Por bem ou por mal: este parece ser o lema do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em menos de um mês, o republicano lançou uma campanha anti-imigração e forçou, por meio de ameaças, alguns países latino-americanos a colaborarem com as medidas. A situação teve reflexos até em Fortaleza, transformada em rota para receber voo de deportados.
Do outro lado do Oceano Atlântico, a política sobre migração se tornou assunto crucial nas eleições federais da Alemanha, maior economia da Europa, a serem realizadas daqui a uma semana. As consequências do debate germânico remetem à quebra de um tabu estabelecido desde o fim da Segunda Guerra Mundial, no qual forças democráticas da direita à esquerda recusavam qualquer nível de colaboração com a extrema-direita. Até agora.
Desde o início do mês, milhares de pessoas saem às ruas em cidades como Munique, Colônia, Leipzig e Berlim, em protesto contra a crescente aproximação entre o partido conservador União Democrata Cristã (CDU), liderado por Friedrich Merz, favorito na disputa a chanceler federal, e a Alternativa para a Alemanha (AfD) — partido com retórica nacionalista e postura anti-imigração.
No fim de janeiro, Merz contou com o apoio da AfD para aprovar uma moção no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão, propondo a ampliação das restrições à entrada de migrantes. Até então, o partido de ultradireita seguia isolado pelos demais membros do Bundestag.
A medida desencadeou críticas de que Merz rompeu com esse compromisso. Desde a queda do regime nazista, em 1945, há um consenso entre os principais partidos políticos da Alemanha de que a extrema-direita jamais deve ser permitida no governo. Esse chamado "cordão sanitário" também se estendeu à colaboração aberta com os partidos políticos ultradireitistas em qualquer nível.
Mas, em janeiro, Merz contou com apoio da AfD para aprovar a moção. Apesar da onda de repúdio gerada pela aprovação, decidiu forçar a votação da proposta chamada Lei do Fluxo Migratório, que acabou sendo rejeitada pela maioria dos parlamentares.
Em entrevista à emissora pública ARD, o chanceler federal alemão, o social-democrata Olaf Scholz, acusou Merz de enterrar um consenso de décadas no país "de que não haveria cooperação entre partidos democráticos e a extrema direita". O "cordão sanitário" caiu, afirmou o chanceler.
Na maioria das pesquisas, a aliança entre a CDU de Merz e a União Social Cristã (CSU) está à frente na maioria das pesquisas. A AfD atualmente ocupa o segundo lugar, com grandes chances de aumentar a influência na política nacional, com a segunda maior bancada legislativa.
Assim como Donald Trump, o partido tem idéias ultranacionalistas, defende posições duras contra imigrantes e controle mais rígido de fronteiras. Uma parcela do partido já esteve sob observação da inteligência alemã por suspeita fundamentada de afronta à Constituição e à ordem democrática alemã.
Há um ano, membros do partido foram acusados de participar de um encontro com neonazistas na cidade de Potsdam, em que teria sido discutida a deportação em massa de milhões de imigrantes e "cidadãos não assimilados". O episódio gerou forte indignação e ampliou as preocupações sobre o avanço de políticas ultranacionalistas no país.
Alguns membros da AfD fizeram declarações que relativizam crimes nazistas. Em janeiro de 2025, por exemplo, durante uma conversa transmitida ao vivo com Elon Musk, a candidata a chanceler federal do partido, Alice Weidel, afirmou que Adolf Hitler era "comunista" e expressou opiniões que minimizavam o impacto do nazismo.
Apesar dos protestos em massa em toda a Alemanha e de pesadas críticas de suas próprias fileiras, a CDU, caso confirmada a perspectiva de vitória eleitoral, planeja a implementação imediata do controverso plano anti-imigração, que prevê controles permanentes de fronteira, rejeição de migrantes nas fronteiras e prisão por tempo indeterminado para criminosos e indivíduos perigosos que estejam sob ordens da Justiça para serem deportados. A proposta prevê ainda a interrupção da reunificação familiar para os refugiados que têm direito à proteção no país e mais poderes para a Polícia Federal alemã.
Nos Estados Unidos, Trump tem pressa para cumprir sua principal promessa de campanha: expulsar os migrantes em situação irregular, a quem chamou de "selvagens", "criminosos" ou "animais" que "envenenam o sangue" do país.
Ele tem à disposição toda a máquina governamental, à frente da qual colocou leais aliados dispostos a cumprir ordens, incluindo o Pentágono e os departamentos de Estado, Justiça e Segurança Interna.
O chefe da diplomacia, Marco Rubio, resumiu tudo em uma frase em um artigo no Wall Street Journal antes de partir para uma viagem rumo ao Panamá, Costa Rica, El Salvador, Guatemala e República Dominicana.
"Alguns países cooperam conosco com entusiasmo, outros nem tanto. Os primeiros serão recompensados. Quanto aos segundos, o presidente Trump já demonstrou que está mais do que disposto a usar a considerável influência dos Estados Unidos para proteger nossos interesses", escreveu.
Dito e feito. O secretário de Estado fez vários progressos nesta viagem, centrada na segurança das fronteiras, na luta contra a migração ilegal e na influência da China no Canal do Panamá, cujo controle Trump ameaça "recuperar".
O Panamá cancelou o acordo econômico da Nova Rota da Seda com Pequim, mas não cedeu nas tarifas do canal, apesar de Rubio considerar "absurdo" que os navios da marinha dos Estados Unidos paguem para atravessá-lo.
A Costa Rica prometeu endurecer a luta contra o crime organizado, Guatemala aceitou mais voos de migrantes deportados, incluindo estrangeiros, e El Salvador propôs receber em um megapresídio deportados condenados de qualquer nacionalidade e prisioneiros americanos.
Para ir rápido, a administração republicana recorre à ameaça das tarifas, uma das palavras favoritas de Trump.
O México teve que fazer concessões, como enviar 10 mil militares à fronteira com os Estados Unidos para combater o tráfico de fentanil, com objetivo de ganhar tempo e evitar tarifas de 25% sobre suas exportações. O Canadá também cedeu, e a China, na falta de acordo, recebeu nesta semana uma tarifa adicional de 10% sobre seus produtos.
