Os líderes do G20 divulgaram na noite desta segunda-feira, 18, o comunicado final da reunião. O documento cita múltiplos desafios para a economia mundial e alerta para o aumento de riscos de piora da atividade diante da elevada incerteza no mundo. Javier Milei, presidente da Argentina que dava sinais de que iria impedir o consenso, aderiu à declaração.
"Observamos boas perspectivas de um pouso suave da economia global", afirma o comunicado, de 22 páginas. Os bancos centrais dos países permanecem com o compromisso firme de garantir a estabilidade dos preços, ou seja, o controle da inflação.
A atividade econômica mundial tem se mantido "mais resiliente do que o esperado" em muitos países e a inflação está baixando, ressalta o documento. Ainda assim, o G20 alerta que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tem sido desigual entre os países, o que aumenta o risco de divergências econômicas.
"Vivemos em tempos de grandes desafios geopolíticos, sociais e climáticos", comenta o G20, ressaltando que esse ambiente requer ações urgentes. O texto ressalta ainda que os avanços para reduzir a pobreza e erradicar a fome tiveram reveses desde a pandemia de covid.
Com apenas seis anos para atingir os objetivos das metas sustentáveis das Nações Unidas para 2030, apenas 17% das metas de desenvolvimento sustentáveis estão em curso.
O Brasil conseguiu emplacar no comunicado final da reunião de cúpula do G20, divulgado nesta segunda-feira, 18, menções desejadas aos principais pontos que defendia, como a taxação dos super-ricos, a condenação enfática da guerra em Gaza e o compromisso com financiamento a serviços florestais.
A declaração final faz uma forte condenação a conflitos bélicos na linha do que esperava a delegação brasileira. A guerra na Faixa de Gaza tem destaque e os líderes pedem um cessar-fogo abrangente na região. Ainda, demonstra "profunda preocupação" com a escalada de tensão no Líbano.
O documento também condena o terrorismo em "todas as suas formas e manifestações" e reafirma compromisso com o avanço de um mundo livre de armas nucleares. Há uma cobrança para resolução pacífica de conflitos e os esforços para tratar crises. "Apenas com a paz alcançaremos a sustentabilidade e a prosperidade", diz.
Os líderes não fazem uma condenação à Rússia e o nome do país não aparece no comunicado. Há apenas uma menção no documento à guerra da Ucrânia.
O texto não condena o conflito na Ucrânia, que está completando mil dias, com a mesma ênfase que condena a guerra no Oriente Médio. Na Ucrânia, o texto fala do sofrimento humano e do impacto negativo da guerra nas cadeias produtivas globais, nos alimentos, inflação e na segurança energética. O G20 afirma apoiar iniciativas para a paz duradoura na região.
O comunicado fala da intenção do grupo de buscar cooperação para taxar os super-ricos, que no texto são descritos como aqueles com "patrimônios ultra elevados". Taxar os mais ricos é uma das formas de financiar o combate à fome e à pobreza e reduzir desigualdades. Mas o tema não era consenso desde reuniões anteriores. Inicialmente, a Argentina se mostrou contrária a esse tipo de ação e os Estados Unidos não queriam uma taxação global única, mas sim dentro de cada país.
A declaração final foi clara ao afirmar o compromisso do G20 em mobilizar financiamento "novo e adicional" para florestas, conforme desejado pelo governo brasileiro. O texto diz "reconhecer que as florestas fornecem serviços ecossistêmicos cruciais", uma sinalização de que esse financiamento pode incluir a preservação, ou seja, o pagamento pela manutenção da floresta em pé.
O documento fala, ainda, em financiamento "concessional e inovador" para países em desenvolvimento. O fundo para florestas tropicais proposto pelo governo brasileiro, TFFF na sigla em inglês, também é mencionado, embora não haja um compromisso de adesão explícito dos países do grupo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta segunda, 18, a adesão de 82 países à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, principal tema da presidência brasileira do G20 e talvez o único dos três pilares propostos pelo País com algum avanço concreto. A Argentina de Javier Milei aderiu no último momento, segundo o Itamaraty, e não constava na lista inicialmente divulgada pelo governo brasileiro.
