Os governos de Brasil e Estados Unidos são francamente antagônicos. Antes da eleição de Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o associou ao nazismo e fascismo. Após a posse do novo dirigente da Casa Branca, houve aumento da tributação sobre aço e alumínio e reclamação direcionada ao Brasil sobre taxações em excesso. Porém, o maior motivo de atrito até agora entre os dois países desde a mudança de governo envolve gigantes da tecnologia — as chamadas "big techs".
As manifestações a partir dos Estados Unidos estão em sintonia com forças de extrema-direita que são oposição no Brasil e se articulam com membros da administração Donald Trump. Mas, há outro componente crucial.
A regulação das big techs é pauta pelo mundo, em particular na União Europeia, na Austrália, na Nova Zelândia e no Canadá. É provável que em nenhum lugar se tenha passado da discussão tão rápido, e com tanta energia, quanto no Brasil. Embora a tramitação não tenha avançado no Poder Legislativo, o Poder Judiciário tem tido protagonismo nas decisões. Para as big techs, tornou-se importante combater, deslegitimar e evitar que a postura do Estado brasileiro influencie outros lugares.
Outro componente, de natureza ainda mais política, tem relação com o fato de estarem em tramitação na Justiça brasileira processos para punir responsáveis pela invasão aos três poderes em 8 de janeiro de 2023, e por um plano de golpe que teria objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nos Estados Unidos, Trump concedeu perdão presidencial a invasores do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Passa a ser simbolicamente relevante, do ponto de vista da Casa Branca, classificar de autoritário o processo que se passa no Brasil, para além de serem alvos aliados brasileiros de Trump.
Na última quarta-feira, 26, o Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou projeto de lei criado para impedir o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de entrar no País. A proposta será votada em plenário pelos deputados americanos. O comitê, espécie de Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) dos EUA, também intimou oito big techs a fornecerem informações sobre possíveis interferências de governos estrangeiros. Segundo o presidente do comitê, Jim Jordan, eles estariam censurando as empresas.
As companhias Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Rumble, TikTok e X deverão detalhar como autoridades estrangeiras podem estar "limitando o acesso dos americanos" a discursos legais no País, além de esclarecer qual teria sido o envolvimento do governo do ex-presidente Joe Biden e da ex-vice-presidente Kamala Harris nesse contexto.
No documento às plataformas, Jordan afirma que Moraes emitiu ordens "secretas e arbitrárias" para forçar empresas dos EUA a removerem "grandes volumes de conteúdo, sob pena de multa e banimento do país". O congressista classificou tais medidas como "agressivas" e parte de um esforço para "suprimir opiniões indesejadas nas redes sociais" por meio de regulamentação.
Ele acrescentou que algumas empresas já vêm alertando sobre os riscos do que chamou de "censura estrangeira" para a liberdade dos americanos. "O X tem resistido a ordens judiciais arbitrárias no Brasil e na Austrália que exigem a remoção global de conteúdo. Da mesma forma, a Meta destacou recentemente a necessidade de 'enfrentar governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura', algo que reconheceu exigir 'o apoio do governo dos EUA'".
No mesmo dia, o Departamento de Estado dos EUA criticou o bloqueio de redes sociais pelo Brasil e classificou as decisões de "censura". O órgão, equivalente ao Ministério das Relações Exteriores, afirmou que tais ações são "incompatíveis com os valores democráticos". A publicação foi compartilhada pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.
"O respeito à soberania é uma via de mão dupla com todos os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil. Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos Estados Unidos por se recusarem a censurar pessoas que vivem nos EUA é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão", diz o texto publicado no perfil do Escritório do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado.
O governo brasileiro divulgou nota com crítica ao posicionamento dos Estados Unidos. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil disse que o governo recebeu "com surpresa" a manifestação e rejeita, "com firmeza, qualquer tentativa de politizar decisões judiciais e ressalta a importância do respeito ao princípio republicano da independência dos poderes, contemplado na Constituição Federal brasileira de 1988".
