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O que os candidatos a prefeito prometem para o trânsito e o que podem de fato fazer
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O que os candidatos a prefeito prometem para o trânsito e o que podem de fato fazer

| Fortaleza | Proposições variam da redução dos valores de multas à implementação de corredores (faixas) exclusivas para motociclistas
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CARREATA do candidato André Fernandes (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES CARREATA do candidato André Fernandes

Em Fortaleza, a campanha eleitoral de 2024 tem se notabilizado por propostas diversificadas. Parte delas, no entanto, envolve competências que não cabem diretamente ao poder público municipal como questões de segurança pública, por exemplo. Um assunto que passou a se apresentar com mais frequência na reta final da campanha são as propostas para o trânsito, tópico que tem diferentes atribuições entre as esferas de poder e que impacta direta e diariamente na vida dos munícipes da quarta maior Capital brasileira.

Os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto têm proposições que variam de redução dos valores de multas à implementação de corredores (faixas) exclusivas para motociclistas. No entanto, parte dessas atribuições não cabe direta ou exclusivamente ao prefeito, que pode até articular com outros agentes políticos e técnicos, mas não pode, de maneira geral, realizar mudanças isoladamente.

O POVO conversou com especialistas em questões ligadas ao trânsito e cientistas políticos para compreender o que é ou não atribuição do município e os motivos que levam candidatos a fazerem promessas de campanha - que num primeiro momento não lhes caberia -, sem esclarecer que estas dependem de articulação.

Daniel Siebra, presidente da Comissão de Trânsito, Tráfego e Mobilidade Urbana da Ordem dos Advogados Brasil no Ceará (OAB-CE), aponta que há propostas “inviáveis” ou “muito difíceis de serem implantadas” e com caráter mais eleitoreiro do que prático. No caso de promessa de redução de valores de multas, o advogado afirma ser algo totalmente “descabível” e “esdrúxulo” um candidato a prefeito propor isso.

A proposta foi citada pelo candidato Eduardo Girão (Novo), que é senador. “É mais fácil ele (Girão) como senador conseguir isso do que como prefeito. O que determina o valor é o Código de Trânsito. O prefeito não tem como reduzir a multa. E qualquer alteração passaria ainda pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran)”, explica o especialista.

Outra promessa de campanha de candidatos é sobre multas aplicadas a motociclistas que andam com a viseira do capacete levantada. Siebra explica o trâmite legal, mas diz que a medida seria prejudicial do ponto de vista da segurança do condutor.

“Para deixar de ser multa, a questão também teria que ir para o Congresso Nacional. Ela é menos esdrúxula que a anterior porque os candidatos prometem anistiar. Em tese, a multa seria aplicada e a prefeitura devolveria o dinheiro. Mas aí entra outra questão: os pontos na carteira do condutor. O que seria feito com eles? Não é tão simples assim”, reforça.

E segue em tom de crítica: “É mais uma medida eleitoreira e na minha opinião um desserviço, porque a viseira é importante. Caberia mais ao município incentivar campanhas de uso correto de capacetes, que os motociclistas e trabalhadores de aplicativos orientassem os passageiros. Porque é questão de segurança. É uma proposta menos esdrúxula, mas descabível. A questão econômica também é um ponto, teria que falar como substituir essa arrecadação e a multa é criada para coibir práticas não aconselháveis”, diz.

Outros pontos tratam da extinção da Zona Azul, estacionamento rotativo espalhado pela Capital, e a implementação de corredores exclusivos de motos. Sobre a Zona Azul, o advogado diz ser uma proposta executável pelo prefeito, que precisaria articular com a Câmara. No entanto, aponta problemas práticos. “Gera um problema, porque privatizaria a vaga pública. O objetivo do estacionamento da Zona Azul é democratizar o espaço público, fazendo com que todos tenham direito e condições de estacionar”, cita.

Já sobre os corredores de moto, Siebra aponta que não há previsão na legislação brasileira permitindo ou proibindo. “O Código de Trânsito não diz que é permitido, nem proibido. Agora para regulamentar essa faixa específica precisaria de uma autorização da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Estão testando em São Paulo, mas não é só o prefeito chegar e implementar, tem todo um processo de diálogo. Em tese é aplicável”.

Paula Vieira, cientista política vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Eleições, Política e Mídias da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC), diz que a prática de candidatos parte de um pressuposto popular de que quem ocupa o local de poder pode gerar mudança.

