Parte crucial de todas as campanhas eleitorais, as estratégias de comunicação utilizadas pelos candidatos são um fenômeno em constante transformação e que, ano após ano, apresentam nomes que saem dos padrões da “velha política” e demonstram traquejo para um modelo cada vez mais atrativo às redes sociais e à divulgação massiva de “cortes” (pequenos vídeos de determinados momentos).
Pablo Marçal (PRTB) e Tabata Amaral (PSB) - candidatos à Prefeitura de São Paulo -, são parte dessa nova geração que utiliza de momentos como os debates num contexto de redes sociais e, por vezes, vira do avesso uma lógica eleitoral pré-estabelecida. Comportamentos de enfrentamento, introdução de elementos de caos, além de uma boa oratória, são características que conferem a estes e outros atores um quase monopólio das atenções numa realidade dominada por redes sociais.
Marçal se enquadra num perfil de candidato com temperamento explosivo e que busca uma constante exposição e conflito. Tabata, com postura mais reativa, tem feito publicações a fim de rebater adversários, como o próprio Marçal, Guilherme Boulos (Psol) e Ricardo Nunes (MDB), apresentando-se como uma alternativa. Há casos espalhados pelo País que transitam por outras estratégias de comunicação. João Campos (Recife) e Eduardo Paes (Rio de Janeiro), são exemplos que usam a “descontração” como modelo de aproximação do eleitor.
Em Fortaleza, o candidato George Lima (Solidariedade) viralizou nas redes sociais ao se desentender com André Fernandes (PL), no debate promovido pelo O POVO na última terça-feira, 27.. Ele teceu críticas ao adversário e disparou: “Chupa aqui para ver se sai leite”.
O episódio repercutiu nacionalmente, gerando memes, reforçando outra estratégia de campanhas e deixando em segundo plano discussões sobre propostas e gestão. O próprio Fernandes tem perfil similar com exposição nas redes e discurso antissistema.
Candidatos com esses e outros perfis representam uma síntese - usando da lacração e da resposta rápida -, que vai contra a lógica analítica e de mediação que a política exige ao longo dos anos. Parte do crescimento desses perfis tem a ver ainda com o descrédito da própria política. Se começou em 2018, com Bolsonaro, ou 2016 com João Dória, não há consenso. Mas o perfil tem se alastrado desde então pelos mais diferentes contextos e realidades políticas, com exemplos inclusive em outros países.
A reportagem ouviu especialistas sobre os rumos da comunicação eleitoral e seus efeitos na realidade de cidades e eleitores. Cleyton Monte, pesquisador vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia, da UFC, explica que o modelo de marketing político mais eficiente é aquele que chega mais rápido às pessoas.
“Esse modelo de lacração é o que funciona. O modelo tradicional, de debater programas, perde espaço para frases de efeito. Em muitos debates vejo candidatos que nem respondem o que são perguntados. Eles voltam toda a sua estratégia para a rede social, para a produção de vídeos e conteúdos”, diz.
O professor faz ainda um comparativo com anos anteriores. “Antes entendíamos que ganhava um debate quem respondia melhor. Hoje, é quem consegue viralizar. Ninguém nem questiona mais a proposta do outro, porque a gente vive a era da lacração, da ‘memetização’ para se aproximar do eleitor de maneira mais rápida. Na minha avaliação essa estratégia atrai, chama atenção, acaba criando simpatizantes, mas ela não é suficiente para ganhar eleição majoritária. Em grandes cidades é necessário fazer alianças”.
Paula Vieira, cientista política e professora da Unichristus, aponta os debates como um espaço em que os candidatos podem dialogar com apoiadores e potenciais eleitores. “O momento do debate é um momento de expansão desse público. Já as estratégias de redes sociais são cortes que alcançam determinados segmentos e mais orientado para dialogar com quem já é eleitor ou tem tendência de votar naquele candidato”, explica.
A professora destaca que os candidatos estão atentos às possibilidades de utilizar o debate para reforçar linguagens e estratégias. “A partir disso, os marqueteiros ficam atentos na repercussão negativa ou positiva e nas formas de explorá-la. Ou simplesmente em formas de fazer com que um momento ruim seja esquecido, criando fragmentos mais atrativos”.
Apesar disso, Vieira aponta que é necessário dosar a postura em certa medida. “É preciso um manejo, para não se tornar apenas um meme ou um candidato explosivo. Com o tempo, eles são demandados a ter mais atenção para não haver excesso dessas linguagens”.
Monte julga que essa postura de candidatos acaba por ser prejudicial, porque acaba normalizando um entendimento de que debates e propagandas não servem mais para apresentar propostas. “Gera um empobrecimento da democracia, porque as lideranças têm que flertar com o ridículo, com o deboche. É uma degeneração do debate, ocultar o que está em jogo enquanto busca mais viralizar do que propriamente conquistar pessoas pelo argumento. E quando uma eleição se afasta do debate sobre a cidade, todo mundo perde”, conclui.
É a comunicação, estúpido!
