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Há uma nova onda conservadora em curso no Brasil e no mundo?
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Há uma nova onda conservadora em curso no Brasil e no mundo?

Atores políticos mais à direita têm conquistado espaços e demonstrado capacidade de mobilizar tanto os que são alinhados ideologicamente, quanto segmentos que não se alocam em nenhum dos lados do espectro político
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BOLSONARISMO tenta surfar na vitória de Trump, enquanto outros nomes despontam à direita (Foto: Brendan Smialowski / AFP)
Foto: Brendan Smialowski / AFP BOLSONARISMO tenta surfar na vitória de Trump, enquanto outros nomes despontam à direita

É praticamente impossível olhar para as eleições em grandes potências mundiais e não se perguntar até que ponto o resultado pode influenciar em outros países. Na última eleição nos Estados Unidos, Donald Trump venceu para retornar ao poder de modo triunfal, se consolidando como principal força política do país na atualidade. A vitória do republicano gera questionamentos e projeções na direita mundial sobre a viabilidade de uma nova onda conservadora e quais rumos ela poderá se encaminhar.

Desde a primeira eleição de Trump, ainda em 2016, analistas políticos assinalam tendência de um fortalecimento da direita em nível global. Trump foi precursor de um novo modelo político, disruptivo, que se repetiu em diversas regiões. Nesse período, projetos similares chegaram ao poder - ou ganharam espaço - em países como Brasil, Argentina, França, Itália e Alemanha. Agora, após hiato de quatro anos, o modelo retorna ao poder no Estados Unidos.

No Brasil, as eleições municipais de 2024 sinalizam caminhos possíveis para o conservadorismo e potenciais fenômenos a serem observados. De modo geral, as urnas optaram pelo centro e por uma direita mais pragmática, tendo o lulismo e o bolsonarismo apresentado desgastes naturais de projetos que rivalizam no país desde 2018.

Paula Vieira, cientista política vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídias (Lepem-UFC), avalia as tendências a partir dos resultados das eleições tanto nos Estados Unidos, mas também do saldo das urnas no Brasil. “Se você me perguntar se há uma onda em curso, sim, existe uma nova onda conservadora no Brasil e no mundo. A eleição de Trump é apenas mais um desses indicativos. Há uma insatisfação geral”, diz.

A analista explica o movimento a partir da capacidade que atores políticos mais à direita têm demonstrado de mobilizar grupos que não se alocam em nenhum dos lados do espectro político. “O que se tem visto, e tratado sobre isso, é que há um deslocamento das pessoas que não se posicionam nem como de direita e nem como de esquerda. Essas pessoas estão votando mais em pautas da direita. É como se o novo centro político estivesse mais alinhado às perspectivas defendidas pelos representantes mais à direita”.

Vieira justifica a opção a partir de um desejo imediatista de resolução de pautas que estão sob o guarda-chuva da direita. “De onde vem e para onde vai essa onda? Há um distanciamento das pautas progressistas, que geralmente investem esforços em temas ligados ao identitarismo e ao cosmopolitismo. Essa parcela da população (centro) entende que outras medidas são mais urgentes, geralmente pautas associadas à economia”, narra.

No Brasil, a onda conservadora ainda segue muito atrelada ao bolsonarismo, embora novas sinalizações tenham sido dadas em 2024. A especialista destaca que essa direita vem mais forte, mais conservadora e com valores que, com o tempo, permeiam mais a população.

“A novidade de 2024, a partir das eleições no Brasil e de Trump nos Estados Unidos, é que me parece que o argumento não é mais uma questão de ‘risco à democracia’. A crise da democracia não chega mais à população da mesma forma que pautas da dimensão econômica, do desejo de sucesso e de prosperidade chegam. Isso aproxima a população de figuras que defendem essas pautas de mérito e de uma suposta liberdade de expressão, portanto de atores da direita. André Fernandes e Pablo Marçal são exemplos recentes”, encerra.

A resposta progressista no Brasil

JOÃO CAMPOS, é um dos nomes de renovação da esquerda(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES JOÃO CAMPOS, é um dos nomes de renovação da esquerda

De um lado, o conservadorismo dá indicativos de avanços. Por outro, representantes de projetos progressistas acendem um sinal de alerta no Brasil para 2026. As eleições municipais deste ano resultaram em um PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vencendo em apenas uma capital: Fortaleza.

Mesmo onde venceu, a esquerda viu avanços da direita. Na Capital cearense, por exemplo, a diferença de votos entre o nome petista (Evandro Leitão) e o nome mais à direita (André Fernandes) foi 10,8 mil votos. Resultado simbólico por se tratar da principal capital do Nordeste, reduto de gestões petistas e do campo progressista em nível nacional.

