Tentativas de ruptura institucional advindas de um ex-presidente da República e do entorno dele colocaram sob risco o Estado Democrático de Direito do Brasil. A recente denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro (PL) e aliados reforçou o que relatório da Política Federal já revelava: a extensão de uma articulação golpista que testou os limites das instituições democráticas.
Na trama, o desejo de poder de um grupo político que comandou o País durante quatro anos esteve sobreposto ao desejo da maioria do povo, principal agente desse tipo de governo. A denúncia da PGR, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), mostrou que os primeiros não tinham disposição para aceitar o resultado das eleições de 2022 – que deu a Bolsonaro a pecha de primeiro presidente da República a tentar reeleição e não conseguir desde 1997, quando foi permitida pela legislação brasileira.
Especialistas ouvidos pelo O POVO apontam que a fragilidade democrática é uma constante e que, por essa razão, ela não é imune a ameaças. “A denúncia é muito importante, porque dá o seguimento processual normal à apuração da tentativa de golpe de Estado. Ela é o encadeamento do devido processo legal e ganha em importância mais ainda, porque se trata de um processo especial por ter o peso da defesa da democracia brasileira”, resume Martonio Mont'Alverne, doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt.
Segundo ele, que também é professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), “a democracia nunca é uma garantia eterna. Ela sempre corre risco, mas o Brasil respondeu muito bem” à tentativa de rompimento da normalidade democrática.
Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e colunista do O POVO, Juliana Diniz pondera que a fragilidade da democracia é latente, fazendo com que a potencialidade de golpe de Estado esteja sempre no horizonte. Contudo, a probabilidade de uma tentativa depende do quão forte é a cultura democrática enraizada no imaginário das pessoas.
“A democracia é uma forma de governo que ao mesmo tempo é extremamente importante, mas é para sempre frágil, porque ela exige um exercício permanente de virtudes fundamentais como a tolerância e o respeito à legalidade e à institucionalidade. E isso sempre depende do florescimento de uma cultura política na sociedade inteira, por meio da qual as pessoas entendam que a melhor forma de se organizar politicamente é através da democracia”, analisa Diniz, que também é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Ela considera que, apesar do risco que correu, Brasil sai desse episódio mais amadurecido e com seu modelo de governo fortalecido. “Embora a gente, de fato, observe que nós tencionamos muito intensamente os limites da normalidade no contexto de condução do mandato do presidente Jair Bolsonaro ao mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)”, complementa.
Entre as ameaças que sujeitam a democracia a novas tentativas de ruptura institucional, Mont'Alverne considera três principais situações. “A disposição de um considerável grupo de apoio de Bolsonaro em não acatar a decisão do STF; a convocação de manifestações contra o Poder Judiciário para 16 de março; e, sobretudo, a tentativa de anistiar os depredadores do 8 de janeiro de 2023”.