EUA é apreciada (por mim) De fato, sem liberdade de expressão, o público não pode expressar seus pensamentos ou saber a verdade da situação, tornando impossível votar com conhecimento preciso", escreveu o bilionário.
Moraes intimou Elon Musk pelo próprio X. Desde o último dia 17, a rede social não tem advogados no País após o bilionário contestar ações do STF. O prazo dado por Moraes na intimação foi de 24 horas. Na última quinta-feira, 29, Moraes suspendeu as contas bancárias da Starlink, outra empresa do bilionário, para quitar dívidas da plataforma com a justiça brasileira.
Juristas ouvidos pelo Estadão consideraram que a intimação, emitida pelo ministro por meio da própria plataforma, é atípica e ilegal. Segundo alguns deles, o código processual brasileiro obriga que Musk, um cidadão estrangeiro, receba a intimação por meio de uma carta rogatória, e não por meios eletrônicos, como foi feito, o que poderia levar à nulidade decisões futuras, como a tomada ontem.
Esta não é a primeira vez que Musk e Moraes trocam farpas públicas nas redes sociais. Desde abril, quando o ministro do Supremo começou a investigar possíveis propagações de fake news pelo X, o empresário afirma que o magistrado infringe os princípios da liberdade de expressão.
Musk é alvo da investigação n.º 4.957, que apura supostos crimes de obstrução da Justiça, organização criminosa e incitação ao crime. O bilionário foi incluído no inquérito das milícias digitais após o X se negar a cumprir ordens de Moraes referentes à suspensão de perfis.
A nova decisão de Moraes, em relação às milícias digitais, foi proferida depois de o X não cumprir uma determinação para que bloqueasse o perfil do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e de outros alvos de inquéritos no Supremo. Após a plataforma descumprir a decisão de bloqueio, Moraes aumentou de R$ 50 mil para R$ 200 mil a multa diária aplicada pelo descumprimento.
No dia 13 de agosto, o senador foi alvo de medidas cautelares determinadas por Moraes no âmbito das investigações sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Além do bloqueio das redes sociais, o parlamentar teve as contas bancárias bloqueadas até o valor de R$ 50 milhões. A medida foi divulgada pelo próprio senador em postagem na plataforma.
A rede social X se pronunciou na noite de anteontem sobre a possível suspensão de suas operações no Brasil. A empresa declarou, naquele momento, que aguardava a ordem de bloqueio por parte de Moraes. "Em breve, esperamos que o ministro Alexandre de Moraes determine o bloqueio do X no Brasil - simplesmente porque não atendemos suas ordens, que consideramos ilegais, para censurar seus opositores políticos", afirmou a empresa em comunicado.
Após Moraes decidir suspender a rede social, houve reação na classe política. Enquanto um ministro do governo Lula comemorou a decisão, parlamentares da oposição reagiram, classificando a medida como censura. O ministro do Supremo fundamentou a decisão pelo fato de a empresa de Musk ignorar ordens judiciais.
Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, comemorou o bloqueio na própria rede social. "E agora @elonmusk, está bloqueado!!!!! Aqui no Brasil, tem lei!!!! Bye, bye!", postou Teixeira.
Na oposição, o deputado Evair de Melo (PP-ES) classificou a decisão como um ato de censura. "Moraes suspende o X no Brasil após a empresa não designar um representante legal. Multas diárias para quem tentar burlar a decisão. Vai vendo, Brasil!", escreveu.
Da mesma forma, o senador Izalci Lucas (PL-DF) chamou a decisão de Moraes como censura do X em todo o território brasileiro.
A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) chamou o ministro de "canalha" e alegou que medidas estariam sendo tomadas para punir quem tentasse acessar a plataforma.
"Não basta suspender o X no Brasil, Alexandre de Moraes agora quer multar em 50 mil quem usar VPN pra acessar o X/Twitter", escreveu a parlamentar, se referindo a uma determinação que também consta nas 51 páginas da decisão do ministro.
Zanin nega recurso da Starlink contra decisão que bloqueou contas
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou ontem o pedido para desbloquear as contas bancárias da Starlink, empresa de Elon Musk especializada em internet via satélite. As contas foram congeladas para o pagamento de multas impostas ao X, que também pertence ao bilionário. A empresa havia entrado com um mandado de segurança no STF alegando que foi surpreendida com a decisão, porque não era parte dos processos envolvendo o X. Também sustentou que Alexandre de Moraes não apresentou uma "justificativa plausível" para bloquear as contas da empresa e que a decisão, na prática, a impede de exercer sua atividade comercial no Brasil.
O mérito do recurso não chegou a ser analisado. Em sua decisão, Zanin considerou que não há ilegalidade flagrante que justifique uma intervenção externa no processo. Para o ministro, a decisão de Moraes foi devidamente fundamentada.
As contas da Starlink foram bloqueadas preventivamente depois que o X fechou o escritório no Brasil em meio a atritos com Moraes em torno de ordens judiciais para suspender perfis na rede social. Foi a forma encontrada pelo ministro para assegurar o pagamento de parte do passivo de multas, que ultrapassa R$ 18 milhões.
Segundo juristas ouvidos pela reportagem, o bloqueio de contas da Starlink pode ser considerado excepcional. Eles disseram que, para cobrar de uma empresa a dívida de outra companhia, mesmo sendo do mesmo dono, é necessário comprovar prática de fraude.
De acordo com a professora Eliana Franco Neme, especialista em Direito Constitucional, é possível bloquear o patrimônio de uma empresa para quitar a dívida de outra quando a separação entre a pessoa jurídica e seus sócios é desconsiderada. A medida, porém, é inusual. "Quando se percebe que houve tentativa de se furtar de decisão judicial, o Judiciário desconsidera a personalidade jurídica da empresa e vai para cima do sócio. Mas, em regra, quem responde é o devedor, que é a pessoa jurídica", disse.
O professor de Direito Processual da USP Flávio Luiz Yarshell destacou que é necessário saber se a decisão de Moraes fundamentou a medida com base em indícios de fraude. "Ele deve ter justificado qualquer indício de fraude. Diria que é excepcional, mas é possível", afirmou o professor. O processo contra Musk é sigiloso. A rede social X pertence à X Holdings Corp., enquanto a Starlink é ligada à Space Exploration Technologies Corp., conhecida como SpaceX. A Starlink tem 215 mil clientes no Brasil.