A Colômbia se negou a deixar aviões militares com migrantes expulsos por Washington aterrissarem, mas optou por negociar um acordo para evitar tarifas aduaneiras.
Até o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que Washington considera ilegítimo, aceitou receber voos de migrantes deportados.
Desde que voltou à Casa Branca em 20 de janeiro, o magnata tem avançado a passos largos em todas as frentes com decretos, e a migração não escapa à regra.
Trump cancelou as vias legais estabelecidas pelo antecessor democrata Joe Biden, como o aplicativo de telefone CBP One, lançou operações de imigração em várias cidades, revogou uma ordem que impedia a expulsão de centenas de milhares de venezuelanos e declarou os cartéis e gangues como organizações terroristas.
A lista continua crescendo quase diariamente. Uma das medidas foi enviar migrantes para a base americana de Guantánamo, em Cuba, por onde passaram centenas de prisioneiros acusados de terrorismo, embora o local também tenha sido usado para confinar solicitantes de asilo.
Os tribunais parecem ser o único obstáculo.
Uma juíza federal já bloqueou um decreto de Trump que restringia a cidadania por nascimento nos Estados Unidos.
"Muitas das ordens executivas que a primeira administração Trump tomou e as que estão sendo feitas agora terminarão sendo litigadas e provavelmente bloqueadas, e isso torna muito difícil alcançar os objetivos", reconheceu Blas Núñez-Neto, ex-subsecretário do Departamento de Segurança Interna (DHS) no Wilson Center.
Das agências de notícia AFP e DW
Como Trump joga imigrantes brasileiros na rota da deportação
Donald Trump anunciou uma série de medidas linha-dura para a repressão da imigração irregular nos Estados Unidos. O pacote joga na rota da deportação milhões de imigrantes com vidas estabelecidas em solo americano.
Dentre os grupos sob maior pressão, está a crescente comunidade brasileira, que frequentemente entra no país com vistos de turista ou de estudante para escapar do perigoso cruzamento pelo México. O controle migratório na fronteira sul foi o foco da estratégia de repressão aos indocumentados na gestão Joe Biden.
Em 2022, o Departamento de Segurança Interna estimou que 230 mil brasileiros vivessem sem permissão nos EUA — o oitavo maior grupo por nacionalidade.
Os planos de Trump diferem da estratégia do antecessor ao mirar em estimados 8 milhões de trabalhadores que, segundo o Centro para Estudos de Migração de Nova York (CMS), atuam sobretudo na agricultura, construção e serviços.
Além de aumentar o controle nas fronteiras, o novo presidente agora capilariza as operações do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) em todos os cantos dos EUA, chegando a lugares considerados sensíveis como igrejas, hospitais ou escolas.
"Os indocumentados sempre foram uma proporção considerável da população americana, e já tivemos programas que engajavam com ideias de deportação em massa. Mas o fôlego e o escopo das ordens executivas de Trump não têm precedentes", diz Mario Russell, diretor-executivo do CMS.
Trump e seu "czar de fronteira", Tom Homan, declararam querer ver deportados todos os 11 milhões de indocumentados nos EUA. Autoridades do governo estabeleceram metas diárias de até 1,5 mil apreensões diárias para o ICE, segundo a imprensa americana.
Advogados especializados relatam uma nova atmosfera de medo entre imigrantes indocumentados. Diante da pressão sobre qualquer um e em qualquer lugar, há até quem pense em se "autodeportar".
"Eu tenho clientes que consideram voltar para o Brasil, mesmo que tenham casos fortes na Justiça, porque não querem parar numa detenção do ICE", conta Karen Hoffmann, advogada na Filadélfia. "Estas pessoas estabeleceram vidas e negócios aqui. Além do sofrimento humano, será uma grande perda se forem deportadas."
Entre 2022 e 2023, na gestão Biden, a população detida pelo ICE aumentou em 40%, de 26 mil para 37 mil, com ligeiro crescimento posterior. Cerca de 9 mil brasileiros foram apreendidos no governo de Biden, entre 2021 e 2024, sobretudo por violarem a legislação migratória em Boston, lar de uma vasta comunidade brasileira.
De 192 países, o Brasil foi o décimo primeiro em deportados no governo Joe Biden, com 1,8 mil pessoas. Os dez primeiros são todos da América Latina e somaram 256 mil deportados.
Outros 2,9 milhões de imigrantes e requerentes de asilo foram expulsos nas fronteiras pelo Título 42, norma invocada por Trump em 2020 contra a Covid-19 e mantida por Biden até maio de 2023. A medida, inicialmente de saúde pública, tornou praticamente impossível pedir asilo nos Estados Unidos, permitindo a deportação rápida de migrantes que cruzam a fronteira irregularmente, sem nem analisar eventuais solicitações.
As deportações de brasileiros aumentaram depois que o governo de Michel Temer assinou um acordo com a primeira gestão Trump para facilitar a devolução ao Brasil de indocumentados sem chance de recurso nos EUA.
Em 2024, o Brasil rejeitou 8.799 pessoas que não tinham visto ou não atendiam outros requisitos migratórios e expulsou ou deportou outras 36, segundo a Polícia Federal (PF).
O Brasil não realiza deportações ou inadmissões em massa, nem freta voos para a devolução de estrangeiros. Eles são transportados em voos comerciais. O uso de algemas é excepcional para quando há risco à segurança do voo. (DW)
Assunto provocou atritos entre Trump e líderes religiosos
Antes de Donald Trump tomar posse, o papa Francisco disse que o plano de deportação de imigrantes ilegais seria uma "vergonha" se se concretizado. O líder da Igreja Católica afirmou que Trump ameaçava fazer "miseráveis que não têm nada pagarem a conta". Na última terça-feira, 11, com as medidas em execução, o papa foi mais duro e comprou briga com a Casa Branca.
Na última semana, o pontífice qualificou a política de deportações em massa de Trump como violação à dignidade humana. Em resposta, o chefe do governo americano para a fronteira, Thomas Homan, disse que o pontífice deveria cuidar "dos assuntos da Igreja Católica".
