São quase 190 anos da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Nesse tempo todo, apenas em duas ocasiões a presidência do parlamento foi disputada no voto entre os deputados. Na proximidade de acontecer a nova escolha para o biênio 2025-2026, não há indicativos de que deve haver um embate. Em apenas duas ocasiões houve contenda: uma terminou em morte e a outra foi uma disputa interna dentro da base do governo.
Depois de uma reviravolta com a desistência de Fernando Santana (PT), Romeu Aldigueri (PDT) foi confirmado como candidato da base governista como candidato à presidência. Em declaração nesta terça-feira, 26, o deputado afirmou que irá dialogar com os demais 45 parlamentares da Casa antes mesmo de definir os nomes que vão concorrer com ele na chapa para a Mesa Direita.
Além da presidência, outros seis cargos serão ocupados: 1º e 2º vice-presidentes e 1º a 4º secretários. Três vogais, definição que são uma espécie de suplentes, também são indicados na mesma chapa. Nem sempre foi assim, no entanto.
Os cargos da Mesa Diretora eram disputados individualmente, ou seja, para cada cargo havia uma eleição. A mudança ocorreu com a vigência da Resolução n.º 398, de 11 de dezembro de 1996, quando a disputa passa a ser por chapa.
Em consulta, a Assembleia confirmou que apenas duas disputas pela presidência aconteceram nesses quase 200 anos. A primeira delas em 1985. Na época, dois candidatos disputaram: Castelo de Castro (PMDB) e Murilo Aguiar (PDS).
Neto de Murilo, o também deputado Sérgio Aguiar (PDT) lembra do processo de eleição, então com 14 anos, e explica que o avô só virou candidato na manhã de 28 de fevereiro de 1985, quando ocorreu a eleição. “A sua candidatura surgiu no início da manhã, para aquela época, a sessão da Assembleia era às 14 horas, eram duas da horas da tarde”, relembra o parlamentar.
Murilo era figura conhecida da Assembleia quando disputou o cargo. Começou a vida como comerciante e expandiu sua influência até se tornar nome de destaque. Político por vocação, seguiu a orientação tradicional de seu pai, filiando-se à União Democrática Nacional, sob cuja legenda foi eleito deputado estadual Constituinte em 1947, em eleição das mais disputadas. Reeleito para as legislaturas de 1959, 1963, também pela UDN, e em 1967, pela Arena - Aliança Renovadora Nacional, em 1983, pelo PDS - Partido Democrático Social.
Na Mesa Diretora, ocupou os cargos de 2° secretário em 1950; 3° secretário em 1959 e 1963; e 4° secretário em 1964.
A Alece mantém registro sobre os deputados, projeto editorial biográfico dos deputados estaduais do Ceará. No documento, é explicado como se decorreu a disputa. Murilo era apoiado pelo então governador do estado, Gonzaga Mota, enquanto Castelo de Castro recebia as bênçãos da oposição e do presidente da Casa, Aquiles Peres Mota. A previsão do resultado de empate favorecia o mais velho, Murilo.
Na primeira votação, o deputado Castelo de Castro obteve 23 votos, enquanto Murilo Aguiar obteve 22 votos. Um voto foi nulo. “A votação decorreu em clima dos mais tumultuados na história do Legislativo Cearense”, descreve o documento da Assembleia.
Quase no final da apuração, o presidente concluiu pela anulação de um voto favorável a Murilo, determinando a vitória de Castelo de Castro. Neto de Murilo, Sérgio conta que foi o voto do avô o anulado.
“Ele tinha rasurado seu voto, emocionado que estava porque não foi preparado para concorrer, sua candidatura surgiu no início da manhã”, contou, ao lembrar daquela tarde em que conseguiu assistir à votação de onde é hoje a sala da imprensa na Alece.
Como não houve maioria absoluta, realizou-se novo escrutínio, sendo eleito o deputado Castelo de Castro. No documento Cronologia do Ceará Social, Política e Legislativa, também da Alece, é transcrita a ata da sessão: Castelo de Castro manteve 23 e Murilo Aguiar teve 21, com dois votos nulos.
“Depois de muita confusão, muito empurra empurra, discussões, até alguns empurrões, vi as chapas voando. As chapas voaram. Ou seja, aquele resultado que tinha sido proclamado pelo presidente à época foi o que ficou para a história. Fala-se até que disse ‘agora não tem mais o que se fazer, o fato já está concluído'”, ressaltou Sérgio.
O deputado explica que a expressão as “chapas voarem” foi de forma literal. No meio da confusão, muita gente ao redor do presidente, empurrões, alguém pegou os papeis com os votos para as chapas e jogou para o alto. “Ninguém não tinha mais o controle de como ia fazer”.
“Proclamado o resultado, generalizou-se tumulto no Plenário e nas Galerias, com agressões físicas e verbais entre deputados e assistentes, tendo ocorrido, inclusive, o fato de um cidadão, estranho à Assembleia, haver tomado violenta e inesperadamente, as cédulas votadas das mãos do Sr. Presidente, rasgando-as no Plenário, à vista de todos”, narra a ata da sessão.
“Tomado de sentida revolta pelo resultado anunciado, viu-se acometido de violento infarto, sendo conduzido para o Hospital Prontocárdio, onde veio a falecer”, relata documento da Assembleia. Sérgio confirma a história: o avô se sentiu mal, foi hospitalizado, mas morreu algumas horas depois.
A notícia da gravidade do caso foi dada aos deputados ainda na madrugada. Era 00:45 do dia 1º de março, quando o presidente comunicou ao Plenário a “extrema gravidade do estado de saúde” do deputado. Após seu falecimento, em homenagem, o nome de Murilo Aguiar foi usado para nomear o Auditório da Assembleia Legislativa do Ceará, o que permanece até hoje.
Um dia antes da eleição, os dois contavam com cerca de 20 votos. Sérgio concorria com a adesão de bloco do PSD/PMB e da oposição. Com apoio do então governador Camilo Santana (PT) e dos ex-governadores Cid e Ciro Gomes (na época os dois filiados ao PDT), Zezinho tentava manter a imagem de “candidato do governo”. Os dois eram aliados do governador.
A candidatura de Sérgio era “aditivada” sobretudo por bloco liderado pelo, na época, deputado federal Domingos Neto (PSD), que possuía 11 deputados do PSD e PMB. A decisão marcou o rompimento de Domingos com os Ferreira Gomes, depois de ter sido vice-governador na gestão de Cid. Diante da possibilidade de impor derrota a Camilo, bloco de oposição do PMDB, PR e PSDB também aderiu a Aguiar. Zezinho reuniu 20 deputados, Camilo, Cid e Ciro em ato em sua defesa.
O resultado superou os 24 votos que eram necessários para eleição. Foram 27 votos a 18 em favor de Zezinho. Um dos destaques foi o deputado Audic Mota, então filiado ao PMDB. O partido havia fechado questão em apoio à candidatura de Sérgio Aguiar. Nas vésperas, veio a surpresa, Audic não só mudou de lado como foi incluído na chapa no cargo de primeiro secretário, considerado um um dos mais importantes no parlamento.
Colaborou o repórter Guilherme Gonsalves