Um cearense demarcou o seu lugar na folia carioca ao se tornar rei de bateria. Juarez Souza começou como maquiador, há 20 anos, marcando importantes momentos de noivas, formandas e debutantes, mas se apaixonou também pelo Carnaval.
Em 2008, Juarez começou a participar de desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. Nos últimos anos, foi alçado para o posto de rei de bateria da Acadêmicos de Niterói.
Em paralelo ao amor pelo Carnaval, Juarez cursou Medicina, e hoje equilibra o samba, a profissão de maquiador e o atendimento a pacientes. Ele comparticipou de entrevista no programa Pause O POVO, com o colunista Clóvis Holanda.
O POVO - Como começou a sua relação com
o Carnaval do Rio de Janeiro?
Juarez Souza - Eu acho que todas as histórias começam dentro de casa. E eu tive uma grande influência, que foi da minha bisavó. Ela é uma das pessoas mais importantes da minha vida, que infelizmente, hoje já não está mais aqui, mas a minha bisavó me levava para o Centro de Fortaleza para assistir a um antigo corso. Não sei se as pessoas nem sabem o que é isso hoje, na (avenida) Domingos Olímpio, eu amava o Carnaval. A gente estava lá à tarde assistindo isso, os blocos, e à noite eu estava com ela assistindo à Portela, à Mangueira, à Mocidade, todas as grandes escolas mais tradicionais do Rio de Janeiro, que bombavam nos anos 90, 80, que eu sou de (nascido em) 1985. Então, cresci vendo escola de samba junto às minhas tias-avós e minha bisavó.
Criei esse hábito, essa paixão, essa quase devoção, porque eu não consigo viver sem o Carnaval hoje. É algo que para mim é cultural. Assim como tem pessoas que vivem o São João, que seria mais comum se eu vivesse do São João, por ser nordestino, por ser cearense. Mas eu amo São João também, acho lindo, mas o Carnaval é algo que me arrepia, é algo que toca o meu coração, e eu tenho certeza que começou aí, começou por essa paixão, a paixão da minha avó, das minhas tias.
Até que chegou 2008, eu estava ali fazendo os meus 18 anos. Eu dizia que quando fizesse 18 anos eu ia fazer meu primeiro desfile, e eu desfilei. Desfilei em ala comercial, paguei minha fantasia e fui desfilar na ala que vêm no chão, todo mundo com a mesma fantasia.
Só tive duas pausas em dois anos, então tem 20 anos que eu desfilo, que eu vou para o Rio desfilando no chão, em carro, já fui destaque de chão, já fui rei de bateria.
OP - O Carnaval é muito competitivo, não só entre as agremiações, mas internamente as pessoas competem muito pelos postos de destaque. Então, como você conseguiu, um cearense, entrar nesse lugar?
Juarez - Primeiro, eu acho que assumi essa identidade do sambista. Eu não me enxergo como uma pessoa que vai para o Carnaval, porque eu vivo o Carnaval, o samba, o ano todo, é o que eu escuto no meu carro, é o que eu vejo, as pessoas com quem eu converso.
Entrei a primeira vez, fui desfilar, comecei fazendo amizades. Eu tenho familiares no Rio também, então passei todos os anos, meses após meses, e depois rotineiramente para o Rio. Fui criando laços com pessoas da comunidade, de algumas escolas, até que passei a não mais comprar fantasias e sim ganhar fantasias para desfilar, ou em carro, ou no chão, em ala, grupo de acesso, grupo especial, e o primeiro convite que veio foi em 2019.
OP - Qual é a parte que você entende que seja o mais feio do Carnaval para quem está dentro das escolas?
Juarez - Enquanto o samba, o Carnaval é a voz de um povo, principalmente de um povo que é muito segregado, que é quem mora em favelas, comunidades, é o dia que essas pessoas descem o morro, como o próprio samba diz, descem o morro para se tornarem reis e rainhas ou triunfarem. Nesse morro, você tem muitos problemas sociais, como a questão da violência, como tudo no Brasil, isso permeia.
Acho que é mais importante, no Carnaval e para quem quer curtir o Carnaval, é saber que dali muitas pessoas tiram seu sustento, o Carnaval não acontece só nesses quatro dias. Ele acontece durante o ano todo, tem artistas que não estão passando na televisão naqueles cinquenta, quarenta minutos, uma hora, mas passaram o ano todo no barracão, fazendo seus trabalhos.
E, infelizmente, essa contravenção existe, mas eu acho que isso não pode apagar o brilho do Carnaval. As quadras lotadas de pessoas do morro, da comunidade, ou os que não são. Eu que não sou carioca, não sou preto, tenho um estereótipo que não me causa dor. Eu sou uma pessoa privilegiada.
Eu estou no meio deles, que sofrem, muitas vezes, tanto preconceito. E lá nós somos um só. Estamos ali pelo samba. Eu tenho amigos pretos, brancos, vermelhos, amarelos, trans, cis, não importa. O que importa é que o Carnaval une pessoas por um bem único, que é sambar, ser feliz.