A crítica do papa foi registrada em uma carta aberta enviada aos bispos americanos. "Eu tenho acompanhado de perto a grande crise que está ocorrendo nos EUA com o início de um programa de deportações em massa", escreve Francisco na carta. "O que é baseado na força, e não na verdade sobre a igual dignidade de cada ser humano, começa mal e terminará mal", acrescenta. Foi a primeira vez que o papa falou abertamente no assunto após o início do governo do republicano.
Após a publicação da carta, o chefe da fronteira de Trump, Thomas Homan, respondeu ao papa em uma coletiva de imprensa concedida na Casa Branca. "Quero que ele cuide dos assuntos do Vaticano e deixe a fiscalização das fronteiras conosco", afirmou.
"Querem nos atacar porque garantimos a segurança de nossas fronteiras? Há um muro ao redor do Vaticano, certo? Não podemos ter um muro ao redor dos Estados Unidos", acrescentou.
Na carta, o papa reconhece "o direito de uma nação de se defender e de manter as suas comunidades a salvo daqueles que cometeram crimes violentos ou graves enquanto estavam no país ou antes de chegarem", mas diz que deportar pessoas em situação de vulnerabilidade "prejudica a dignidade de muitos homens e mulheres, e de famílias inteiras".
Segundo especialistas, o tom adotado pelo pontífice na carta difere de outras críticas do papa aos EUA. "Isso aumenta a intensidade do conflito (de relacionamento entre EUA e Vaticano)", disse Massimo Faggioli, professor de teologia na Universidade Villanova, na Pensilvânia.
Trump promoveu uma abordagem conservadora e religiosa durante a campanha eleitoral e tem membros católicos no seu governo, como o vice-presidente J.D. Vance.
No dia seguinte à posse, como é tradicional, o presidente participou de celebração na Catedral Nacional de Washington, liderada pela bispa Mariann Edgar Budde, da Diocese Episcopal de Washington. No discurso, a líder religiosa repreendeu Trump sobre os decretos que ele assinou contra pessoas LGBTQ e migrantes.
"Eu lhe peço que tenha misericórdia, senhor presidente", disse a bispa, que falou do "medo" que, segundo ela, é sentido em todo o país. Ela defendeu os trabalhadores estrangeiros que "podem não ser cidadãos ou não ter a documentação adequada (...) mas a grande maioria dos migrantes não é criminosa", argumentou.
Trump chamou a bispa de Washington de "desagradável" e exigiu pedido de desculpas. "É uma esquerdista radical que odeia Trump. Ela teve um tom desagradável, foi pouco convincente e pouco inteligente", escreveu o presidente em rede social.
Agência Estado e AFP
Direito de asilo é universal e prisão de migrantes é último recurso, diz ONU a Trump
A detenção de migrantes deve ser considerada um último recurso, disseram as Nações Unidas, depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o plano para deter milhares de migrantes sem documentos na prisão da Baía de Guantánamo.
Trump disse que havia ordenado a construção de um campo de detenção na Baía de Guantánamo para abrigar até 30 mil "estrangeiros criminosos ilegalmente presentes" em solo americano.
O porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Jeremy Laurence, enfatizou que é "fundamental respeitar a dignidade e os direitos de todos os indivíduos, independentemente de sua situação imigratória, e garantir que eles sejam tratados de acordo com as normas internacionais de direitos humanos".
"A detenção de migrantes deve ser usada apenas como último recurso e somente em circunstâncias excepcionais", acrescentou. "Independentemente de sua situação, os migrantes têm direitos e devem ser respeitados, onde quer que estejam", insistiu.
A ONU já havia defendido, em janeiro, que o direito ao asilo é "universalmente reconhecido", após Trump suspender todas as admissões de refugiados.
"Todos os Estados têm o direito de exercer jurisdição em suas fronteiras internacionais [mas] devem fazê-lo de acordo com suas obrigações de direitos humanos", disse a porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Ravina Shamdasani.
"O direito de buscar asilo é um direito humano universalmente reconhecido", enfatizou ela. (AFP)
Brasil
194.331 imigrantes chegaram ao Brasil em 2024
94.726 eram venezuelanos, contingente mais numeroso
Decisivos
Estima-se que 7,1 milhões de eleitores aptos a votar nas próximas eleições na Alemanha são imigrantes ou filhos de imigrantes - ou seja, um em cada oito eleitores alemães. O Partido Social-Democrata (SPD) tem maior potencial de receber os votos deles, enquanto cerca de 20% podem se ver votando na AfD
Em 16 anos, Estados Unidos deportaram 5 milhões de imigrantes
Dados do Departamento de Segurança Interna (DHS) dos Estados Unidos mostram, no entanto, que grandes números de remoções de estrangeiros do país são uma marca da política dos Estados Unidos nos últimos anos e não uma exclusividade do governo Donald Trump.
Nos últimos 16 anos, período que inclui dois mandatos do democrata Barack Obama, o primeiro mandato de Trump (Republicano) e a gestão de Joe Biden (Democrata), as remoções de imigrantes do país chegaram a cinco milhões de pessoas.
Nesse período de quatro gestões presidenciais, o maior número de remoções foi feito durante os governos de Obama, quando, em média, 380 mil imigrantes foram deportados através de ordens de remoção.
Em seus oito anos à frente da Casa Branca, Obama removeu cerca de três milhões de pessoas. Foi também durante o seu governo que houve o recorde anual de retirada forçada de imigrantes dos Estados Unidos: 432 mil em 2013.
O grande número de remoções em seus dois mandatos fez com que Obama fosse apelidado, por ativistas de direitos humanos, de Deporter-in-Chief (Deportador-chefe).
“Apesar da retórica humanista sobre o tema, a administração Obama alegou que a deportação era uma medida destinada apenas a imigrantes sem documentos de permanência e que cometeram crimes violentos. Todavia, a justificativa é questionável, inclusive pela quantidade de deportados”, afirma o professor de História da América, Roberto Moll, da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro.
Moll explica que Obama introduziu o Deferred Action for Childhood Arrivals (Daca) [Ação diferida para chegadas na infância] em 2012, um programa que permitiu que jovens imigrantes que entraram nos Estados Unidos sem documentos de permanência obtivessem permissões de trabalho e proteção temporária contra deportação.
Sucessor de Obama, Trump assumiu o governo em 2016, com a promessa de endurecer as ações contra a imigração ilegal, inclusive com a construção de um muro na fronteira com o México. Apesar da retórica, o republicano não superou as remoções promovidas durante a gestão do antecessor.
