Corre no Supremo Tribunal Federal (STF) processo movido pelo Piauí pedindo parte do território do Ceará com base em mapas e fatos históricos. O caso ainda é analisado na Corte, mas, no extremo sul do Brasil, caso semelhante terminou em acordo que definiu a readequação da divisa de Santa Catarina. O Estado vai receber do Paraná área de 490 hectares (equivalente a 490 campos de futebol).
A decisão foi anunciada no fim de outubro quando o secretário de Estado do Planejamento de Santa Catarina, Edgard Usuy, entregou à contraparte paranaense, Guto Silva, o relatório técnico que respalda a readequação dos marcos de divisa entre os estados.
A necessidade da revisão surgiu a partir de demandas de proprietários rurais que identificaram discrepâncias entre os marcos de divisa existentes e as representações cartográficas oficiais. Conforme o governo de Santa Catarina, a descoberta de marcos históricos em uma propriedade rural provocou o início da análise. Os achados eram, até então, desconhecidos dos estados, e têm data entre 1916 e 1922.
Localizados em área de preservação permanente e de vegetação densa, pelo menos seis marcos de divisa foram identificados. A coleta das coordenadas foi realizada com tecnologia avançada de alta precisão e constatou as inconsistências nos marcos físicos usados para delimitar a divisão territorial entre os estados nos mapas.
O ponto inicial foi uma multa ambiental de R$ 40 mil aplicada ao agricultor Nathan Cassio Maciel. Ao portal ND Mais, que noticiou o caso, o homem explicou que a família paranaense comprou um terreno na região de Garuva, no norte catarinense, em um local que se conecta a outra propriedade da família em Guaratuba, Paraná.
A multa era por roçar em uma área de proteção ambiental do Paraná, mas Nathan observou que a área, na verdade, era em Santa Catarina. Ele e a família recorreram da decisão e solicitaram a revisão da divisa entre os estados. Em maio, com o pedido do agricultor, técnicos da Diretoria de Gestão Territorial (Diget) e do Instituto Água e Terra (IAT) do Paraná realizaram uma vistoria na região.
O encontrado? Os mapas geográficos não seguiam os marcos físicos usados para delimitar a divisão territorial. Os blocos de terra com a delimitação foram colocados entre o final do século XIX e início do século XX.
A questão territorial entre Paraná e Santa Catarina remonta à Guerra do Contestado. O conflito, que envolveu disputas econômicas, sociais e militares, resultou na criação de marcos de pedra que delimitam os estados até hoje.
Conforme informações do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o conflito armado, travado entre Santa Catarina e Paraná, tinha como foco uma região denominada "Contestado". Área com aproximadamente 20.000km² era rica em erva-mate e madeira. O resultado foi a assinatura do Acordo para Demarcação de Limites Paraná-Santa Catarina, em 20 de outubro de 1916.
É importante ressaltar que a competência para alteração de divisa interestadual é da União, cabendo ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) homologar ou não a decisão dos estados ou, ainda, propor novas análises com base nos estudos apresentados.
Estados brigavam por território marítimo
Paraná e Santa Catarina estão envolvidos em outra disputa por território, também encaminhada para ser encerrada por meio de um acordo. O litígio se arrasta desde 1991 na busca por mudanças territoriais marítimas entre os dois estados e afeta a distribuição de royalties de exploração de petróleo.
O tema em questão está em tramitação na Ação Cível Originária (ARO) 444, no STF, por iniciativa do governo catarinense, que alegava erros de cálculos do IBGE na divisão territorial no trecho marítimo entre os estados. A divisão teria impactado o repasse de recursos da Petrobras para o Paraná ao longo de anos. Em jogo, estariam royalties para a exploração de campos de petróleo na região, mas que deveriam ter sido pagos a Santa Catarina.
Em 2020, maioria dos ministros do STF decidiram dar razão ao pleito catarinense, determinando o ressarcimento dos valores devidos. A estimativa varia entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões. O Governo do Paraná já se comprometeu com a quitação das pendências.
Os governadores Ratinho Junior (PSD), do Paraná, e Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, firmaram acordo para que a execução de uma obra que vai beneficiar os dois estados como resolução da questão.
Mato Grosso e Pará definiram divisa na Justiça
As mudanças, no caso do Paraná e Santa Catarina, e a tentativa de alteração, no caso de Ceará e Piauí, não são inéditas. A disputa entre Mato Grosso e Pará envolvia uma área de 2,4 milhões de hectares.
Em 1900, Mato Grosso e Pará firmaram acordo, em convenção que também envolvia o Governo Federal, através de uma convenção firmada entre as três partes - a partir de trabalhos desenvolvidos, à época, pelo marechal Cândido Rondon.
A divisa seria uma linha reta. No documento também consta o ponto de partida para essa delimitação sendo a margem esquerda do rio Araguaia, no extremo esquerdo da Ilha do Bananal, e o Salto das Sete Quedas, no Rio Teles Pires.