"A manifestação do Departamento de Estado distorce o sentido das decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos efeitos destinam-se a assegurar a aplicação, no território nacional, da legislação brasileira pertinente, inclusive a exigência da constituição de representantes legais a todas as empresas que atuam no Brasil. A liberdade de expressão, direito fundamental consagrado no sistema jurídico brasileiro, deve ser exercida, no Brasil, em consonância com os demais preceitos legais vigentes, sobretudo os de natureza criminal", diz a nota do Itamaraty.
O ministério ainda cita que o "Estado brasileiro e suas instituições republicanas foram alvo de uma orquestração antidemocrática baseada na desinformação em massa, divulgada em mídias sociais".
"Os fatos envolvendo a tentativa de golpe contra a soberania popular, após as eleições presidenciais de 2022, são objeto de ação em curso no Poder Judiciário brasileiro", completa.
Na semana anterior, a rede social criada por Donald Trump, Truth Social, e a plataforma de vídeos Rumble entraram com um pedido de liminar em tribunal dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O pedido buscava impedir ordens emitidas pelo ministro, sob o argumento de que elas "violam a soberania americana, a Constituição e as leis dos Estados Unidos". Elas também disseram que Moraes ameaçou processar criminalmente o CEO do Rumble, Chris Pavlovski.
No último dia 25, a liminar às duas big techs foi negada na Justiça dos Estados Unidos. Para a juíza Mary Scriven, não há nenhuma determinação para que as decisões judiciais assinadas por Alexandre de Moraes para suspender perfis de redes sociais sejam cumpridas nos Estados Unidos.
Na sexta-feira, 21, Moraes havia determinado a suspensão do Rumble no Brasil por tempo indeterminado, até que a plataforma cumprisse as ordens judiciais dadas e o pagamento de multas. Isso porque antes ele ordenara que a empresa indicasse representantes legais no País.
O STF já definiu que plataformas estrangeiras precisam constituir representantes no Brasil para receber intimações e responder pelas empresas. O STF não conseguiu intimar o Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil.
Moraes também determinou que a rede social X, o antigo Twitter, de Elon Musk, fizesse o pagamento imediato da multa de R$ 8,1 milhões aplicada contra a empresa em outubro do ano passado. Ele decidiu pelo pagamento da multa após o X deixar de retirar do ar o perfil do blogueiro Allan dos Santos, depois da divulgação de conversas falsas atribuídas a uma jornalista.
Na quarta-feira passada, 26, mesma data em que o Comitê Judiciário aprovou a lei contra Moraes e o Departamento de Estado criticou o que considera censura no Brasil, o governo Lula estava representado em reunião por videoconferência com Colômbia, Chile, Uruguai e Espanha. Houve concordância em em combater a desinformação nas redes sociais, que "alimenta o extremismo e a polarização", destacaram. Os países "traçaram ações conjuntas para enfrentar a desigualdade, desinformação e o uso malicioso das redes sociais e de outras tecnologias digitais", informou o comunicado conjunto.
Com Agência Estado, Agência Brasil e AFP
Moraes é alvo na Justiça dos Estados Unidos
A plataforma de vídeos Rumble e a Trump Media, empresa de Donald Trump, entraram na Justiça dos Estados Unidos acusando o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de violar a soberania americana. A ação judicial conjunta tramita em um Tribunal de Justiça federal sediado na Flórida.
Segundo as empresas, Moraes violou a legislação americana ao ordenar à Rumble a suspensão da conta do blogueiro Allan dos Santos. Foragido da Justiça brasileira, ele tem um mandado de prisão preventiva contra si por propagação de desinformação e por ofensas a ministros da Suprema Corte. Um pedido da Justiça brasileira para a extradição de Allan dos Santos foi negado pelo governo americano em março do ano passado.