Segundo dados dos DHS, entre os anos fiscais de 2017 a 2020 (ou seja, de outubro de 2016 a setembro de 2020), período que o país foi majoritariamente presidido por Trump, houve 1,2 milhão de remoções.
“Entretanto, o governo Trump instaurou uma política de tolerância zero, que não estabeleceu nenhum critério baseado na criminalidade. Inclusive, separou famílias de imigrantes sem documentação de permanência e aprisionou crianças. O governo Trump tentou acabar com o Daca, mas foi derrotado na Suprema Corte. Durante a pandemia de Covid-19, recorreu aos códigos de saúde pública, conhecido como Title 42, para deportar rapidamente imigrantes na fronteira, sem permitir que solicitassem asilo, alegando que a medida era necessária para conter a disseminação do vírus”, destacou Moll.
Outra medida de Trump, segundo o professor, foi a Remain in Mexico [Permanecer no México], política de obrigar as pessoas em busca de asilo a esperar, no México, a análise do pedido e não em solo americano. “Isso gerou uma verdadeira crise na fronteira e nas cidades mexicanas de fronteira, com centenas de milhares de imigrantes acampados ou em condições precárias de espera”.
Em 2021, o partido democrata voltou ao poder, com o presidente Joe Biden. Apesar de não ter uma retórica anti-imigração tão contundente quanto Trump, o novo presidente manteve as remoções no patamar de mais de 100 mil por ano.
Sob Biden, as remoções de imigrantes cresceram ano após ano, passando de 85 mil em 2021 para 330 mil em 2024. No total, quase 700 mil pessoas foram removidas dos Estados Unidos nesses quatro anos.
No entanto, durante seus três primeiros anos à frente da Casa Branca, Biden manteve a política de barrar os imigrantes ainda na fronteira, com base em um artigo do código de saúde pública dos EUA (conhecido como Title 42). De outubro de 2020 a maio de 2023, (mês em que a deportação com base no Title 42 foi suspensa), 2,8 milhões de imigrantes foram impedidos de entrar no país.
Mas, segundo Moll, Biden trouxe avanços, entre eles a própria revogação das deportações com base nos códigos de saúde.
Mesmo antes de Obama, o número de deportações por presidentes americanos já superava os milhões. Em seus oito anos de governo (2001 a 2008), o republicano George W. Bush havia deportado cerca de dois milhões de imigrantes.
“O governo de W. Bush e os atentados terroristas de 11 de setembro trouxeram mudanças significativas para imigrantes, sobretudo aqueles sem documentos para entrar e permanecer nos Estados Unidos. Em função dos atentados, o governo W. Bush adotou políticas mais rigorosas para a imigração e incrementou a militarização da fronteira, processo que vem desde os anos 1980”, explica Roberto Moll.
Antes de Bush, Bill Clinton chegou a remover cerca de 870 mil imigrantes.
De acordo com dados do DHS, foram realizados 4,1 milhões de retornos de pessoas nos últimos 16 anos, ou seja, nas eras Obama, Biden e Trump (primeiro mandato). Isso sem contar os três milhões expulsos com base no código sanitário durante a pandemia (nos mandatos de Trump e Biden). Nos 16 anos de Bush e Clinton (1993 a 2008), foram promovidos 19,7 milhões de retornos.
Para a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carla Beni, o que diferencia Trump dos outros presidentes recentes é o seu discurso, que atribui ao imigrante o rótulo de “delinquente”. “Trump é profundamente midiático, ele vai governar os Estados Unidos como se fosse um reality show”.
Segundo o coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), Rubens Duarte, a rigidez contra os imigrantes ilegais não é nova, mas o que Trump fez foi transformar a situação em uma “caça às bruxas”.
“O Trump repete incessantemente alguns absurdos como associar os imigrantes a crimes, a insanidades. A gente não pode esquecer que ele, mais de uma vez, disse que os países do Sul, principalmente os sul-americanos, estavam enviando presidiários e pessoas que estavam em manicômios para os Estados Unidos. Chegou a dizer que os níveis de violência em alguns países latino-americanos caíram porque teriam enviado os criminosos daqueles países para os Estados Unidos”, finaliza.
Isolamento e incerteza, os sete meses em Guantánamo de uma migrante cubana
Uma cubana que fugiu de seu país em 2022 narra a incerteza e o isolamento que viveu durante os sete meses que passou na base naval de Guantánamo, que no início do mês começou a receber migrantes expulsos dos Estados Unidos.
Dez pessoas presas em solo americano chegaram a esta base no leste de Cuba na terça-feira, depois que o presidente Donald Trump ordenou que ela fosse aberta para abrigar 30.000 migrantes irregulares.
A instalação militar recebeu milhares de cubanos e haitianos que desejavam se estabelecer nos EUA na década de 1990. O jornal The New York Times informou em setembro que 37 migrantes passaram por ela entre 2020 e 2023.
Entre eles, Yeilis Torres, uma cubana de 38 anos, que reflete em uma entrevista telefônica de Miami com a AFP: "A coisa mais difícil que acontece na base é a incerteza, a espera deste processo tão longo", diz ela em um testemunho incomum.
Ela chegou em meados de 2022. A Guarda Costeira a resgatou quando estava à deriva há dias com outras 16 pessoas que tentavam chegar à costa da Flórida e que foram devolvidas a Cuba como os milhares interceptados no mar todos os anos.
Torres foi a única do grupo a obter "proteção política", citando o risco de retornar ao seu país.
Mas uma vez na base de Guantánamo, enfrentou dificuldades para falar com sua família e relatou nunca ter conseguido fazer contato com seu advogado.
"Eles nunca me deram a chance de falar com ele (advogado)", afirmou, reclamando da pouca informação que tinha sobre seus dois filhos pequenos.
- Asilo excepcional -
Entre os 21 migrantes com os quais conviveu em Guantánamo — 18 cubanos, dois haitianos e um dominicano —, Torres também conseguiu excepcionalmente asilo nos EUA, os demais foram forçados a aceitar refúgio em um terceiro país, como Canadá e Austrália.