“Com a falta de conhecimento da população que não consome essa realidade diariamente, acaba ocorrendo essa associação da imagem de quem está no poder à capacidade de realizar ações. Em alguma medida, é essa ideia comum que é formada. No caso do município, o prefeito é quem assume essa figura de referência”, analisa.

A especialista cita ainda que as campanhas acabam se aproveitando da pauta para engajar. “Partindo dessa ideia geral, os candidatos constroem pautas. É como se eles dissessem que têm condições de argumentar, tentar, persuadir ou algum poder de influência para que algumas dessas questões, mesmo as que não cabem a eles, sejam resolvidas. Se torna uma estratégia retórica, usar essa ideia para captar a atenção do eleitorado”, encerra. 

Carreatas são terra sem lei no trânsito?

Campanhas eleitorais e carreatas são uma combinação certa em anos de eleição municipal. É comum ver candidatos a prefeito e a vereador, na Capital e no Interior, participando de atos políticos do gênero. Por vezes, os políticos sobem nas partes traseiras de caminhonetes (caçambas) ou estruturas montadas em minitrios, que puxam uma fila de veículos conduzidos por apoiadores e pessoas ligadas às respectivas campanhas.

Apesar disso, é comum ver diversas infrações de trânsito durante os percursos feitos pelos candidatos. Situações que põem em risco a segurança de quem participa doa to político e do seu entorno e que são passíveis de penalidades previstas, pois as leis de trânsito não deixam de ser aplicáveis durante a realização de carreatas.

O POVO ouviu o advogado Daniel Siebra, presidente da Comissão de Trânsito, Tráfego e Mobilidade Urbana da OAB-CE, sobre o tema. Siebra é incisivo ao afirmar que as carreatas não estão imunes às leis de trânsito e que a própria realização delas precisa ser informada às autoridades competentes com antecedência e seguindo alguns critérios.

Não há permissividade nenhuma quanto às infrações eventualmente cometidas em carreatas. Inclusive, para utilizar a via pública, as campanhas têm que informar o trajeto a ser percorrido, o horário e outros pontos. Tudo isso precisa ser aprovado pelo ente público”, explica, alegando haver questões que fogem à legislação e uma ‘vista grossa’ que ocorre.

“O que existe é a permissividade do ponto de vista de gestão, para não gerar uma antipatia para o poder público. Ocorre uma espécie de vista grossa para não gerar antipatia no eleitor. No entanto, as pessoas em carreatas estão sujeitas às leis de trânsito, porque essas práticas comuns nos eventos, como não uso do cinto de segurança, questões de motocicletas como falta de uso de capacete, pessoas em pé nas caçambas de caminhonete ou em partes de veículos, tudo isso segue sendo irregular do ponto de vista da lei”, conclui. 

QUADRO

Fim da Zona Azul - Viável para ser realizada pelo candidato a prefeito. No entanto, pode gerar problemas como lentidão e engarrafamentos, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Isso porque, um carro poderia passar o tempo que quisesse em determinada vaga, sem a rotatividade garantida pelo sistema.

Redução de valor de multas - Inviável para ser realizada por um candidato a prefeito. Especialistas apontam que não cabe ao prefeito modificar valores, sendo necessária uma articulação com outras esferas para realizar mudanças no Código de Trânsito e passando pelo Conselho Nacional de Trânsito, questões que transcendem o domínio de atuação do município.

Fim da multa de viseira - Em tese as prefeituras não teriam autonomia para não aplicar multas, já que estão previstas no CTB. No entanto, candidatos prometem anistiar as penalidades, devolvendo o dinheiro para os condutores. Entretanto, uma questão que transpassa o tema são os pontos na carteira de motorista decorrentes da multa, que segundo especialistas fugiriam da alçada da prefeitura.

Faixa exclusiva para motociclistas - Não há previsão na legislação permitindo ou proibindo e há um projeto piloto em desenvolvimento em São Paulo. No entanto, especialistas alertam que seria necessário um diálogo com órgãos nacionais e apontam problemas estruturais na cidade, como baixo número de avenidas em que seria viável, por questão de espaço, implementar o modelo.

 

Leitura Automática de Placas de Veículos: Viável e executável pelo município, mas segundo o advogado Daniel Siebra, é uma tecnologia que já existe em certo nível, com monitoramento por câmeras sendo utilizado para informar autoridades sobre veículos roubados e infrações diversas. 

 

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