Quando o presidente Donald Trump assinou a ordem executiva para retirada do Acordo Climático de Paris, colocou os Estados Unidos entre um pequeno número de países, incluindo Irã e Iêmen, que não fazem parte do pacto internacional. O gesto foi uma das primeiras atitudes no retorno à Casa Branca, e repete o que ele já havia feito no primeiro mandato. Trata-se do cartão de visitas de um programa com objetivo de acabar com regras ambientais, vistas como maneira de impedir o progresso do País. Trump rejeita limitações às emissões de gases do efeito estufa e projeta impulso a uma industrialização movida a combustíveis fósseis.
A guinada ambiental da maior economia do planeta ocorre num momento particularmente sensível, quando os cientistas afirmam haver a última oportunidade para evitar efeitos ainda mais drásticos da mudança climática. A postura a partir de Washington pode ser a senha para outros países também abandonarem o rigor em relação aos próprios compromissos. Principalmente, a posição dos Estados Unidos tira pressão da China, maior emissora de gases do efeito estufa do mundo. Ainda assim, a saída decidida por Trump não significa a implosão do Acordo de Paris.
Os Estados Unidos também saíram do pacto climático da outra vez em que Trump foi presidente, mas Joe Biden reverteu essa decisão quando assumiu o cargo em 2021.
Investir nas reservas de petróleo e gás dos Estados Unidos foi promessa de campanha de Trump, que também corta recursos para energias renováveis. Uma das primeiras ações do presidente foi suspender novas concessões de energia eólica offshore. No passado, Trump se opôs a este tipo de produção de energia— um mercado em rápido crescimento nos EUA — chamando as turbinas de "um desastre econômico e ambiental". Espera-se que o novo presidente também se desfaça de algumas ou todas as políticas climáticas implementadas por seu antecessor, Joe Biden, incluindo partes da Lei de Redução da Inflação de 2022 (IRA).
A IRA tem como objetivo aumentar a energia renovável, os empregos verdes e combater as mudanças climáticas.
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. A China está na primeira colocação. A batalha econômica entre os países está no centro do discurso de Trump.
"Os Estados Unidos não irão sabotar nossas próprias indústrias enquanto a China polui impunemente", disse Trump.
O ministério das Relações Exteriores da China respondeu imediatamente, expressando preocupação sobre a retirada dos Estados UnidosA e disse que o país responderá ativamente às mudanças climáticas e promoverá conjuntamente a transição global para uma economia de baixo carbono.
Sozinha, a China é responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, contribuindo com 32% das emissões. Os Estados Unidos emitem 13,6%, seguidos pela União Europeia, segundo o Climate Watch.
O Acordo de Paris convoca os governos a tomarem ações para limitar o aumento da temperatura global a 2 ºC acima dos níveis pré-industriais e a perseguirem esforços para manter as temperaturas abaixo de 1,5 ºC para evitar os piores impactos da crise climática.
A retirada dos EUA do Acordo de Paris removeria a obrigação do país de reduzir as emissões, alertou Laura Schäfer, da ONG ambiental e de direitos humanos Germanwatch.
"Nesta década crucial para a ação climática, isso é, claro, devastador", disse ela. "Isso poderia ser um sinal para outros países reduzirem seu compromisso com a mitigação climática. Poderia diminuir a pressão sobre outros grandes emissores como a China. As emissões dos EUA desempenham um papel importante na questão de se conseguiremos manter o aquecimento global abaixo de 2 graus e 1,5 grau", afirmou.
Cientistas dizem que a janela para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C está se fechando, com tempertaturas médias globais já atingindo este teto.
Temperatura do planeta subiu mais de 1,5º C
A temperatura média do planeta aumentou, nos últimos dois anos, além de 1,5°C, limite simbólico estabelecido pelo Acordo de Paris para combater a mudança climática, segundo o serviço europeu Copernicus.
Conforme previsto há meses, 2024 foi o ano mais quente já registrado desde que as estatísticas começaram em 1850, confirmou o Serviço de Mudanças Climáticas (C3S) do observatório europeu.
É improvável que o novo ano quebre esses recordes novamente, mas o serviço britânico Met Office alertou que 2025 pode ser um dos três anos mais quentes já registrados.
Em 2025, ano marcado pelo retorno ao poder de Donald Trump nos Estados Unidos, os países também devem anunciar os novos compromissos climáticos, atualizados a cada cinco anos no âmbito do Acordo de Paris de 2015.
Os esforços para a redução de gases de efeito estufa estão diminuindo em alguns países ricos: apenas -0,2 pontos percentuais nos Estados Unidos no ano passado, diz um relatório independente.
Segundo o Copernicus, em 2024 e na média entre 2023-2024, o aquecimento superou 1,5°C em comparação à era pré-industrial.
Isso não significa, porém, que o limite mais ambicioso do Acordo de Paris tenha sido cruzado. Mas, "destaca o fato de que as temperaturas globais estão subindo além do que os humanos modernos já vivenciaram". O aquecimento global atual não tem precedentes em pelo menos 120 mil anos, segundo cientistas.
Esta é uma "séria advertência", diz Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático (PIK). "Tivemos uma prévia de um mundo a 1,5°C, com sofrimento e custos econômicos sem precedentes para as pessoas e a economia global, devido a eventos extremos reforçados pela atividade humana, como secas, inundações, incêndios e tempestades", disse.