Ela passou sete meses na base naval, outros quatro em um centro de detenção para estrangeiros irregulares em solo americano e três tribunais.
A base de Guantánamo, localizada desde 1903 em um território de 117 km2, abriga desde 2002 uma prisão onde os EUA mantêm centenas de prisioneiros acusados de terrorismo, incluindo membros da Al Qaeda.
Muito criticada por suas condições extremas de detenção, a prisão — cercada pelo mar de um lado e por minas antipessoais por outro — ainda mantém 15 pessoas detidas. O centro de detenção migratória é separado da prisão.
Ao chegar à base, "eles nos colocaram automaticamente em algemas e óculos de proteção pretos para que não pudéssemos ver nada", conta Torres.
Foram então transferidos para um centro de saúde e depois para um quarto na área de dormitórios. Em seguida, "começou o difícil processo" de entrevistas com funcionários do Departamento de Estado para convencê-los do risco de retornar ao seu país.
"Fiquei isolada por três dias. Há pessoas que estão ali isoladas nos quartos (...) por volta de três, quatro meses", diz a cubana que atualmente trabalha em uma fábrica de algodão.
Entre os detidos havia duas famílias com crianças e uma mulher grávida. Os menores enfrentavam condições particularmente difíceis, impedidos de ir à escola e conviver com outras crianças na base.
Torres explica que fugiu da ilha depois de passar 10 meses em uma prisão de Havana, acusada de tentativa de homicídio por confrontar um jornalista membro do comitê central do Partido Comunista Cubano.
Apesar da situação, ela se opõe ao fechamento do centro de detenção porque acredita que ele oferece às "pessoas que estão fugindo" de seu país uma chance de defender sua causa.
"Eles nos deram a oportunidade de trabalhar" recolhendo lixo na praia, além de receber uma bolsa para alimentação e produtos de higiene pessoal, diz Torres, que ainda espera se reunir com a família que deixou em Cuba. (AFP)
Brasil recebeu 194.331 migrantes em 2024
O Brasil registrou a chegada de 194.331 migrantes em 2024. Os venezuelanos lideram a lista de abrigados, com 94.726 pessoas recebidas pela Operação Acolhida. Os dados são da 8ª edição do Boletim da Migração, divulgado pela Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Segundo a pasta, a reunião familiar foi o principal motivo para as solicitações de abrigo no país, com 16.567 justificativas. Na sequência, vêm trabalho e investimentos, com 14.507 justificativas, e estudo, com 8.725.
Os pedidos para cumprir missão religiosa foram 2,3 mil; para fixar residência em fronteiras somaram 1.966 e receber acolhida humanitária 4.317.
Os dados mostram ainda que, no ano passado, foram pedidas 68.159 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, dos quais, 13.632 já foram concedidos; 24.887 foram extintos, 28.890 arquivados e 318 indeferidos.
“A Venezuela segue como principal nacionalidade entre refugiados reconhecidos (12.726), seguida por Afeganistão (283) e Colômbia (121)”, informa o boletim.
Em dezembro do ano passado entraram no país 5.837 venezuelanos. O principal ponto de entrada é Pacaraima, em Roraima. Na cidade e em Boa Vista, são ofertados atendimentos da Operação Acolhida, resposta humanitária que oferece suporte ao deslocamento voluntário, seguro e organizado de populações refugiadas e migrantes.
Segundo dados da operação, os venezuelanos que entraram no Brasil vivem, atualmente, em 1.026 municípios de todas as regiões do país. As cidades de Curitiba e Manaus são as que somam maior número de migrantes recepcionados pela operação.
No final de janeiro deste ano, as ações da operação chegaram a ser suspensas após a Organização Internacional para as Migrações (OIM), braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para atendimento de migrantes e refugiados, informar o bloqueio do repasse de verbas por 90 dias determinado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, no dia 26.
No dia seguinte, o governo federal se reuniu com representantes da organização para discutir o impacto da suspensão das atividades realizadas pela entidade no âmbito da Operação Acolhida. Na ocasião, foi definido que o governo executaria as ações da OIM.
“As autoridades brasileiras estão mobilizadas e seguem em tratativas para reduzir os impactos da ausência das equipes da OIM na operação logística e na gestão de abrigos. Entre as ações emergenciais estão a realocação de servidores das áreas de saúde, assistência social, da Polícia Federal e Defesa para manterem, em caráter emergencial, as atividades essenciais”, disse o MJSP em nota.
Segundo o ministério, o grande volume de pessoas migrando da Venezuela indica a necessidade de o “governo federal prosseguir com políticas voltadas à crise humanitária daquele país”.
Em relação aos brasileiros no exterior, os dados mostram que, até 2023, 4.996.951 cidadãos brasileiros viviam fora do país.
“As principais regiões de destino são a América do Norte (2,26 milhões) e a Europa (1,67 milhão). Os Estados Unidos seguem como o país com o maior número de brasileiros residentes (2,08 milhões), seguido por Portugal (513 mil)”, informou o ministério. (Agência Brasil)
Viver nas sombras, um risco para a saúde mental dos migrantes
"Viver nas sombras", temendo uma deportação, afeta a saúde mental dos migrantes, que pode se deteriorar, assim como a de seus filhos, devido às ameaças de operações de captura em massa de estrangeiros nos Estados Unidos, afirmam especialistas.
Durante a maior parte de suas vidas, os migrantes arcam com "instabilidade e incerteza", pois deixaram para trás seus entes queridos, afirma à AFP Susanna Francies, uma psicóloga especializada em migração com dez anos de experiência.
"Muitos migrantes sofrem traumas" e "se sentem que têm que permanecer nas sombras ou que não podem revelar seu status migratório, isso torna mais difícil para para eles terem acesso a tratamento de saúde mental", explica.
A incerteza disparou nas últimas semanas com a promessa do presidente Donald Trump de realizar deportações em massa. Uma angústia constante para muitos estrangeiros.
"Minha ansiedade aumentou muitíssimo", disse por telefone à AFP Alejandro Flórez, um venezuelano de 26 anos, que chegou em 2016 aos Estados Unidos.
- "Custo a dormir" -
Ele sente isso na dificuldade para conciliar o solo. "Custo a dormir. Desde a semana passada, quando dormi, foi durante três ou quatro horas por noite", conta.
