Logo O POVO+
A política (não) é pop (?)
Politica

A política (não) é pop (?)

Gusttavo Lima, e sua pretensão, diz respeito ao velho desejo de salvar a política, salvando-se dela
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Urna eletrônica (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Urna eletrônica

O ano de 2025, tempo de temperaturas politicamente mornas por não termos eleição, iniciou dando mostras de movimentações no campo da (extrema) direita com o suposto anúncio de uma candidatura presidencial do cantor sertanejo Gusttavo Lima, um dos mais ardorosos militantes do bolsonarismo. Acionando como razão de ser se sua pretensão a situação do agro, emulou a promessa de “bolsa cachaça”.

O cantor tem mais de 15 anos de carreira, seu cachê é na casa dos milhões e tem mais de 45 milhões de seguidores no instagram. Mais pop, impossível.

Já nos acostumamos com a questão: dado o sempre crescente desgaste com as atividades dos “políticos” na vida pública, pretensos “salvadores” da política anunciam-se, ou são anunciados, na operação de “resgate”, sempre vindo “de fora”. O exercício mental é simplório: se a política vai mal, e ela é uma atividade de “políticos”, então não há saída senão retirá-la das mãos “dos políticos” e pô-la nas mãos dos outsiders.

A história recente do Brasil é repleta deles: na última eleição, Pablo Marçal; antes dele, João Dória, emulando ser “popular” com vestimentas de limpeza urbana, mesmo sendo promotor de banquetes aos montes para o high society; Sergio Moro, Dallagnol e tantos outros da pretensa “revolução judiciária”; passando por Tiririca e tantos outros showmen que se puseram como “alternativas” contra “tudo e todos”.

De fato, a relação entre política e figuras pops, sejam do mundo do entretenimento ou não, é nova. Das inúmeras facetas do “ser popular” para conquistar o voto e a aprovação do povo está, exatamente, a de ser popularizado, midiatizado, pois “o pop não poupa ninguém”. Se antes podíamos falar da dimensão carismática que joga um peso considerável na legitimação do jogo político, com figuras cridas como “enviadas” por algo para salvar a política, daí o seu justo reconhecimento; em tempos de democracia de massa e de comunicação de massa, o carisma, antes sobrenatural, agora assume dimensões do pop. Daí os artistas, as celebridades, os influencers.

Gusttavo Lima, e sua pretensão, diz respeito ao velho desejo de salvar a política, salvando-se dela. Ilusão, diria o velho Freud, e exatamente por isso mostra sua força, sempre que encontra espaço para sua vazão. O que a democracia ainda não ensinou-nos foi que não há o que salvar; há que se aprofundar a dimensão política da política. A sua e a nossa salvação está em que deixemos que seus contornos políticos sejam realçados.

O pop mesmo é fazer com que, seja quem esteja na política, a politize.

Dr. Emanuel Freitas da Silva

Coordenador do Doutorado em Políticas Públicas (PPGPP)

Bolsista de Produtividade (BPI/Funcap)

Presidente do Núcleo de Acompanhamento da Política de Cotas Raciais (NUAPCR)

Professor Adjunto de Teoria Política (Facedi/Uece)

Programa Pós-Graduação em Políticas Públicas (Uece)

Programa de Pós-Graduação em Sociologia (Uece)

 

O que você achou desse conteúdo?