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Após atentado, anistia ao 8 de janeiro fica na berlinda
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Após atentado, anistia ao 8 de janeiro fica na berlinda

Proposta que prevê perdão aos envolvidos com os atos golpistas fica fragilizada após ataque da última quarta-feira. Barroso fala que "anistia antes da condenação é um equívoco" e Moraes afirma que "não há pacificação com anistia"
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POLÍCIA levou horas fazendo varredura da área onde autor do atentado detonou os artefatos explosivos
 (Foto: EVARISTO SA/AFP)
Foto: EVARISTO SA/AFP POLÍCIA levou horas fazendo varredura da área onde autor do atentado detonou os artefatos explosivos

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vincularam nesta quinta-feira, 14, a ação de um extremista que provocou explosões na Praça dos Três Poderes, em Brasília, aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e ao "gabinete do ódio" que se instalou no Palácio do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Ao estabelecer elo com episódios que são alvo de inquéritos na Corte, os magistrados concluíram que a investida de Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos - que morreu ao se deixar atingir pela explosão de um artefato -, é resultado do ódio político que se instalou no País nos últimos anos e serve para reforçar o combate a um movimento no Congresso pela anistia a condenados no 8 de janeiro.

"O que ocorreu ontem (quarta, 13) não é um fato isolado do contexto. Queira Deus que seja um ato isolado, este ato. Mas o contexto é um contexto que se iniciou lá atrás, quando o famoso gabinete do ódio começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal, principalmente. Contra a autonomia do Judiciário, contra os ministros do Supremo e as famílias de cada ministro", afirmou o ministro Alexandre de Moraes.

"É demonstração que só é possível pacificar o País com responsabilização dos criminosos. Não existe possibilidade de pacificação com anistia a criminosos. Nós sabemos que o criminoso anistiado é um criminoso impune. A impunidade vai gerar mais agressividade, como gerou ontem (anteontem)."

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sustentou que o atentado na noite de anteontem é resultado de um contexto de ataque às instituições e demonstra a necessidade de responsabilizar quem investe contra a democracia. "Não há lugar para quem pensa que a violência é uma estratégia de ação. Uma causa que precisa de ódio, de mentira e de violência não pode ser uma causa boa", afirmou o ministro no plenário do STF.

"A anistia antes mesmo da condenação parte do pressuposto de que não aconteceu nada grave nem relevante, acho que é um equívoco", complementou Barroso à imprensa na sede da Corte.

"Incentivo"

Parlamentares bolsonaristas vinham tentando articular no Congresso uma proposta de anistia aos acusados e condenados por participação dos atos golpistas de 8 de Janeiro. Barroso afirmou que, se for aprovada, a proposta tende a incentivar novos atos violentos.

"Algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão um incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar", criticou.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse ontem que as explosões na Praça dos Três Poderes reforçam no Congresso Nacional um ambiente contrário à anistia ao 8 de janeiro.

Em entrevista à GloboNews, o ministro afirmou que o atentado é "um episódio fruto de uma cultura do ódio, de uma cultura que busca atacar o Supremo Tribunal Federal e, ao atacar o STF, ataca a nossa Constituição, as nossas instituições democráticas".

O Supremo recebeu ameaças por e-mail na manhã de ontem. A mensagem foi enviada para a presidência, para a ouvidoria e para a área de tecnologia da informação. Pregava a luta pela eliminação da Corte. Junto com o texto, que faz menção a Francisco Wanderley, foi enviada uma foto de uma arma de fogo e dois livros religiosos.

A sede do STF amanheceu cercada de grades e com um efetivo maior da Polícia Judiciária na vigilância da Praça dos Três Poderes. Em fevereiro, as barreiras ao redor do edifício haviam sido retiradas após um período de quatro anos. A medida foi restabelecida por prazo indeterminado.

O prédio principal do Supremo foi submetido pela manhã a vistoria e varredura por agentes da PF e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar.

A sessão plenária de ontem foi mantida, mas com acesso limitado e esquema de segurança rigoroso. Apenas advogados das partes e jornalistas previamente credenciados puderam acompanhar presencialmente.

O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, também fez um discurso. Ele atribuiu ao governo Bolsonaro a responsabilidade por estimular "o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação".

PF fala em "grupos extremistas ativos"

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, encaminhou para o ministro Alexandre de Moraes a investigação sobre o atentado da última quarta-feira, 13, na Praça dos Três Poderes, Brasília.

A Polícia Federal apura a motivação política e, por isso, pediu que o caso fosse remetido ao gabinete de Moraes, que concentra as investigações sobre os atos golpistas, o inquérito das milícias digitais e a apuração sobre ataques a ministros da Corte.