"Eu não posso voltar para a Venezuela. Se voltar, me põem na prisão ou me matam porque protestei contra a ditadura", explica o jovem que pediu asilo há sete anos e está sob a proteção de um recurso migratório que dá permissão de residência e trabalho conhecido como o TPS (Status de Proteção Temporária).
Organizações de defesa dos migrantes temem que as ameaças de Trump gerem pânico e que os migrantes se escondam por medo das batidas policiais que, no caso das crianças, deixam marcas profundas.
Pesquisas realizadas pela ONG Centro de Direito e Política Social (Clasp) demonstram que "a simples ameaça de separação pode prejudicar o desenvolvimento de uma criança", afirmou sua diretora de imigração, Wendy Cervantes, em uma coletiva de imprensa.
"Quando um pai é deportado, as crianças que ficam para trás sofrem com má saúde física e mental, resultados acadêmicos ruins, assim como a insegurança alimentar e de moradia" e isto "pode durar anos", assegura.
Cervantes alerta para as consequências das operações em residências particulares.
"As batidas em casa costumam ser o pior pesadelo de uma criança transformado em realidade porque ocorrem tarde da noite, quando está dormindo, e incluem a entrada à força de agentes armados em sua casa para levar seus pais", explica.
A separação familiar também o preocupa.
O "czar da fronteira" Tom Honan chefiou o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) no primeiro mandato de Trump, durante o qual milhares de crianças foram separadas de suas famílias para desestimular a chegada de migrantes sem visto pela fronteira com o México.
"Especialistas em saúde confirmaram mais de uma vez que simplesmente não há uma forma segura de deter uma criança", afirma Cervantes.
- "Consequências duradouras" -
"Conheci crianças que foram separadas dos pais na fronteira" com o México "e [isto] tem consequências duradouras", confirma Susanna Francies.
"O czar da fronteira" não descartou reintroduzir os centros de detenção familiar e afirmou que os migrantes teriam a opção de deixar seus filhos nascidos nos Estados Unidos em solo americano ou serem expulsos com eles.
Cinco milhões de crianças americanas têm pelo menos um dos pais em situação irregular.
Enquanto isso, os migrantes vivem grudados nos meios de comunicação.
"Durante grande parte do dia, ficamos atentos ao que disseram agora, ao que vão fazer", admite Flórez.
O que os decretos de Trump significam para os imigrantes
A linha adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é clara: dificultar a imigraçãoe o refúgio, deportar pessoas sem documentos, fechar as fronteiras. E ele está fazendo isso por decreto. As ordens executivas, como esses decretos se chamam, permitem ao presidente dos EUA adotar medidas sem a aprovação do Congresso.
É verdade que Trump faz um uso extensivo desse meio, mas ele não é incomum nos EUA para adotar medidas urgentes ou concretizar leis existentes. Porém, as ordens executivas podem ser contestadas nos tribunais se forem consideradas inconstitucionais ou vistas como uma intromissão em prerrogativas dos estados. O Congresso também pode anulá-las. Entretanto, um presidente pode vetar a anulação, o que, por sua vez, só pode ser desfeito por uma maioria de dois terços no Congresso.
Estas são as principais ordens executivas de Trump sobre migração e seus obstáculos legais:
Trump anunciou que pretende deter até 30 mil migrantes irregulares criminosos na polêmica prisão americana de Guantánamo, em Cuba. Especialistas e organizações de direitos humanos expressaram preocupação com o decreto planejado por Trump e duvidam que ele consiga aplicá-lo no longo prazo.
"A decisão do presidente Trump de usar Guantánamo — um símbolo global e também um local de inexistência da lei, de tortura e de racismo — para abrigar imigrantes deve deixar todos nós horrorizados", disse Vince Warren, diretor da ONG americana Centro para Direitos Constitucionais, que defende as liberdades civis e os direitos humanos. Warren chamou os planos de Trump de um ataque autoritário aos direitos humanos.
A ordem executiva envia uma mensagem clara: "Migrantes e solicitantes de refúgio estão sendo apresentados como uma nova ameaça terrorista, que merece ser despejada numa ilha-prisão e excluída dos serviços e ajudas sociais e legais".
No momento, o exclave é usado apenas ocasionalmente para migrantes detidos no mar. No ano passado, a organização de direitos humanos Direitos dos Refugiados também se queixou das condições desumanas nas instalações existentes para migrantes.
Os EUA abriram a prisão militar de Guantánamo em 2002 como parte de sua guerra contra o terrorismo após os ataques de 11 de setembro de 2001. Guantánamo logo se tornou um símbolo de excessos e arbitrariedade na luta contra o terrorismo, incluindo tortura.
Ainda há 15 homens detidos lá, incluindo o principal acusado de planejar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, Khalid Sheikh Mohammed.
Trump assinou um decreto para abolir o direito à cidadania por nascimento para filhos de imigrantes ilegais ou com status temporário nos EUA. Até agora, toda pessoa nascida em solo dos Estados Unidos era automaticamente um cidadão dos EUA. Esse direito foi definido pela 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos em 1868 e confirmado pela Suprema Corte em 1898 no caso conhecido como Estados Unidos contra Wong Kim Ark.
Assim, como era de esperar, a contestação legal ao decreto não demorou, e Trump sofreu sua primeira derrota num tribunal apenas alguns dias após assiná-lo. Um juiz federal do estado de Washington bloqueou o decreto do presidente com o argumento de que ele era "flagrantemente inconstitucional". Ele acrescentou que, em suas mais de quatro décadas como juiz, não se lembrava de ter tido um caso "tão claro como este".
Mais de 20 estados, incluindo Califórnia, Nova York, Illinois e Washington, entraram com ações judiciais contra o decreto de Trump, assim como várias organizações de direitos civis, incluindo a American Civil Liberties Union (ACLU). Esses casos podem acabar na Suprema Corte. É incerto como ela poderia interpretar a constituição, pois a atual Suprema Corte, devido a nomeações feitas por Trump durante seu primeiro mandato, está bem mais inclinada para a direita.
Trump também declarou emergência nacional na fronteira com o México. Isso lhe permite usar fundos sem a aprovação do Congresso e mobilizar militares. Além disso, o Departamento de Segurança Interna foi instruído a tomar todas as medidas necessárias para deportar migrantes sem documentos. Os migrantes não registrados devem ser identificados.