O cenário, portanto, aponta para reorganização de estratégias políticas e de comunicação do principal partido de esquerda do país, a fim de fortalecer suas bases e ter melhor desempenho. Sobretudo nos grandes centros urbanos e tendo em vista as eleições presidenciais de 2026, quando o PT deve ter novamente um candidato à Presidência.

Aos 79 anos, Lula segue como principal nome da esquerda no País. Apesar disso, novos atores surgem como possibilidades e podem se viabilizar nacionalmente no pós-Lula. O exemplo mais bem-sucedido dos progressistas nas eleições de 2024 foi João Campos (PSB), prefeito reeleito em Recife com 78% dos votos válidos.

Com um estilo mais popular e uma comunicação eficiente, Campos desponta como um dos principais nomes capazes de quebrar o engessamento que os progressistas têm enfrentado ao viabilizar novas lideranças capazes de dialogar com os interesses e as indignações da população.

Sobre os caminhos a serem tomados pela esquerda e por progressistas, Paula Vieira diz que a última eleição serviu para que o grupo abrisse os olhos. “Entenderam que a direita existe na população e não apenas como uma proposta de um grupo político”, pontua.

Na análise da pesquisadora, o campo progressista deverá passar a discutir o que sairá do lulismo sem Lula. “Uma nova liderança que pode ser herdeira do lulismo, mas que também seja uma renovação. Os progressistas brasileiros não necessariamente estão vinculados ao Lula, embora o projeto do lulismo seja progressista. O que se discute é, se os progressistas vão receber a herança do lulismo ou se há de se fazer um novo projeto que possa partir daí?”.

Nesse sentido, ela  aponta que João Campos é quem desponta como principal vitória do campo progressista neste ano, por ter vínculo com o lulismo, mas ao mesmo tempo não estar tão amarrado ao projeto político do PT.

“Há um reconhecimento de que a direita está forte e que o campo progressista precisa chegar melhor na população para ter competitividade eleitoral. Há um movimento para melhorar essa comunicação nas redes sociais e com os grupos. O principal efeito das eleições de 2024 para os progressistas é esse, a necessidade de começar a pensar em cenários possíveis sem Lula”. conclui.

PONTO DE VISTA

Por: Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Conservadorismo, o espectro que ronda o mundo contemporâneo

As sucessivas vitórias, ou inexpressivas derrotas, de candidatos de extrema direita pelo mundo têm sedimentado a ideia de que estaríamos a assistir a uma “onda azul” (ou “verde-amarelo”, no caso brasileiro), que significaria uma “volta à direita” do eleitorado, legitimando políticos autoproclamados como “conservadores”.

As eleições municipais de 2024 no Brasil, com a vitória acachapante de candidatos de partidos de direita às prefeituras e às câmaras municipais (com destaque para a quase-vitória de André Fernandes em Fortaleza), e a recondução de Donald Trump à Casa Branca sugeririam, nesse sentido, um incontornável diagnóstico: o mundo jaz sob o império dos conservadores!

O conservador, segundo Roger Scruton (importante filósofo político do conservadorismo), é aquele que olha com zelo especial para a temporalidade do “presente”, com o intuito de conservar suas conquistas e evitar que as mudanças, que sempre virão, ocorram de modo repentino e produzam um caos desordenado.

Não é, pois, aquele que mira um passado imaginado. Este seria um tradicionalista, que objetiva resgatar e reproduzir uma “era de ouro”, o “tempo de nossos avós” ou o “passado triunfante” que não teria mais condições de se estabelecer nos dias atuais.

Assim, “conservar” elementos do tempo presente, que constituem o laço social e democrático, seria a atitude por excelência do conservador.

Em nosso tempo, os autoproclamados “conservadores”, por sua vez, postam-se como defensores da disrupção da ordem presente, da destruição dos valores contemporâneos (com destaque para aqueles que dizem respeito à vida democrática), implodindo conquistas sociais e políticas fundamentais. Combate às desigualdades, democracia, tolerância, pluralidade, distribuição de renda, direitos os mais diversos: esses são valores de nosso tempo que, para os autoproclamados conservadores, convém implodir, posto “ameaçarem” a ordem vigente no “tempo dos nossos pais”.

A implosão do tal “sistema” construído com muito esforço - no caso brasileiro, desde a Constituição de 1988 -, que “ameaçaria” supostas práticas entendidas como “expressão de liberdade”, tem sido a bandeira de autoproclamados conservadores pelo mundo todo: da França, aos EUA, da Argentina ao Brasil, de São Paulo à Fortaleza. Tudo legitimado pela ideia de um “espectro” perigoso que estaria ameaçando a liberdade, o empenho e a fé dos indivíduos.

