Em pouco mais de dois meses de campanha, Evandro Leitão saiu de 10% das intenções de voto para um segundo turno acirrado. Na véspera, interlocutores petistas já davam como certa a vitória, baseada em pesquisas internas do partido. Mas a campanha estava rodeada de fake news sobre cartilhas de aborto, ameaças de morte e relativização de feminicídio.
Em quase todas as pesquisas, o adversário bolsonarista André Fernandes (PL) estava na frente. Cientista político algum pôde cravar nada. Era a disputa mais acirrada do Brasil e uma derrota petista poderia ocorrer. Mas, não houve. Evandro Leitão se elegeu prefeito de Fortaleza.
O político nasceu em um Mucuripe diferente do de hoje, em 1967. Filho do defensor público Wellington Rocha Leitão e da professora Silvia Barreto Leitão, tinha uma condição financeira estável na infância. Brincava de "bola de meia", contava os carros na rua e tinha o costume de levar dezenas de colegas para casa, sem consultar a mãe.
Estudou no colégio Santo Inácio, assim como todos os quatro irmãos. Professora de inglês de Evandro, Eliane Soares diz que o aluno não era o melhor da sala, mas educado. Por lá, conheceu um futuro companheiro - e, por um tempo, adversário - político, André Figueiredo (PDT). Em comum, tinham o interesse em política e no Ceará Sporting Club.
Foi no CSC que Evandro notoriedade ao ingressar na direção do clube. Acompanhava jogos do "Vovô" desde a infância, contrariando o pai - ferrenho torcedor do Fortaleza Esporte Clube.
A passagem como presidente do clube durou de 2008 a 2015 e teve altos e baixos. O sucessor, Robinson de Castro, cita o ex-presidente como um "irmão", por terem conseguido sanar juntos as dívidas do time. Evandro ganhou uma Copa do Nordeste e quatro Campeonatos Cearenses, mas viu rebaixamentos e acusação de omissão por parte de alguns torcedores.
Nessa campanha eleitoral, o período foi utilizado como ponto negativo por adversários, algo inédito, já que Evandro costumava usar o futebol como principal "cabo eleitoral" da campanha para deputado estadual, de 2010 a 2022.
Em todos os depoimentos, a palavra que mais cerca Evandro é "conciliador". Desde a escola, na família, nos amigos e no Ceará, Evandro é tido como alguém que convive bem com diferenças. Na Assembleia Legislativa, mesmo opositores ferrenhos, elencaram-no como um presidente "formidável, amigo e atencioso", ainda que tenham críticas a ele, enquanto candidato à Prefeitura.
A carreira política vem de sangue: é sobrinho do militante do PSB, Valton Miranda. Apesar disso, o estopim para candidaturas ocorreu somente após a notoriedade no Ceará.
Até este ano, só havia concorrido a deputado estadual: ficou como suplente em 2010, foi eleito em 2014 e reeleito em 2018 e 2022. Se aproximou de Cid Gomes (PSB), de quem foi secretário do Trabalho e Desenvolvimento Social, e principalmente de Camilo Santana (PT). Até hoje, segundo familiares, para tomar qualquer decisão grande, ouve Camilo.
A proximidade com Camilo e Cid o fez tomar um lado no racha do PDT, em 2022. Sigla era a única a qual fora filiado. Na época, chegou a ser cotado como candidato a governador, mas o PT optou por Izolda Cela (hoje PSB). A sigla brizolista insistiu em Roberto Cláudio e houve o rompimento. O PT lançou Elmano e Evandro ficou "neutro", ainda que, no dia do resultado, estivesse no palanque petista.
Após meses de conflitos internos no PDT, Evandro anunciou a saída da sigla e se filiou ao PT. Decisão frustrou um pouco Cid e, ainda mais, o amigo André Figueiredo. Segundo familiares, foi uma época de "muito choro", hoje, superada. André declarou apoio a Evandro no segundo turno.
A escolha oficial como candidato no PT dá outro capítulo à parte. A maior opositora era a deputada federal e ex-prefeita, Luizianne Lins (PT). Ela lutou até o último segundo para concorrer pelo partido, mas, em encontro, viu a votação de Evandro se acumular. Acabou retirando-se da disputa (e da campanha do colega). Só ingressou na semana final.
Do PDT ao PT, do Ceará à Fortaleza. De desconhecido a prefeito. Mesmo em uma votação apertada, a imagem de Evandro apareceu na frente da maioria dos fortalezenses, na hora da votação. Os próximos quatro anos serão dele e, o povo, desconfiado ou animado, aguarda para conferir.
O que levou à virada do PT em Fortaleza
Paula Vieira, cientista política vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC) explica que, no primeiro turno, o maior desafio de Evandro foi ter que se apresentar para o público, o que conseguiu com ajuda dos cabos eleitorais - Lula, Camilo e Elmano - e do enorme tempo de TV (5 minutos, de um total de 10).
Uma vez no segundo turno, reforçou o apadrinhamento e a possibilidade de um projeto “seguro” para a Cidade. Recebeu visitas do presidente Lula, do prefeito de Recife, João Campos (PSB) e até Luizianne Lins - ausente na campanha - deu as caras na semana final.
Mas o foco, segundo a cientista, foi na campanha negativa contra André Fernandes. Vídeos da época de youtuber do adversário foram trazidos à tona, além de falas polêmicas dele, como a que minimizou casos de feminicídio, alegando que “homens morriam mais”. Em resumo, a estratégia era: não vote nele, vote no projeto de quem você conhece.
Historicamente, defende Paula Vieira, a condução do petista ao Palácio do Bispo significa que “Fortaleza continua optando por um projeto minimamente mais progressista”. No entanto, o acirramento não pode ser desconsiderado.
“Vai continuar sendo um colégio eleitoral muito disputado pela direita, ainda mais pela visibilidade que André está tendo. Ele sai com uma projeção nacional. Fortaleza se tornou uma referência da polarização”, diz ela. “O projeto não sai completamente vitorioso, mas, após todo esse acirramento, consegue se manter”.