Barroso reconheceu a prevenção de Moraes para supervisionar a investigação como um braço do inquérito sobre atos antidemocráticos. As apurações inicialmente ficariam a cargo da Polícia Civil do Distrito Federal.

Para o diretor-geral da PF, Andrei Passos, é necessário que haja uma atuação "enérgica" das autoridades. "Grupos extremistas estão ativos e é preciso que atuemos de maneira enérgica, não só PF, mas todo o sistema de Justiça criminal. Episódio de ontem (anteontem) não é fato isolado, mas conectado com diversas ações que a PF tem investigado", disse Andrei, considerando que "não é aceitável que se proponha anistia para esse tipo de pessoa".

A PF apreendeu um celular e vários artefatos na residência e no trailer do homem responsável pelas explosões na Praça dos Três Poderes e no Anexo IV da Câmara em Brasília. Passos afirmou que a investigação "dirá se a pessoa agiu isoladamente ou em conjunto, com apoio financeiro".

Ele relatou que a equipe entrou com um robô na casa alugada em Ceilândia (DF) por Francisco Wanderley Luiz, 59, que morreu durante o atentado orquestrado por ele próprio. Quando o equipamento antibombas abriu uma das gavetas na residência, houve uma "explosão gravíssima", nas palavras do chefe da PF. Andrei disse também não descartar novos ataques.

"Tenho ressalvas à expressão "lobo solitário". Por trás de uma ação nunca há só uma pessoa. A ação foi individual, mas a investigação dirá o que impulsionou essa ação."

O diretor-geral da PF afirmou que a investigação vai confirmar se o alvo de Francisco Wanderley era, de fato, Moraes, conforme relatou a ex-mulher do autor das explosões. Questionado sobre o fato de autor do ataques ter anunciado nas redes sociais sua intenção de cometer o atentado, ele defendeu uma regulação das plataformas. "É preciso ter regras claras sobre o uso das redes sociais."

Entre os magistrados, Moraes foi o mais contundente nas declarações. Segundo ele, "as pessoas acham que podem vir a Brasília e tentar explodir STF porque foram instigadas por pessoas com altos cargos a atacar". Ele também afirmou que esse foi o "atentado mais grave" contra a Corte desde o 8 de janeiro.

"A pessoa tentou ingressar no Supremo, mas foi barrada pela segurança, que percebeu que tinha artefatos amarrados, e se dirigiu até a estátua da Justiça. A ideia era tentar ingressar e explodir dentro do próprio Supremo Tribunal Federal", afirmou.

"Não podemos compactuar com a impunidade de ninguém que atente contra a democracia, contra os poderes de Estado, contra as instituições. Todos nós, independentemente do posicionamento político e ideológico, temos que nos unir sempre na defesa da democracia."

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que participa da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, classificou a ação com bombas em Brasília como um ato "triste" e "grave". "Triste pela perda de vida, e grave por ser um atentado à uma instituição da República, a um poder da República", afirmou Alckmin a jornalistas. "E que deve ser apurado com extrema rapidez e extremo rigor. É isso que acredito que os órgãos de segurança farão." (Agência Estado)

Francisco Wanderley Luiz Foi candidato a vereador em Rio do Sul (SC) pelo Partido Liberal (PL)
Francisco Wanderley Luiz Foi candidato a vereador em Rio do Sul (SC) pelo Partido Liberal (PL)

Autor de atentado em Brasília montou armadilha com bomba para matar policiais

O autor do atentado na Praça dos Três Poderes na última quarta-feira, 13, deixou um explosivo na gaveta do local onde estava hospedado, na Ceilândia, no entorno de Brasília. O dispositivo provocou "explosão gravíssima" quando um robô antibombas foi usado para abrir o compartimento.

Para a Polícia Federal, Francisco Wanderley Luiz premeditou o ato ao montar uma armadilha para agentes que fariam a perícia no imóvel. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou em entrevista nesta quinta-feira, 15, haver indícios de que a armadilha foi deixada de forma proposital.

"Não é razoável pessoas cometerem atos terroristas, tentarem contra um Poder do Estado, tentarem vitimar policiais. (O autor do ataque) sabia que policiais iam a sua residência e deixou lá um artefato para matar policiais que ingressariam", disse.

A explosão foi ouvida nos arredores, segundo vizinhos. O imóvel usado pelo autor do ataque fica em uma cidade-satélite de Brasília, a cerca de 30 quilômetros da capital federal.

Francisco Luiz, o Tiü França, como era conhecido em Rio do Sul (SC), morava no local há pouco mais de três meses. Em um espelho da casa, o autor do atentado deixou mensagem com alusão aos atos de 8 de Janeiro.