A situação permaneceu até 2004, quando o Mato Grosso alegou que um dos marcos estaria errado. Na ação, o estado cita equívoco na elaboração da "Primeira Coleção de Cartas Internacionais do Mundo", de 1922, ao considerar ponto inicial do extremo oeste a Cachoeira das Sete Quedas, e não, segundo convencionado, o Salto das Sete Quedas.
Segundo o Estado, todos os mapas posteriores teriam veiculado o mesmo erro, o que reduziu seu território. Isso teria suprimido 2,2 milhões de hectares de área matogrossense. Por sua vez, o Pará argumentava que houve somente a mudança de nome do mesmo local.
Mato Grosso não desistiu e, em 2019, o STF julgou o caso. A Corte manteve o território reivindicado com o Pará. A perícia concluiu que o marco definido na cartografia de 1922 é o mesmo do tratado, levando em consideração documentos da época, não alterando a linha divisória entre os estados.
Apesar da derrota, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso, em 2023, voltou ao tema. Foi apresentado um relatório de um estudo inédito contendo 214 páginas que apontariam prejuízos socioeconômicos envolvendo nove municípios mato-grossenses na divisa com o Pará. Foi marcada, na época, uma audiência com o ministro do STF, Luís Roberto Barroso.
Aracaju deve perder quase 12% do território
Em outubro deste ano, foi realizada audiência para tratar do cumprimento da sentença da 3ª Vara Federal de Sergipe que determinava a adequação dos limites de Aracaju, capital sergipana, e o município vizinho, São Cristóvão. Em jogo, quase 12% do território de Aracaju, grande parte da antiga zona de expansão que deu origem a seis bairros em 2021.
A questão teve início quando São Cristóvão entrou, em dezembro de 2010, com ação questionando mudanças feitas com a Constituição do Estado de Sergipe de 1989 e a Emenda Constitucional nº 16/99, que alteraram as delimitações instituídas em 1954. Elas foram consideradas nulas pelo TJSE e pelo STF.
A prefeitura alegou que a mudança era inconstitucional e que foi feita sem consulta à população. Prédios, ruas e uma estimativa de 30 mil pessoas foram consideradas de Aracaju. Em 1954, o limite das cidades era uma linha reta da voz do rio Vaza-barris até o bairro Jabotiana, mais ao leste do que mostram os limites atualmente.
Antes mesmo da prefeitura de São Cristóvão entrar na Justiça, o imbróglio já existia porque parte dos empresários queria pagar impostos para o município vizinho, não para Aracaju. Entre petições e motivações dentro do sistema judiciário, em 2023, foi decidido que os bairros deveriam mesmo ir para São Cristóvão. São eles: Mosqueiro, Areia Branca, Matapuã e São José dos Náufragos, além de parte do Santa Maria e Jabotiana. A decisão é definitiva por transitar em julgado, sem possibilidades de recurso.
Foi determinado que um novo mapa territorial fosse elaborado pelo IBGE, além de que as prefeituras de Aracaju e São Cristóvão planejassem a transição das áreas, fato reforçado na reunião entre as partes ainda no fim de outubro. O prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT), defendeu em audiência no fim de novembro que a cidade "não pode perder um milímetro do seu território".
"O melhor caminho é o acordo, mas se ele não for possível, então que tenha um plebiscito. É a sociedade que elege seus representantes, então devemos dar a ela o direito de decidir a qual município quer pertencer", ressaltou.
Bairro mudou de município no Rio de Janeiro
Confusões e disputas também atingem questões ainda mais internas, como aconteceu no Estado do Rio de Janeiro. Lá, o bairro Maria Joaquina é disputado entre os municípios de Armação dos Búzios e Cabo Frio, na Região dos Lagos.
Em 2020, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) definiu que o bairro é pertencente a Cabo Frio. Na prática, a decisão anulou a divisão feita pela lei estadual nº 7.880/2018 que tinha deixado o bairro em Armação dos Búzios.
Foi o fim, pelo menos de forma momentânea, da dúvida já que foram dois anos do bairro sendo jogado de um município para o outro. Em 2018, uma lei estadual alterou a linha divisória, transferindo o bairro de Cabo Frio para Armação. O caso foi para Justiça e houve tentativas de questionar a legitimidade do TJRJ.
Como está o litígio Ceará x Piauí
Os casos de disputas territoriais pelo Brasil remetem ao processo no Supremo Tribunal Federal (STF) entre Ceará e Piauí.
O Exército entregou relatório e os autos do processo estão sendo analisados. Em jogo estão partes de 13 municípios do Ceará. A população desses territórios que podem se tornar piauienses é estimada em 25 mil pessoas.
O município mais atingido pode ser Poranga, que tem 66,3% da área atual questionada pelo Piauí. O risco é de perder dois terços do atual território poranguense.