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América Latina pressionada para escolher um lado entre EUA e China
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América Latina pressionada para escolher um lado entre EUA e China

Por dois séculos, os Estados Unidos reivindicaram que a América Latina faz parte de sua esfera de influência, mas a China tomou lugar como o principal parceiro comercial de vários países, inclusive o Brasil, a maior potência da região
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Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Xi Jinping, presidente da China, respectivamente (Foto: Brendan Smialowski/AFP)
Foto: Brendan Smialowski/AFP Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Xi Jinping, presidente da China, respectivamente

A América Latina virou campo de batalha entre os Estados Unidos e a China. Os países da região se veem obrigados a escolher um lado devido à nova política comercial imposta por Donald Trump

A administração do republicano tem preferido mais morder do que assoprar em sua estratégia para contrabalançar a influência crescente da China na região, percebida como ameaça à segurança nacional e à economia americanas.

Em várias ocasiões, Trump ameaçou "retomar" o controle do canal do Panamá, construído pelos Estados Unidos, se não diminuir a suposta influência chinesa nesta via marítima comercial, por onde passam 40% das mercadorias americanas.

Sob pressão, o Panamá anunciou medidas para atender Trump, embora tenha havido divergências com os Estados Unidos sobre as mudanças que foram acordadas.

A China o alvo principal das tarifas alfandegárias impostas na guerra comercial movida por Trump. Além disso, todas as importações chinesas passaram a pagar taxa de no mínimo 20%. Antes o percentual era de 10%. A depender do item, o tributo pode ser bem mais elevado — até 100% para carros elétricos chineses.

A China é ainda alvo indireto das tarifas alfandegárias que Trump anunciadas sobre aço e alumínio provenientes de países como o México. A Casa Branca afirma que os produtores chineses abusam do tratado de livre comércio da América do Norte T-MEC para fazer o alumínio chegar aos Estados Unidos através do México para evitar as tarifas alfandegárias.

A China criticou o que chama de uma "mentalidade de Guerra Fria", ao acusar os Estados Unidos de usarem "a pressão e a coerção para depreciar e minar" seus investimentos na América Latina.

"Não há dúvida de que a administração de Trump percebe a presença da China na região como uma ameaça importante à sua segurança e a seus interesses de política externa", declarou Arturo Sarukhan, que foi embaixador do México nos Estados Unidos de 2006 a 2013. 

"É principalmente isso que explica os ataques de sua diplomacia ao Panamá, sua política comercial de 'Os Estados Unidos em Primeiro Lugar'", e suas ameaças de pôr fim ao tratado comercial da América do Norte (T-MEC), assinalou.

Forte rivalidade

Por dois séculos, os Estados Unidos reivindicaram que a América Latina faz parte de sua esfera de influência.

No entanto, a China vem abrindo espaço. Dois terços dos países latino-americanos aderiram ao seu programa de infraestruturas da "Nova Rota da Seda" e Pequim desbancou Washington como o principal parceiro comercial de vários países, inclusive o Brasil, a maior potência da região.

As preocupações da administração Trump parecem se concentrar sobre a influência chinesa perto de seu território, em especial no Panamá, e sobre seu parceiro comercial, o México.

Os investimentos chineses aumentaram consideravelmente desde o primeiro mandato de Trump (2017-2021). Empresas do gigante asiático transferiram sua produção para o México para evitar as tarifas americanas.

Em resposta às queixas de Washington, que lembra que tem um acordo de livre comércio "com o México, não com a China", a presidente Claudia Sheinbaum anunciou projetos para reduzir as importações chinesas e fomentar a produção local.

Pequim também se introduziu na economia panamenha, para além da exploração de dois portos por uma empresa de Hong Kong no canal do Panamá, o que despertou preocupações de Washington. 

Jason Marczak, diretor do Centro para a América Latina do grupo de especialistas Atlantic Council, em Washington, destaca que algumas partes do Panamá estão "inundadas de chineses substituindo os empresários locais".

A pressão do governo Trump parece dar resultados: o Panamá se retirou do programa da "Nova Rota da Seda" dias depois de uma visita do secretário de Estado americano, Marco Rubio.

Especialistas preveem uma intensa rivalidade na América do Sul, onde a China investiu fortemente na extração de metais estratégicos, como o cobre e o lítio.

Antes de chegar ao poder em 2023, o presidente argentino, o ultraliberal Javier Milei, que busca um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, prometeu que jamais faria "negócios com a China nem com nenhum outro (país) comunista". 

Isto não o impediu, tempos depois, de elogiar a segunda maior economia do mundo como um parceiro comercial "muito interessante" que não pede nada em troca e de renovar com a China, em 2024, um swap (intercâmbio de moedas) pelo equivalente a 5 bilhões de dólares (o equivalente a R$ 29 bilhões) até 2026.