Ele mencionou Débora Rodrigues, a golpista que pichou a estátua da Justiça em 2023 e acabou condenada. Francisco escreveu que não se deveria desperdiçar "batom" com a estátua, mas dinamite.

A Polícia Militar levou mais de 12 horas para isolar o endereço. Pela manhã, jornalistas e a vizinhança circulavam livremente pelo local, uma pequena vila de quatro casas próximo à estação Ceilândia do Metrô.

A acomodação de Luiz, composta de um quarto e um banheiro, estava repleto de destroços após a explosão provocada pelas forças de segurança. O ambiente exalava pólvora, e até o meio dia desta quinta-feira a PM não tinha retirado alguns rastros do crime, como uma caixa de rojões e canos PVC.

O corpo do autor do atentado só foi retirado da Praça dos Três Poderes na manhã de ontem porque policiais ainda tentavam identificar se havia mais explosivos nos seus trajes.

Bolsonaro fala em pacificação e chama autor de ‘maluco’

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicou na manhã ontem uma nota de repúdio ao atentado em Brasília. O texto divulgado em seu perfil no X (antigo Twitter) lamenta o ocorrido, tratando-o como "fato isolado" e motivado por "perturbações na saúde mental" do autor do ataque. A nota de Bolsonaro ressalta o "papel fundamental" das instituições políticas e pede por uma "pacificação nacional".

"Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente", diz o comunicado do ex-presidente. "As instituições têm um papel fundamental na construção desse diálogo e desse ambiente de união."

Ao portal Metrópoles, Bolsonaro chamou Francisco Wanderley Luiz - autor dos ataques com bombas, que provocou a própria morte com um dos explosivos na Praça dos Três Poderes - de "maluco" e afirmou não ter "a menor ideia" sobre quem ele era. O ex-presidente sugeriu que o autor do ataque pudesse ter "deixado algo escrito ou gravado" sobre uma eventual pretensão terrorista.

Em publicações disponíveis nos perfis nas redes sociais de Francisco Wanderley, ele faz supostas referências ao atentado. "Pai, Tiu França não é terrorista, né? (...) Ele apenas soltou uns foguetinhos para comemorar o dia 13", diz um texto publicado por ele horas antes de morrer, fazendo referência à data de anteontem.

Grupos

Pouco tempo depois da identificação do autor do atentado a bombas na Praça dos Três Poderes, parlamentares apoiadores do ex-presidente admitiram, em grupos de WhatsApp, que o projeto de lei que dá anistia aos envolvidos nos atos golpistas do 8 de Janeiro terá dificuldades de avançar na Câmara dos Deputados. Gustavo Gayer (PL-GO) chegou a dizer que a iniciativa seria enterrada.

"Agora vão enterrar a anistia", escreveu num grupo da oposição no aplicativo de mensagens. A informação foi revelada pela Folha de S.Paulo e confirmada pela reportagem.

Publicamente, houve uma força-tarefa para tentar desassociar Francisco Wanderley à figura de Bolsonaro e ao 8 de Janeiro. "O triste e lamentável episódio que ocorreu hoje na Praça dos Três Poderes deixa muito evidente que é um fato isolado de uma pessoa que claramente sofria transtornos de ordem mental. Nada tem correlação com a direita ou com as vítimas do 08/01"", escreveu o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), bolsonarista e relator do projeto de lei da anistia, ainda no final da noite de anteontem.

"O ato tresloucado dele não tem origem política, mas sim de um sofrimento pessoal", disse Domingos Sávio (PL-MG). Ele também desassocia o ocorrido ao 8 de Janeiro "Não tem nada a ver uma coisa com a outra."

Catarinense de 59 anos, Francisco Wanderley era empresário do setor de eventos e, nas eleições de 2020, se candidatou a vereador da cidade de Rio do Sul, no oeste catarinense, pelo PL - partido que, hoje, abriga Bolsonaro.

Quando se filiou, o PL ainda não contava com o ex-presidente em seus quadros - ele só ingressou na sigla de Valdemar Costa Neto em 2021. Porém, segundo o presidente da legenda no município à época, Eduardo Marzall, Francisco Wanderley investiu na candidatura eleitoral há quatro anos por causa de Bolsonaro.

"Ele queria entrar na política para fazer alguma coisa diferente. Ele tinha apreço muito grande pelo Bolsonaro, sempre falava que o Judiciário, no geral, era uma coisa que incomodava muito. Era mais bolsonarista do que outra coisa."

Para o ex-dirigente, Francisco Wanderley agiu como "lobo solitário". "Ele era equilibrado e correto. Era um cara pacato de uma cidade do interior. A cidade está toda estarrecida."

O corpo do autor do atentado só foi retirado da Praça dos Três Poderes na manhã de ontem porque policiais ainda tentavam identificar se havia mais explosivos nos seus trajes.

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