Para declarar emergência por decreto, Trump está invocando uma lei que obriga o governo federal a proteger os estados de uma invasão — é assim que o presidente dos EUA descreve a entrada de migrantes pela fronteira sul. No entanto, advogados constitucionalistas criticam essa interpretação, pois o termo tradicionalmente se refere a invasões militares.
Trump já havia declarado uma emergência nacional na fronteira sul com o México em 2019, durante o primeiro mandato dele. Ele queria garantir fundos para a construção de um muro fronteiriço depois que o Congresso se recusou a financiar. A então medida foi polêmica e foi interpretada por alguns como uma violação da separação de poderes e um abuso do Poder Executivo.
Trump ainda depende da cooperação dos estados e das autoridades locais para encontrar e deportar imigrantes irregulares. E alguns deles estão atualmente se recusando a cooperar com as autoridades federais.
A aplicação rigorosa das leis de imigração poderia prejudicar as relações comunitárias e comprometer a segurança pública, segundo o argumento.
Trump suspendeu por 90 dias o programa de refúgio dos EUA. A ordem executiva determina que nenhum novo pedido seja aceito e que os procedimentos em andamento sejam suspensos. A suspensão do programa deixou milhares retidos no lado mexicano da fronteira.
Essa medida também pode resultar em ações judiciais pelos estados e por organizações de direitos humanos. E pode ainda entrar em conflito com obrigações internacionais assumidas pelos Estados Unidos.
As Nações Unidas alertaram os EUA, que são signatários da Convenção de Genebra sobre Refugiados, para o direito "universalmente reconhecido" ao refúgio. Embora os países tenham o direito de exercer sua soberania ao longo de suas fronteiras externas, eles devem fazê-lo "conforme sua obrigação de respeitar os direitos humanos", explicou Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Autor: Ines Eisele/DW
Por que região de Minas Gerais se tornou exportadora de migrantes para os EUA
O leste de Minas Gerais é um dos principais polos de exportação de imigrantes brasileiros para os Estados Unidos. Embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha endurecido a política migratória, essa mudança não deve ter grande impacto no influxo clandestino de brasileiros, avaliam especialistas e autoridades. E o sonho americano continua em alta na região de Governador Valadares.
"Há uma demanda das pessoas que querem tentar a vida nos Estados Unidos. Tentam entrar de forma legalizada, a princípio, mas não conseguem o visto de trabalho e terminam caindo nas redes criminosas. Por isso não acho que uma política migratória mais dura vai ser capaz de frear essa demanda. Na verdade, vai aumentar a clandestinidade", diz o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Alexandre Chaves, que investiga o contrabando de imigrantes.
O epicentro dessa exportação de imigrantes no país são cidades do interior mineiro, como Sobrália, São Geraldo da Piedade e Fernandes Tourinho. Elas lideram o ranking do IBGE entre os municípios de onde mais saem brasileiros rumo aos Estados Unidos, em relação ao tamanho da população. A lista de 2010 desconsidera as capitais. As três cidades estão no entorno de Governador Valadares — local de onde partiram os primeiros imigrantes brasileiros que foram para os EUA.
Ao longo de mais de 60 anos, o intercâmbio cultural e econômico consolidou entre a população valadarense a ambição de perseguir o sonho americano. "O contato com quem foi para lá, esse movimento migratório criou essa ideia de que nos Estados Unidos é possível realizar grande parte dos sonhos, independente das políticas e das condições, sempre vai existir esse sonho de que lá é possível ter uma melhora na qualidade de vida", explica Sueli Siqueira, socióloga da Universidade Vale do Rio Doce (Univale).
As marcas da exaltação dessa cultura de imigração estão espalhadas por Governador Valadares: desde uma estátua de um homem com uma mochila nas costas na praça do Emigrante, até outdoors em apoio às campanhas de Donald Trump ou Kamala Harris à presidência dos Estados Unidos.
Um dos empreiteiros americanos que fundou o primeiro Rotary Club da cidade e impulsionou o intercâmbio de pessoas, Mister Simpson, dá nome a um viaduto.
A relação entre Washington e Governador Valadares se estreitou durante a Segunda Guerra Mundial com a instalação de empresas americanas na cidade, que empregavam moradores locais na extração e beneficiamento da mica — minério que era usado como isolante térmico para aviões de combate e submarinos. Para escoar essa produção aos países do Eixo, o então presidente Getulio Vargas firmou acordos com os Estados Unidos, os quais previam que empreiteiros americanos reformassem a estrada de ferro que corta a região.
A extração da mica proporcionou um período de rápido crescimento econômico, com a abertura de negócios paralelos como siderúrgicas e serrarias, além de levar ao crescimento da população, que saltou de 80 mil, em 1960, para 124 mil, em 1970. No entanto, uma vez que a pujança estava baseada na extração de recursos naturais, a economia entrou em declínio com a devastação da floresta e da redução da capacidade do solo.
Com o declínio econômico, a população da cidade passou a emigrar em busca de alternativas de trabalho e os Estados Unidos se tornam uma rota possível. "Queriam trabalhar, juntar uma poupança, retornar e abrir um negócio ou construir uma casa em Governador Valadares", explica o historiador da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) Haruf Espíndola.
"A busca por alternativas de trabalho, combinada com o dólar valorizado favoreceu a imigração." Ondas migratórias O contato com o modo de vida americano, fosse por meio de empregadores, conterrâneos que fizeram intercâmbio ou pela música e cinema atraíram os valadarenses para os Estados Unidos.
Segundo Sueli Siqueira, a migração ocorreu em ondas. Os primeiros mineiros a desembarcar no país em 1964 foram chamados para trabalhar a convite dos empreiteiros que tinham atuado no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Essa primeira leva de imigrantes acumulou riqueza e retornou ao Brasil.
A segunda fase foi nos anos 1980. "Houve um boom migratório", afirma Siqueira. Na época, mineiros da classe média que perderam o emprego e sofriam com a crise econômica no Brasil fizeram a travessia e foram alocados no mercado de trabalho secundário, sobretudo nas cidades de Massachusetts, Nova York e Nova Jersey.