No início de fevereiro, dia 9, a plataforma de vídeos foi notificada sobre a decisão de bloqueio do perfil de Allan do Santos, sob pena de multa diária no valor de R$ 50 mil por descumprimento. Os advogados da empresa informaram ao STF que não poderiam receber ofícios desse teor e renunciaram à atuação nos casos envolvendo a plataforma no último dia 17.
A Trump Media se aliou à Rumble na ação, argumentando que também é prejudicada com a restrição das operações da Rumble no Brasil, pois a plataforma de vídeos fornece à Trump Media serviços necessários à manutenção da rede social Truth Social.
No dia 21, Moraes deu o prazo de 48 horas para que a plataforma de vídeos indicasse um representante legal no País, além de regularizar sua situação cadastral nos órgãos competentes, como a Junta Comercial, como determina a legislação. Como a empresa não cumpriu a ordem judicial, a Rumble foi bloqueada no território nacional por tempo indeterminado, até que cumpra as determinações do magistrado e pague as multas.
Esta não foi a primeira vez que a plataforma foi suspensa no País. Em dezembro de 2023, após se recusar a cumprir ordens judiciais para remover conteúdos considerados ilícitos pela Justiça brasileira, a Rumble foi temporariamente suspensa. Ela só voltou a operar em fevereiro e, agora, antes de terminar o mês, foi novamente bloqueada.
No sábado, 22, as empresas fizeram mais um movimento contra Moraes, ao entrarem com um pedido de liminar em um tribunal dos Estados Unidos para impedir ordens emitidas pelo ministro, que foi rejeitado pela Justiça.
Na decisão, a juíza Mary Scriven não analisou o mérito da ação, argumentando que as decisões do ministro não se aplicam nos EUA e que não houve qualquer tentativa de impor seu cumprimento em território americano.
Agência Estado
Entenda em 4 pontos as ações de Rumble e Trump Media contra Moraes
O ministro Alexandre de Moraes está sendo processado nos Estados Unidos, em uma ação conjunta de duas empresas da área de comunicação: a plataforma de vídeos Rumble, e a rede social do presidente americano Donald Trump, a Truth Social, da Trump Media.
O ministro ordenou que a Rumble suspendesse a conta do blogueiro Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira desde 2021. O STF não conseguiu intimar a Rumble porque a empresa não tem um responsável no Brasil.
As duas plataformas alegam que as decisões de Moraes representam violações à liberdade de expressão. No sábado, as duas empresas apresentaram um pedido liminar contra o ministro, alegando que suas decisões "violam a soberania americana, a Constituição e as leis dos Estados Unidos". As empresas também disseram que Moraes ameaçou processar criminalmente o CEO do Rumble, Chris Pavlovski, que na última semana provocou o ministro nas redes sociais.
Para especialistas em direito internacional ouvidos pela reportagem, o processo é estranho às regras usuais do direito entre nações. O que, na prática, pode inviabilizar a tramitação do processo. Ainda que a ação seja levada adiante, sua conclusão jurídica pode ser nula, ou seja, não ter efeitos práticos. Por outro lado, na esfera simbólica, a ação contra o magistrado brasileiro provoca desdobramentos desde já.
Agência Estado
O que diz o projeto aprovado que tem Moraes como alvo
Com nome de "No Censors on our Shores Act" (algo como "Sem Censura em nosso Território"), o projeto aprovado no Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos prevê que autoridades estrangeiras que atuarem contra liberdade de expressão de cidadãos americanos sejam impedidas de entrar nos Estados Unidos ou possam ser deportados.
O texto estabelece que autoridades estrangeiras que atuarem contra liberdade de expressão de cidadãos americanos sejam impedidas de entrar no País ou deportadas.
Os autores da proposta, os deputados republicanos María Elvira Salazar e Darrell Issa, já criticaram diretamente as decisões de Alexandre de Moraes e se referiram a ele como "aplicador da censura". Salazar inclusive exibiu foto do ministro ao criticá-lo em discurso na Câmara.
