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Ceará e Pernambuco negociam acordo para resolver divergência sobre divisas entre estados
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Ceará e Pernambuco negociam acordo para resolver divergência sobre divisas entre estados

Foi constatado que, entre o Censo Demográfico de 2000 e a Contagem Populacional de 2007, houve alterações na divisa entre os estados do Ceará e Pernambuco. Diferentemente do conflito judicial com o Piauí, os estados busam resolver a questão de forma negociada
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A divisa entre os estados do Ceará e Pernambuco está inserida no contexto da região da Chapada do Araripe
 (Foto: Candice Ballester/Iphan)
Foto: Candice Ballester/Iphan A divisa entre os estados do Ceará e Pernambuco está inserida no contexto da região da Chapada do Araripe

litígio do Piauí contra o Ceará no Supremo Tribunal Federal (STF), em que o estado vizinho reivindica cerca de 3 mil quilômetros quadrados de uma área envolvendo 13 municípios cearenses, não é a única divergência sobre as divisas estaduais. Mas, se de um lado, há animosidade e será preciso uma decisão judicial para resolver a questão, as dúvidas em outro extremo do Ceará devem ser resolvidas em acordo.

Ceará e Pernambuco se organizam para iniciar um profundo estudo de campo para subsidiar uma proposta que deverá ser analisado pelas duas assembleias legislativas. E, em entendimento, a expectativa é que se converta em lei os pontos que definirão a divisa entre os estados.

Algumas informações técnicas já foram levantadas pelo Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará (Celditec), vinculado à Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Os dados têm sido revisados com a entrada dos novos prefeitos para saber o que fato existe e quais equipamentos são administrados nas áreas da divisa.

O convênio deve envolver também a Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe/Fidem) e o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). O acordo deverá ser firmado pelo atual presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), deputado Álvaro Porto (PSDB), e pelo presidente eleito da da Alece para o biênio 2025/2026, deputado Romeu Aldigueri (PDT).

As tratativas começaram ainda gestão de Evandro Leitão (PT) como presidente do parlamento cearense, mas ele deixou o cargo para assumir a Prefeitura de Fortaleza. A projeção é que o convênio para iniciar o estudo seja assinado em fevereiro.

Esse imbróglio começou bem longe da Capital, onde é localizada a sede da Assembleia. A 572,70 quilômetros de Fortaleza, parte dos moradores de Salitre vivem com a dúvida de saber onde moram de verdade. São pelo menos 15 anos com o questionamento, pois se identificam como cearenses, mas oficialmente estão no estado vizinho. A região leva o nome das famílias que moram na área, como Serra dos Nogueiras, dos Afonsos, dos Carlos, dos Gaudêncios, dos Felisminos e outros.

O então prefeito de Salitre, Dodó de Neoclides (PSB), na época da eleição presidencial, em 2022, recebeu a informação de que seções eleitorais dessa área seriam retiradas e deixariam de funcionar. Foi o estopim para tentar encontrar uma solução de definitiva.

O início de tudo é o que conta Heliomar Henis, que atuava como secretário de Administração na Prefeitura. “Em 2002, o Município ainda tinha os limites conforme já tinha sido medido há muitos anos, quando ainda era Campos Sales. Em 2007, quando o IBGE veio fazer a nova medição, errou o local de limite e adentrou no município de Salitre e, por consequente, no Estado do Ceará, em 4 quilômetros, onde a gente perdeu em toda a linha divisória do Município entrando esses quatro quilômetros”, apontou.

E seguiu: “Principalmente na Serra dos Nogueiras, onde a gente tem dois colégios, onde a gente tem uma quadra poliesportiva, praça pública, posto de saúde. Na Serra dos Felisminos, onde a gente tem também um colégio e diversas fábricas de farinha nessa área toda”.

Dodó esteve na Superintendência Estadual do IBGE, conversou com o presidente Francisco Lopes, pedindo uma recontagem e uma redemarcação de fronteiras. O IBGE nacional também foi procurado pelo então prefeito. Sem resposta, Dodó entrou com processo judicial na Justiça Federal (JFCE) reivindicando mudanças nas linhas e no entendimento de onde pertenceriam os moradores.

Além de os equipamentos, feitos por Salitre, ficarem na conta de outro estado, o Município também seria prejudicado em questões econômicas. A região agrega grande parte da agricultura do Município, baseada no cultivo de mandioca. Além disso, população é critério de distribuição de recursos de transferências.