Esses valadarenses passaram a abrir negócios nos Estados Unidos e enviar dólares para Governador Valadares. As remessas tiveram um impacto na economia local. "Isso aqueceu o mercado imobiliário, multiplicou as casas de câmbio e dolarizou a economia local, já que muitos negócios passaram a ser feitos em dólar", diz Espíndola.
O valadarense Adelson Geber emigrou em 1988 e morou em Massachussetts por cerca de dez anos. O objetivo era juntar dinheiro para comprar um imóvel em Governador Valadares. "Quando eu cheguei lá vi que a coisa não era do jeito que a gente traçava aqui. O trabalho era pesado", conta. Na volta, conseguiu construir a casa onde hoje mora com a família.
Nos anos 2000, há uma nova fase: quem não conseguiu visto para entrar nos Estados Unidos recorre à migração clandestina. A viagem por vezes é patrocinada por empregadores, e o imigrante precisa devolver o investimento com trabalho.
Com esse movimento, o contrabando de pessoas se tornou um negócio rentável em Governador Valadares. O procurador Alexandre Chaves ressalta que fazendeiros, empresários e políticos lideram redes agenciadores na cidade, e são conhecidos como "coiotes".
"Quem decide por si próprio tomar a iniciativa de ir a outro país em busca de oportunidades não é criminalizado no Brasil, mas esse fenômeno deu margem para o surgimento desse negócio que facilita esse acesso de forma clandestina, por meio de empresas de fachada.
Para se ter uma noção do potencial financeiro, é um esquema que chega a concorrer com o tráfico de drogas e armas", afirma. Em junho, a Polícia Federal prendeu três suspeitos em uma operação contra o contrabando de 448 imigrantes para os Estados Unidos.
A corporação aponta que o grupo movimentou R$ 59,5 milhões com o esquema. Em geral, os agenciadores cobram cerca de 20 mil dólares (R$ 115 mil) para viabilizar a travessia, que começa com uma viagem de avião até países da América Central, como México Nicarágua, Guatemala e El Salvador, e depois o trecho até a fronteira é completado de carro.
"Eles embarcam com visto de turista, e depois ficam sujeito a todo tipo de violência, física e até sexual, sem acesso a comunicação e alimentação adequada, em alojamentos precários. Nesse esquema de cai-cai, depois de burlar a polícia de fronteira, usam menores idade e alegam ser da mesma família para serem acolhidos no país e não serem deportados de imediato", explica o procurador.
Um coiote contatado pela DW confirmou que o dinheiro pago pelos imigrantes é usado para subornar agentes no consulado do México, para viabilizar a emissão de vistos, e também policiais na fronteira, para permitir a entrada nos Estados Unidos.
Em 2021, Gilcimar contratou um coiote e fez a travessia clandestina com a mulher e dois filhos. A família teve de passar por debaixo do muro e atravessar uma cerca de arame para chegar aos Estados Unidos, quando foram presos pela polícia de imigração. Agora, eles esperam o resultado do processo judicial para legalização.
"A travessia coloca a vida em risco. Se fosse para vir hoje, talvez não viria, sabendo como é", afirma Gilcimar. "No Brasil, as coisas estavam complicadas, não conseguiríamos realizar nossos sonhos. Já conseguimos alguns documentos e podemos trabalhar."
Autores: Jéssica Moura, Maurício Cancilieri/DW
CDU quer aplicar plano anti-imigração de Merz logo após eleições
Apesar dos protestos em massa em toda a Alemanha e de pesadas críticas de suas próprias fileiras, o partido conservador União Democrata Cristã (CDU) planeja a implementação imediata do controverso plano anti-imigração proposto pelo líder do partido, o candidato a chanceler nas próximas eleições gerais, Friedrich Merz, caso a legenda saia vencedora no pleito.
No fim de janeiro, Merz apresentou uma moção e um projeto de lei anti-imigração no Bundestag (Parlamento), com o apoio do Partido Liberal Democrático (FDP), da legenda populista de esquerda Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) e, notavelmente, da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD).
Os partidos aprovaram a moção não vinculativa. Apesar da onda de repúdio gerada pela aprovação, Merz decidiu forçar a votação da proposta chamada Lei do Fluxo Migratório, que acabou sendo rejeitada pela maioria dos parlamentares.
Os principais pontos do plano de migração de Merz são o estabelecimento de controles permanentes de fronteira, a rejeição de migrantes nas fronteiras e a prisão por tempo indeterminado para criminosos e indivíduos perigosos que estejam sob ordens da Justiça para serem deportados.
A proposta da CDU prevê ainda a interrupção da reunificação familiar para os refugiados que têm direito à proteção no país e mais poderes para a Polícia Federal alemã.
Multidões saíram às ruas em várias cidades do país no começo de fevereiro em protesto contra o fim do "cordão sanitário" que isolava a AfD no Bundestag, após Merz e a CDU aceitarem de forma inédita o apoio dos ultradireitistas a suas propostas anti-imigração.
O chamado "programa de ação imediata" deverá ser adotado pelos 1.001 delegados para ser implementado logo após a possível vitória dos conservadores nas eleições de 23 de fevereiro.
Garanto aos eleitores na Alemanha que haverá uma verdadeira reviravolta na política econômica e de asilo", afirmou Merz em entrevista ao jornal alemão Bild am Sonntag. "Precisamos de uma mudança na política rumo ao crescimento e ao emprego. Precisamos de uma mudança de política no sentido de limitar rigorosamente o fluxo de requerentes de asilo. E precisamos de uma mudança na política em relação à segurança interna na Alemanha", disse o candidato.
A cooperação entre a CDU, a União Social Cristã (CSU) – legenda conservadora coirmã da CDU na Baviera – e a AfD renderam duras críticas dos governistas Partido Social-Democrata (SPD) e Partido Verde a Merz e seus apoiadores.
O chanceler federal e candidato à reeleição nas eleições gerais, Olaf Scholz, do SPD, acusou Merz de fracassar em sua abordagem à política de asilo. "Ele apostou e perdeu. Mas o que é muito pior é que ele apostou", disse Scholz em entrevista à emissora estatal ARD.
Ele acusou seu adversário de "quebrar o tabu de que não se deve cooperar com a extrema direita".