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Lei da Ficha Limpa: quais as chances de mudanças após pressão de Bolsonaro?
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Lei da Ficha Limpa: quais as chances de mudanças após pressão de Bolsonaro?

Aliado do ex-presidente propõe mudar punição de oito para apenas dois anos, que beneficiaria Bolsonaro; especialista analisa
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BOLSONARO está inelegível por oito anos, o que o impede de concorrer em 2026 (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil BOLSONARO está inelegível por oito anos, o que o impede de concorrer em 2026

Defensora da Lei da Ficha Limpa nos tempos de Lula (PT) inelegível, a direita brasileira hoje atua para revogar o dispositivo que barra das eleições políticos condenados por um colegiado. Inelegível por oito anos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não esconde que defende mudanças que o beneficiariam diretamente.

"Estamos trabalhando para esse limite de oito para dois anos de inelegibilidade. Aí sim eu poderia disputar as eleições em 2026 e você vai decidir se pode votar em mim ou não", disse o ex-presidente, na última sexta-feira, 7. Ele faz referência à uma proposta apresentada pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) na Câmara, alterando a Lei da Ficha Limpa para diminuir a pena de inelegibilidade de oito para dois anos.

O novo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que o prazo hoje da lei é "extenso", mas afirmou não ter compromisso em mudar a legislação.

O professor, advogado e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, Fernandes Neto, concorda que a lei eleitoral brasileira é dura nesse sentido.

"Não há nenhuma dúvida que o Brasil é quem detém uma lei mais restritiva de pessoas que não podem se candidatar, e por um prazo muito grande", afirma, lembrando o recente caso dos Estados Unidos, onde Donald Trump, mesmo com uma condenação inédita, não apenas pôde candidatar-se, como teve seus crimes perdoados.

Ele lembra o contexto que a lei foi aprovada, em 2010. "Ela passou em 2010, no Congresso Nacional, por uma pressão muito grande popular. Foi um projeto de iniciativa popular, a lei complementar 135/2010, que alterou a lei complementar 64/90, tornando mais rígidos os critérios para as pessoas que pretendem se candidatar a seguir, e elevando muitos prazos de inelegibilidade", explica.

O fator Centrão

A partir de 2018, quando o Centrão passou a comandar mais deliberadamente o Congresso Nacional, as pautas para restringir a eficácia da Lei da Ficha Limpa ganharam corpo, como o caso do proposta citada acima.

"Claro que esse projeto apresentado pelo Partido Liberal tem um destinatário certo, que é diminuir e retirar a pecha da inelegibilidade do Bolsonaro para as eleições de 2026", explica o professor. Ele lembra porém, que há outro projeto de lei, o 192/2023, que passou inclusive na Câmara dos Deputados e na Comissão de Justiça do Senado. Esse projeto, explica Fernandes Neto, corrige algumas desproporcionalidades que teria com relação ao prazo de inelegibilidade previsto.

Para o professor, o projeto que visa limitar em dois anos o prazo de inelegibilidade inviabilizaria totalmente a lei. "Tornaria completamente ineficaz a lei, não teria utilidade nenhuma. Com dois anos, nem um ciclo político estaria coberto pela inelegibilidade", argumenta.

O advogado vê, porém, um forte movimento que visa proporcionar a Bolsonaro uma perspectiva eleitoral, sendo talvez o segundo projeto citado algo mais possível de ser aprovado. "Teoricamente, ele estaria pronto para votar. Esse, sim, teria uma capacidade de estabelecer regras mais, vamos dizer assim, regras mais proporcionais a algumas aplicações da Lei da Ficha Limpa", pontua.

Opinião popular

Para Fernandes Neto, diferente do que houve em 2010, a opinião pública perdeu força de lá para cá devido à grande disputa ideológica existente no Brasil.

"Hoje, essa opinião pública, dado essa disputa ideológica que existe no Brasil entre direita e esquerda, e de fato essa intolerância social também que existe, eu vejo que ela vai influenciar muito pouco na decisão dos congressistas. E quem decide hoje essa situação, principalmente na Câmara dos Deputados, é o Centrão", argumenta.

Pauta de ambos os lados

Fernandes argumenta que, diferentemente do projeto do deputado Bibo Nunes, que tem apoio apenas da direita brasileira, o projeto 192 não pode ser atribuído somente aos parlamentares desse espectro político. "Ambas as ideologias, com poucas exceções, eu digo exceção seria o Psol, a Rede, pretendem de alguma forma mitigar os efeitos da Lei da Ficha Limpa, que repito, é muito rígida no Brasil", argumenta.

Lula e Dilma

No vídeo da última sexta-feira, Bolsonaro disse que ele próprio votou favorável à proposta da Lei da Ficha Limpa, mas que hoje ela persegue a direita. Ele citou como exemplos os casos da ex-presidente Dilma Rousseff e do presidente Lula como supostos maus exemplos de aplicação da medida.

Os casos dos petistas, porém, não tiveram revertida a inelegibilidade com a Lei da Ficha Limpa. O hoje presidente Lula teve todos os seus processos anulados por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto Dilma foi alvo de impeachment, mas manteve direitos políticos, em decisão no plenário do Senado Federal.

Sem compromisso com a pauta

Apesar das críticas à rigidez da lei, que chegaram a animar parlamentares da direita, Hugo Motta afirmou também essa semana saber que tema voltou ao debate porque tem como pano de fundo a eleição presidencial de 2026 e que não tem compromisso em pautar essa proposta.

"Não tenho um compromisso de pautar para mudar a Lei da Ficha Limpa. Se esse assunto for levado à Câmara, por exemplo, pelo PL, nós vamos tratar como todo e qualquer projeto que chega à Casa. Vamos discutir com responsabilidade, dividir decisões com o colégio de líderes para ver se esse assunto deve ser priorizado ou não", disse à uma rádio paraibana.

Motta explicou que a iniciativa de pautar qualquer votação nesse sentido não partirá dele.

"O presidente da Câmara é um árbitro, nem votar vota. As pessoas que vão defender essa mudança é que têm que levar os argumentos para o colégio de líderes, para a Casa. Vou esperar ser provocado e trataremos igual vamos tratar todas as outras matérias que vão chegar. Com muita responsabilidade e cautela", argumentou.

O STF

Vale lembrar ainda que, caso o Congresso Nacional de fato aprovar uma regra alterando a Lei da Ficha Limpa, como propôs o aliado do ex-presidente, um precedente do STF indica que a corte teria que ir contra seu entendimento anterior para vetar que o ex-presidente Bolsonaro se beneficiasse da mudança.

Isso porque, caso o projeto seja de fato aprovado, fatalmente irá gerar uma discussão sobre se a regra pode ou não ser aplicada de modo retroativo para processos julgados ainda sob uma regra anterior. A hipótese em que o Supremo não teria que se debruçar sobre esse aspecto seria se, antes, a corte julgasse ação sobre a eventual nova lei, declarando-a inconstitucional.

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