“Venha conosco e nos ajude a destruir tudo o que está aí”: eis o lema de tal ideologia, travestida como conservadorismo, que se volta contra a ordem presente, impactando diretamente na ideia de política que parcelas cada vez mais numerosas do eleitorado têm legitimado nas urnas: quanto mais disruptivo, mais tido como autêntico e conservador.

Porém, o que se tem conservado a partir da atuação desses atores políticos, além das desigualdades que o mundo moderno tentou esmaecer?

Novos e velhos caminhos da direita

Nomes tradicionais:

Donald Trump

Neste mês Trump foi eleito para o segundo mandato presidencial nos EUA; Ele governará o país a partir de janeiro de 2025. Visto como um precursor do atual modelo da extrema direita pelo mundo, a vitória de Trump é um fôlego para outros líderes mundiais que tem pretensão de continuar ou retornar ao poder. Após ser derrotado em 2020, Trump enfrentou desgastes e incertezas quanto à viabilidade de se manter relevante no cenário político, mas teve sucesso em mobilizar eleitorado e unificar os republicanos em torno de seu nome, que com essa eleição se consolida como força política mais relevante nos Estados Unidos.

Jair Bolsonaro

Ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro vibrou com a vitória de Trump nos EUA e torce para que os ventos que sopram em Washington comecem a chegar em Brasília. Embora esteja inelegível atualmente, o ex-mandatário é cotado por aliados para concorrer ao pleito presidencial em 2026. O bolsonarismo rivaliza com o lulismo. Ambos os projetos enfrentam desgastes naturais do tempo, como mostraram os resultados eleitorais em 2024.

Nomes novos ligados ao tradicional:

Tarcísio

Governador de São Paulo, Tarcisio é um dos cotados para alçar voos nacionais em 2026. Sobretudo no contexto de inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Embora tenha ligação com o bolsonarismo, o governador é apontado como uma possibilidade que pode abrir novas frentes para o campo ideológico, podendo ceder inclusive ao pragmatismo em alguns pontos.

André Fernandes

Em Fortaleza, André Fernandes despontou como fenômeno eleitoral e perdeu a eleição por menos de 11 mil votos. Com trajetória ligada à ala bolsonarista mais ideológica e radical, assumiu postura mais moderada durante a campanha. Tem ligação umbilical com o ex-presidente Bolsonaro, mas tentou se desvincular do rótulo, se unindo a outras forças políticas locais como o ex-prefeito Roberto Cláudio e o ex-deputado federal Capitão Wagner no segundo turno da eleição.

Novidades

Pablo Marçal

Candidato a prefeito de São Paulo, Marçal não chegou ao segundo turno, mas foi um fenômeno de votos na disputa no maior centro urbano do País. Monopolizou atenções e pautou o debate eleitoral em diversas oportunidades. Embora tenha proximidade com Bolsonaro, já protagonizou desentendimentos com o ex-presidente e aliados, apresentando-se como mais uma alternativa à direita para eleições futuras.

Ronaldo Caiado

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União) é outro nome que, embora tenha tido proximidade com Bolsonaro, tem se distanciado após as eleições de 2024 num contexto de disputas em determinados redutos eleitorais no estado. Caiado, inclusive, desponta como outra vertente à direita para 2026.

Progressistas

Nomes tradicionais

Lula, Haddad e Simone Tebet

O presidente Lula e os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet são nomes que despontam dentre os mais tradicionais no cenário político progressista. Lula está no terceiro mandato e é cotado para concorrer à reeleição em 2026. Haddad é homem de confiança do PT e já se candidatou em outras oportunidades. já Tebet teve papel importante na última disputa presidencial, quando foi candidata e no segundo turno declarou apoio ao petista em eleição acirrada contra Jair Bolsonaro.

Despontando

João Campos e Camilo Santana

O prefeito de Recife, João Campos, e o ministro da Educação, Camilo Santana, são alguns dos novos nomes de projetos progressistas que despontam no cenário nacional. Campos foi reeleito prefeito neste ano e viajou a cidades de outros estados para apoiar aliados. É cotado para concorrer ao governo de Pernambuco em 2026 e pode alçar voos nacionais em eleições futuras.

Já Camilo é um dos ministros com mais destaque na gestão Lula, tanto pela pasta que ocupa quanto pela proximidade com o presidente, que faz questão de ressaltar o ministro em eventos. Lula já veio ao Ceará em diversas oportunidades e quase sempre esteve acompanhado de Camilo.

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