Em dezembro de 2024, o magistrado Fabricio de Lima Borges se manifestou após ser noticiando, nos autos, a possível resolução extrajudicial da questão. Ele determinou a suspensão do feito por um ano.

“Quando eles (o IBGE) vieram para a medição, colocaram como Pernambuco, só que para votar no Ceará tem essa burocracia toda, porém, fomos atrás e vai dar certo”, apontou o ex-prefeito. Ele alega que a população quer ser identificada como sendo do Ceará.

“Nós fizemos reuniões com a população e todo mundo quer ser cearense, porque nós já damos assistência lá em estradas, educação e saúde. O povo, graças a Deus, sempre foi bem assistido. Foi questionado, mas nós fomos pra cima de todas as maneiras e, se Deus quiser, vai ser solucionado o problema”, ressaltou, citando justamente o acordo que deve ser assinado.

Ele não conseguiu ser reeleito, mas disse não temer que a gestão do novo prefeito desista de reaver as mudanças nos limites. “Até porque se isso acontecer, o Município seria prejudicado. E nenhum gestor quer perder. No caso lá é uma região muito populosa, uma região que tem muitos votos e que agrega grande parte da agricultura do município”, ressaltou.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 27.12.2024:  Luiz Carlos Mourão Maia, Coordenador do Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará.  (foto: Fabio Lima/ OPOVO)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 27.12.2024: Luiz Carlos Mourão Maia, Coordenador do Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará. (foto: Fabio Lima/ OPOVO)

Diferentemente do Piauí, há cooperação entre Ceará e Pernambuco

Analista de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), Cleyber Nascimento de Medeiros ressalta a diferença sobre o caso envolvendo o Piauí, que é um litígio e que só deve ser findado com uma decisão judicial. "Ao contrário do processo envolvendo o Piauí, que é judicializado no Supremo Tribunal Federal (STF) e envolve a reivindicação de áreas historicamente pertencentes ao Ceará, a relação com Pernambuco é marcada por um espírito de cooperação. Não há litígio ou disputa por territórios entre os dois estados", destaca.

"Ambos reconhecem e respeitam os limites historicamente ocupados e administrados, adotando o critério jurídico do uti possidetis, que assegura a análise da situação administrativa histórica e do sentimento de pertencimento da população", ressalta.

O "clima" mais amistoso também é percebido pelo coordenador do Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará, Luiz Carlos Mourão. Ele relembra o momento em que descobriram a questão. A apreensão foi sentimento pertinente diante da preocupação já existente com o Piauí. "Se tivéssemos dois problemas não seria muito tranquilo, seria bastante complicado", ressaltou.

Ele considera que a condução amigável é também um aprendizado das "feridas" causadas pelo imbróglio com o Piauí, que se tornou uma disputa judicial. "O mais importante é que é o primeiro trabalho nesse nível de assembleias legislativas. Geralmente, as assembleias só entram no segundo momento, quando já existe um litígio, para tentar negociar. Nós estamos antes. É muito interessante, porque a gente aprendeu muito com a questão do Piauí. Aquele litígio que aconteceu, aquele problema todinho, trouxe profundos ensinamentos", afirmou Mourão.

Ele também pondera existir "disposição" das autoridades pernambucanas de resolver o assunto sem processo judicial. "O litígio do Piauí já estava estabelecido na mente dos piauienses, não adiantava. Os pernambucanos, não. A primeira vez que nós contamos para eles, disseram: 'Olha, a gente só quer o que é nosso'. Com o Piauí não, sempre teve um sentimento, a vontade (de ter) daquela Serra da Ibiapaba, a vontade de adentrar nessas áreas do Ceará. Sempre houve esse sentimento. Com Pernambuco, não. Foi (a conversa) tranquila, transparente, a gente trabalhando com muito critério, com muita responsabilidade e, acima de tudo, com muito grau de amadurecimento entre as duas casas", destacou ainda.

Para o estudo, ele projeta a ida aos municípios que fazem a divisa para escutar a população. Se precisa matricular o filho na escola, para onde vai? Se precisa de assistência médica, onde procura atendimento? É, segundo ele, uma questão de cidadania. E depois que o estudo for concluído com Pernambuco, ele explica que o Comitê tem o desejo de fazer o mesmo com o Rio Grande do Norte.

Tudo que já é administrado por um estado deve ficar com ele

Diante a necessidade de mudar limites entre os municípios na divisa entre Ceará e Pernambuco, surge a pergunta: cearenses vão se tornar pernambucanos ou pernambucanos vão se tornar cearenses? A resposta é não. A intenção é que apenas se adeque as linhas para manter o que já se encontra na realidade. Se existem escolas, postos de saúde que, historicamente, são ligados a um estado, a administração irá permanecer com aquele estado.