Por trás dos números há desastres agravados pela mudança climática: 1,3 mil mortos em ondas de calor extremo na peregrinação a Meca, inundações históricas na África e na Espanha, furacões violentos nos Estados Unidos e no Caribe. (AFP)
Indústria pode colocar freio na vontade de Trump
O desejo do presidente americano, Donald Trump, de aumentar a produção de petróleo e gás nos Estados Unidos pode encontrar limites na vontade do setor petrolífero, que deve cuidar da equação da lucratividade, segundo analistas.
Os Estados Unidos já são o maior produtor de petróleo bruto do mundo e o presidente espera aumentar a produção. Também busca reduzir o custo da energia para os consumidores dos EUA. É por isso que declarou estado de "emergência energética" e removeu as restrições à perfuração de poços em várias áreas, incluindo áreas protegidas no Alasca.
Diante da perspectiva de excesso de oferta durante a nova presidência de Trump, com a demanda global perturbando os mercados, os produtores americanos podem se recusar a acelerar o ritmo para evitar que os preços do petróleo caiam demais.
As empresas petrolíferas dos EUA "agirão de acordo com seus próprios interesses econômicos e extrairão até verem que é lucrativo" e "isso dependerá do preço do petróleo e do retorno sobre o investimento", resumiu Andy Lipow, da Lipow Oil Associates.
"Vemos níveis recordes de demanda por petróleo e níveis recordes de produtos refinados", disse Darren Woods, da ExxonMobil, em novembro de 2024. Mas "há muito disponível no mundo neste momento, e grande parte dele está vindo dos Estados Unidos", acrescentou.
O executivo falou então em racionamento da produção, lembrando que, após a fusão da Exxon e da Mobil em 1999, o grupo tinha 45 refinarias. Quando ele assumiu o controle em 2021, o grupo tinha apenas 22.
A estratégia de Trump levanta dúvidas entre os analistas porque a Opep e seus aliados têm 5,8 milhões de barris por dia de capacidade ociosa, observou Robert Yawger, da Mizuho USA.
A explosão do petróleo e do gás de xisto há cerca de 15 anos transformou o setor petrolífero dos EUA. Incomodada com o poder extrativista dos EUA, a Arábia Saudita reagiu inundando o mercado de petróleo e fazendo com que o preço do barril caísse.
Parte do setor de petróleo de xisto fechou e os que sobreviveram prometeram controlar melhor seu crescimento e suas finanças no futuro. (AFP)
Brasil sediará conferência
Sob o Acordo de Paris, os países são obrigados a registrar as emissões e apresentar metas de redução a cada cinco anos, com a próxima rodada prevista para ser apresentada antes do início de fevereiro, em preparação para a conferência climática COP30, que ocorrerá em Belém, no Brasil, em novembro de 2025.
A administração do ex-presidente Joe Biden apresentou as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos EUA em dezembro. Elas delinearam compromissos para reduzir as emissões líquidas entre 61% e 66% até 2035, em comparação com os níveis de 2005.
"Sair de Paris essencialmente remove de fato a NDC", disse David Waskow, diretor da Iniciativa Climática Internacional no World Resources Institute, com sede nos EUA.
"O importante sobre a NDC e o que a administração Biden fez é que ela estabelece uma marca, uma estrela-guia, para o que os Estados Unidos precisam fazer em relação às mudanças climáticas. Então, essa redução realmente estabelece um efeito de sinalização claro, um farol para o que precisa ser feito pelas cidades e estados dos EUA", afirmou.
Apesar da ação rápida de Donald Trump para retirar os EUA do Acordo de Paris, o país terá de esperar um ano após o recebimento da notificação de retirada para que ela se torne oficial. Isso significa que os EUA ainda compõem o grupo quando a próxima conferência climática COP acontecer.
Ainda não está claro se o governo americano de fato participará da cúpula, mas terá um papel diminuído. Especialistas dizem que a UE e o maior emissor mundial, a China, podem estar prestes a fortalecer sua liderança nas negociações.
Para Waskow, o acordo internacional permanece relevante, mesmo sem os EUA. "[Quase] 90% das emissões globais estão representadas nesse acordo global. Então, isso é extremamente importante," acrescentou ele. (DW)
Haverá um impacto econômico para os EUA?
Reverter as medidas climáticas pode ter impacto na economia dos Estados Unidos, considerando o crescente investimento global em energia verde em comparação com os combustíveis fósseis.
O investimento global em energia em 2024 deve ultrapassar 3 trilhões de dólares (R$ 18 milhões), segundo um relatório da Agência Internacional de Energia, com dois terços desse valor indo para tecnologias limpas como energias renováveis e veículos elétricos, além de outras energias como a nuclear, contra um terço investido em carvão, gás e petróleo.
Li Shuo, especialista em energia no Asia Society Policy Institute, disse que a retirada dos EUA impactaria a capacidade do país de competir com a China nos mercados de energia limpa, como solar e veículos elétricos. "A China tem tudo a ganhar, e os EUA correm o risco de ficar ainda mais para trás", disse ele. (DW)
Lentidão
A COP29, última grande conferência climática da ONU, terminou com apenas uma nova meta para o financiamento climático e permaneceu quase em silêncio sobre as ambições de redução de gases de efeito estufa
Frase
"Drill, baby, drill"
("Perfure, querida, perfure", em tradução livre)
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, ao apregoar o aumento da produção de petróleo