Nunca como nos nossos dias, estamos convencidos de que a arte da política, bem mais do que a mera definição da “arte de governar”, é a “arte da comunicação”. Desde Maquiavel, no século XVI, aprendemos que fazer política é representar papéis, “parecer ser”, como diria o italiano. Convém ao político a aparência; ao súdito, por sua vez, convém saber que está diante de uma representação.
Analisar política é se deter, muito tempo, no discurso, que é a arte de comunicar e persuadir. Se no passado recente ela dizia respeito ao desempenho diante do rádio e da TV, em especial na propaganda eleitoral, hoje é a gramática das redes digitais que dita as regras, o desempenho e a capilaridade daqueles que desejam exercer o poder sobre um conjunto de cidadãos. As mudanças estruturais chegam sempre à política.
Na história política do Brasil costuma-se apontar a vitória de Collor, em 1989, como a grande entrada da política na era das técnicas midiáticas. Ledo engano. São do Ceará os dois primeiros casos exitosos da utilização dos padrões publicitários nas eleições, com Maria Luiza (1985) e Tasso Jereissati (1986), como bem analisou Rejane Vasconcelos, professora da UFC.
Lula em 2002, Marina em 2010 e 2014 são exemplos apontados dessa mesma “era midiática”. Mas, o mundo mudou e a lógica agora é a da performance digital. A transição é a campanha de Dória, em 2016, ou a de Bolsonaro, em 2018? A resposta não é definitiva.
Importa saber que, ao lado dos fenômenos eleitorais – campeões de votos -, outro tipo de fenômeno aparece a cada eleição: o dos comunicadores. Tiririca, em 2006, afirmando “não saber” o que um político faz; Plínio, do Psol, produzindo risos aos montes na eleição de 2010, ou Eduardo Jorge e o humor na eleição de 2014; Daciolo e suas profecias e denúncias conspiratórias em 2018; Padre Kelmon e Soraya Tronicke, em 2022. George Lima, candidato em Fortaleza, tem ocupado essa função nestas eleições: o humor, a jocosidade, o desafio de uma espécie de “homem comum” ali, entre profissionais da política.
É a comunicação de outra coisa, que não é a política, mas que importa tanto quanto a política. Uma outra política, uma antipolítica. Assim chegamos ao fenômeno Pablo Marçal. A estratégia disruptiva, o enfrentamento, o embotamento das questões que importariam caso a política não precisasse “encantar”.
Tudo age como se expressão fosse do mundo comum, sem grandes técnicas profissionais. Apenas o cidadão e seu anseio. Marçal vai operando uma mudança estrutural que: 1- cria um novo modo de consumo da política, entendida como entretenimento, que 2- obriga os adversários a, de um modo ou de outro, acompanharem o candidato, com respostas e desafios, que levam à política ao seu modus operandi.
Pablo Marçal e Tabata Amaral
Dois candidatos a prefeito em São Paulo têm se destacado em termos de rede social. Pablo Marçal (PRTB), que adota um tom disruptivo e acumula polêmicas, tem demonstrado crescimento nas pesquisas. Em episódios recentes discutiu com Guilherme Boulos (Psol) durante um debate e puxou uma carteira de trabalho para provocar o adversário. Há algumas semanas soprou um pó branco na direção de um dirigente da Rede, que apoia Boulos.
Atrás nas pesquisas, a deputada Tábata Amaral tem crescido em visualizações nas redes sociais após mudar o tom da campanha e tomar Marçal como alvo. Segundo representantes da campanha, ela bateu recorde de visualizações em suas redes sociais com vídeos que criticam Marçal duramente, apontando supostos elos entre o candidato e a facção criminosa PCC. A estratégia é se colocar como principal antagonista do candidato que monopoliza atenções nesse campo virtual, fazendo com que a campanha de Tabata se eleve inclusive perante outros candidatos, como Boulos e Nunes, que disputam mais próximos de Marçal.
George Lima e André Fernandes
André Fernandes (PL) já é conhecido pela sua postura de enfrentamento de opositores, muitas vezes sendo acusado de passar do tom. O modo de agir é comum entre candidatos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No debate do O POVO, chamou candidatos do Psol e do Solidariedade de “inexpressivos” e “puxadinhos do PT”, o que gerou uma resposta de George Lima (Solidariedade), que viralizou nacionalmente ao dizer: “chupa aqui para ver se sai leite” em resposta ao adversário. O episódio virou meme, sendo um dos pontos altos do debate, mas para especialistas é uma forma de reforçar estratégias de comunicação.
Kamala Harris e Donald Trump
Ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump é reconhecido mundialmente como um predecessor desse modus operandi comum a candidatos da extrema direita. Neste ano Trump foi vítima de uma tentativa de assassinato a tiro, o que foi - e ainda é - utilizado pelo candidato republicano como um ás na manga durante a campanha deste ano. Trump dobra as apostas no discurso antissistema e apela ao saudosismo e ultranacionalismo. Do outro lado, os democratas titubeavam entre mudar o candidato ou não. Decidiram pela indicação de Kamala Harris, atual vice-presidente, que tem utilizado linguagem firme e dura contra Trump, a fim de repetir uma onda de rejeição a Trump, que virou o jogo há quatro anos.