"Destaca-se que o desenvolvimento do estudo de diagnóstico e a proposta de atualização da divisa entre os estados do Ceará e Pernambuco baseia-se no critério jurídico do uti possidetis, que estabelece que as áreas atualmente ocupadas e administradas por cada estado devem permanecer sob sua posse", explica ainda Cleyber Nascimento de Medeiros, analista de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

Ele segue: "Esse critério, consagrado no direito internacional e aplicado em contextos de delimitação territorial, assegura a prevalência da situação administrativa histórica e do sentimento de pertencimento da população. Portanto, as áreas tradicionalmente ocupadas pelo Ceará e por Pernambuco continuarão sob a posse de seus respectivos estados, respeitando a situação administrativa consolidada".

Mudança

Estudo do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) confirmou ajustes na malha cartográfica utilizada pelo IBGE. Entre o Censo Demográfico de 2000 e a Contagem Populacional de 2007, houve alterações na representação cartográfica da divisa entre Ceará e Pernambuco

Impacto

Conforme o estudo do Ipece, a área territorial impactada pela alteração nas divisas censitárias foi de aproximadamente 773 km², sendo 429 km² em Pernambuco e 344 km² no Ceará. E não foi apenas em Salitre, mas em outros cinco municípios cearenses e seis município de Pernambuco

Estruturas

O estudo apontou a existência de escolas do Ceará fora do limite estadual após a realização da mudança da divisa entre os anos de 2000 e 2007, especificamente no município de Salitre. O mesmo acontece com equipamentos de saúde. Foram mapeadas 28 localidades no trecho da divisa, todas vinculadas até aquele momento como sendo do Estado do Ceará. Do total, 21 passaram para Pernambuco no mapa do IBGE quando houve a alteração da divisa

Estados eram dividos por um "valadão"

Coordenador do Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará, Luiz Carlos Mourão conta que esteve na área em Salitre que faz divisa com os municípios de Pernambuco. E apontou a importância de escutar a população para reconstruir questões históricas. Ele conta que as localidades eram divididas por um "valadão", um grande buraco que foi cavado ainda no século passado, entre 1911 e 1915. Claro, com o tempo muito se foi perdendo, mas, com a ajuda da população, a história foi recuperada e o próprio "valadão" também. Cerca de 40% a 50% do local por onde passava essa vala já foi encontrado.

"Quando foi um determinado momento um cidadão resolveu fazer um buraco para dividir o Ceará e o Pernambuco. Fizeram uma vala, chamada Valadão. O IBGE descobriu isso em 2007. Ele (o instituto) disse que é essa vala que divide os estados e, a gente fazendo levantamento, nós vimos que realmente faz sentido o que dizem sobre essa vala", disse.

"Com o tempo essas valas, porque lá é uma área muito agrícola, eles plantam muito mandioca, essas áreas que não são muito planas perpassaram essa questão das valas. Ficou imperceptível em campo essas vagas, mas nós começamos a procurar a história as pessoas mais antigas", ressaltou.

O acordo também é esperado por Pernambuco

A "esperança" de que tudo se revolva com um acordo também alcança as autoridades do estado vizinho. No fim do ano passado, houve uma reunião da Comissão de Assuntos Municipais com representantes da Agência estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco.

A distribuição de recursos federais e estaduais foi um dos problema apontado no encontro."Em algumas situações, a terra pertence a um município, mas os serviços são ofertados por outro. Os valores também estão distorcidos: uma localidade acaba recebendo o que é devido à outra", registrou o presidente da comissão, deputado Diogo Moraes (PSB).

Os parlamentares e técnicos presentes no encontro defenderam a realização de um acordo de cooperação técnica envolvendo a Condepe/Fidem, Alepe e os órgãos do Ceará.

O POVO procurou o IBGE sobre o caso. O retorno aconteceu por meio do superintendente do órgão no Ceará, Francisco Lopes. Ele ressaltou que o processo envolvendo o município de Salitre deverá passar por acordo entre os órgãos estaduais do Ceará e do Pernambuco para que haja, então, a possibilidade de alteração de limites. Após esse acordo, é que o IBGE será comunicado e fará as alterações.

"Com relação ao Censo Demográfico 2022, a operação foi realizada levando em consideração os limites estabelecidos, e os dados já foram divulgados", explicou.

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