"O juiz da Suprema Corte do Brasil Alexandre de Moraes é a vanguarda de um ataque internacional à liberdade de expressão contra cidadãos americanos como Elon Musk", disse ela em comunicado à imprensa. O projeto foi apresentado em setembro do ano passado, pouco depois da rede social X ter sido bloqueada no Brasil por determinação do ministro, por se recusar a apontar um representante em território nacional. Mais recentemente, decisões semelhantes foram aplicadas à plataforma de vídeos Rumble.
Agência Estado
Musk pergunta se Moraes tem bens nos EUA e conversa com bolsonarista sobre sanções
Dono da plataforma X (antigo Twitter) e secretário de Eficiência Governamental dos Estados Unidos no governo de Donald Trump, Elon Musk especulou nesta terça-feira, 25, sobre possíveis sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em ação conjunta movida pela plataforma de vídeos Rumble e pela Trump Media, empresa do presidente americano, Moraes é acusado de violar a soberania americana ao ter solicitado a suspensão da conta do blogueiro Allan dos Santos da Rumble.
Em postagem no X, Elon Musk respondeu a uma publicação do influenciador Mario Nawfal que reproduzia declaração do ministro do STF sobre as big techs. O magistrado afirmou nesta segunda-feira, 24, durante uma aula magna na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que as plataformas "não são enviadas de Deus" e fazem "lavagem cerebral" nos eleitores.
"Moraes não tem bens nos Estados Unidos?", perguntou o empresário. O blogueiro bolsonarista Paulo Figueiredo respondeu que sanções poderiam ser aplicadas ao ministro mesmo que ele não tenha propriedades em território americano.
"Uma vez que ele seja incluído na lista SND do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros, todas as instituições financeiras imediatamente fecham a conta bancária dele, inclusive no Brasil, para que não sejam alvo de sanções secundárias. O presidente Trump pode fazer isso a qualquer momento, a seu critério, através da Lei Magnitsky", escreveu Figueiredo.
Assim como Allan dos Santos, Paulo Figueiredo é alvo de decisões de Alexandre de Moraes e está foragido nos Estados Unidos. Ele também é um dos 34 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe de Estado.
A lei Magnitsky, mencionada por ele, autoriza o presidente dos EUA a impor sanções econômicas e negar entrada em território americano de pessoas acusadas de corrupção ou violação de direitos humanos.
O dispositivo se aplica a pessoas que o presidente determine que foram responsáveis "por execuções extrajudiciais, tortura ou outras violações graves dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos" ou, então, "um oficial de governo estrangeiro responsável por atos de corrupção significativa".
Já a lista SND do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros [Specially Designated Nationals and Blocked Persons List, da Office of Foreign Assets Control (OFAC), em inglês], segundo o site da OFAC, contém indivíduos e entidades que têm seus ativos bloqueados. Cidadãos e empresas dos EUA são proibidos de fazer negócios com alguém que integra a lista.
A ação judicial conjunta contra o ministro Alexandre de Moraes tramita em um Tribunal de Justiça federal sediado na Flórida e foi noticiada no Brasil no último dia 19.
Na última sexta-feira, 21, Moraes deu um prazo de 48 horas para que a plataforma de vídeos indicasse um representante legal no País e regularizasse sua situação cadastral nos órgãos competentes, como a Junta Comercial - como determina a legislação. Como a empresa não cumpriu a ordem judicial, a Rumble foi bloqueada no território nacional por tempo indeterminado, até que cumpra as determinações do magistrado e pague as multas aplicadas.
No sábado, 22, Rumble e Trump Media apresentaram um pedido liminar contra o ministro para impedir ordens emitidas pelo ministro.
Na sexta-feira, Moraes desativou a conta no X. A informação foi confirmada pela assessoria do STF, que disse que o magistrado já não a utilizava desde janeiro de 2024.
Agência Estado