De acordo com os diplomatas, Milei foi o menos aplaudido nos discursos de abertura da cúpula. No primeiro semestre deste ano, a pobreza na Argentina chegou a 52,9% da população, depois do choque recessivo dado pelo presidente na economia para tentar tirar o país da longa crise persistente. Ontem, o libertário voltou a criticar o multilateralismo e a intromissão do Estado, afirmando que só o capitalismo tira as pessoas da pobreza.
O presidente chileno, Gabriel Boric, rebateu Milei em seu pronunciamento. Segundo relatos de fontes que acompanharam a reunião, ele fez menções ao discurso do argentino e disse que, no Chile, iniciativas apenas do setor privado não resolveram a questão da pobreza. Boric também elogiou programas sociais do Brasil, como o Bolsa Família.
Além dos países que aderiram à causa, a aliança global contra a fome terá 66 organismos internacionais, entre eles fundações como Gates e Rockfeller e bancos multilaterais, como Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial.
Em seu discurso, Lula afirmou que este será o maior legado da cúpula do Rio. "Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade. Por isso, colocamos como objetivo central da presidência brasileira no G20 o lançamento de uma aliança global contra a fome e a pobreza."
"O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome e a pobreza. Segundo a FAO, em 2024, convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas. É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome", afirmou Lula.
A cúpula do G20 reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e, a partir deste ano, a União Africana. Como anfitrião e presidente do G20, o Brasil estabeleceu três pilares de discussão pelas lideranças internacionais: combate à fome e à pobreza; reforma dos organismos de governança internacional; e transição energética e desenvolvimento sustentável.
A criação do mecanismo já foi aprovada antes e angariou novos integrantes nas últimas semanas, incluindo o presidente dos EUA, Joe Biden, que deixará o cargo em janeiro. A expectativa do governo Lula, porém, era receber adesão de pelo menos 100 membros.
O objetivo é acelerar a redução da pobreza e eliminar a fome até 2030. Uma manifestação realizada no domingo, na Praia de Copacabana, apresentou 733 pratos vazios espalhados pela areia para representar os 733 milhões de pessoas que passam fome no mundo, de acordo com dados das Nações Unidas.
A aliança funcionará por cinco anos, a partir de 2025, com um secretariado sediado na FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - em Roma, na Itália. Além de obter doações de recursos, uma das intenções da aliança é mobilizar fundos já existentes para programas que reconhecidamente funcionam. Os países que desejam receber dinheiro devem se comprometer a adotar um dos programas.
O BID, por exemplo, aderiu à aliança e anunciou que vai alocar até US$ 25 bilhões em financiamentos aos seus países-membros para garantir a implementação de políticas e programas de combate à pobreza e à fome.
De acordo com o cientista político e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Mauricio Santoro, a agenda da fome e pobreza é a única que deve avançar, já que as demais tendem a ser esvaziados pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca ano que vem.
O presidente eleito dos EUA é crítico do multilateralismo e os demais pilares propostos pelo Brasil devem enfrentar resistência internacional com seu governo.
"É um tema muito importante para o presidente Lula e é o menos controvertido", diz Santoro. "Não tem ali ninguém que seja contrário a isso, pode haver alguma discordância em termos concretos sobre a melhor maneira de obter isso, mas acho que é um é muito promissor."
Trudeau, Meloni e Biden se atrasam e perdem foto oficial
O presidente dos EUA, Joe Biden, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, não participaram da foto oficial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza lançada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cúpula de líderes do G20, no Rio.
Os três teriam chegado atrasados ao momento da fotografia e as demais lideranças preferiram não esperar. A foto estava prevista para ocorrer às 14h10, mas só saiu por volta das 15h30. A agenda de eventos da cúpula estava atrasada desde o começo.
Os líderes americano e canadense estavam em uma reunião bilateral antes da foto. Em seguida, o presidente dos EUA foi visto saindo do Museu de Arte Moderna (MAM), onde estão ocorrendo as reuniões.
O presidente Lula posou ao lado dos presidentes Narendra Modi, da Índia, que sediou a cúpula no ano passado, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul. O argentino Javier Milei aparece na foto oficial próximo de Lula, atrás de Modi e entre Emmanuel Macron da França - com quem teve uma bilateral no dia anterior na Casa Rosada.
Representando a Rússia, estava o chanceler Serguei Lavrov, no lugar do presidente Vladimir Putin, que desistiu de viajar por ter contra ele um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. O russo desistiu de participar até mesmo por videoconferência, como fez na reunião do Brics na África do Sul, no ano passado.