"Nos braços de Pequim"

O Brasil, por sua vez, mantém relações próximas com Washington e Pequim. Sarukhan afirma que as ameaças e provocações de Trump em relação aos países latino-americanos "poderiam empurrá-los ainda mais para os braços de Pequim". 

É o caso da Colômbia. O presidente esquerdista Gustavo Petro anunciou planos para estreitar os laços com a China depois de ter sido ameaçado com sanções e tarifas alfandegárias por inicialmente rejeitar os voos dos Estados Unidos com migrantes deportados.

Para Marczak, "nenhum país quer ficar em meio a uma batalha geoestratégica global do tipo 'eles contra nós'. Mas quando existe a opção, há um forte alinhamento com os valores americanos e ocidentais... E por isso, prefere-se o investimento americano".

Reunião com o Senhor Albert Ramdin, Ministro das Relações Exteriores do Suriname. foto: Arthur Max/MRE
Reunião com o Senhor Albert Ramdin, Ministro das Relações Exteriores do Suriname. foto: Arthur Max/MRE

Brasil e progressistas lideram movimento para deixar OEA fora da ôrbita de Trump

A Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) elegeu nesta segunda-feira, dia 10, por aclamação o chanceler do Suriname, Albert Ramdin, como próximo secretário-geral por cinco anos.

A delegação da Dominica sugeriu aclamação, pelo fato de existir apenas um candidato, e recebeu o apoio do Peru. Ramdin foi eleito imediatamente com uma salva de palmas. O encontro ocorreu na sede da OEA em Washington.

Com isso, a OEA saiu da raia de um secretário-geral alinhado a Washington após dez anos. Ramdin vai substitui o uruguaio Luis Almagro, que, entre 2015 e 2025, ocupou o principal posto da OEA, não podendo mais concorreu a outra reeleição. A OEA é o principal órgão multilateral das Américas.

Embora tenha sido chanceler do ex-presidente Pepe Mujica (Frente Ampla) e patrocinado por ele, Almagro passou ser visto pelos líderes de esquerda da região como um secretário enviesado e adversário de governos como Bolívia, Nicarágua e Venezuela e outros.

Os governantes da Nicarágua, Daniel Ortega, e da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciaram nos últimos anos, respectivamente em 2022 e 2017 (durante a gestão de Almagro), que deixariam a OEA. Eles acusaram Almagro de interferência em assuntos internos após crises político-eleitorais.

A eleição ocorreu depois de um movimento em bloco de apoio a Ramdin, liderado pelo Brasil e países de governos de esquerda, que levou à renúncia do candidato trumpista, o chanceler do Paraguai, Rubén Ramírez Lezcano.

A diplomacia brasileira anteviu o risco de que Trump pudesse instrumentalizar politicamente a OEA. A impressão era que o paraguaio havia se movimentado para receber o apoio formal dos Estados Unidos, com gestos pró-agenda Trump vindos de Assunção e fotos com o próprio Trump e o bilionário Elon Musk.

A ideia de que ele pudesse servir como uma correia de transmissão da agenda conservadora do republicano, além da política de tarifaço contra países aliados e vizinhos, como México e Canadá, e a deportação em massa de imigrantes azedaram o clima para Trump, fez com que se formasse uma espécie de cordão sanitário na OEA.

Havia ainda a expectativa de a Costa Rica apresentar um candidato ao cargo em aliança com os Estados Unidos, o que não ocorreu. Esta é a primeira vez que um representante do Caribe assume o comando da OEA.

A eleição foi um primeiro embate hemisférico entre Trump e governos de esquerda da América Latina, que envolveu nos bastidores um jantar oferecido por Lula a presidentes de esquerda em um palácio da embaixada brasileira em Montevidéu e ainda telefonemas do presidente chileno Gabriel Boric para formar uma aliança.

O mandato de Ramdin termina em 2030, mas ele pode se reeleger até 2035. O diplomata do Suriname tem mais de 25 anos de experiência em negociações internacionais, tendo sido secretário-geral assistente da OEA de 2005 a 2015, com atuação também no setor da mineração em nível internacional. (Agência Estado, com Agência Brasil)

Embaixadora Maria Laura da Rocha
Embaixadora Maria Laura da Rocha

Representante brasileira critica "seletividade política"

Ao comentar o resultado da eleição de Albert Ramdin, a chefe da delegação brasileira na assembleia-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), embaixadora Maria Laura da Rocha, fez críticas à gestão anterior da OEA e defendeu um novo paradigma para a atuação da organização.

"Em vez de se resguardar a independência e os canais de comunicação, com todos os lados em situações de tensões internas, não raras vezes, tomou-se partido em disputas internas, gerando efeito contrário ao pretendido. A defesa da democracia, tema tão importante, não raro foi objeto de seletividade política. Com isso, a OEA perdeu legitimidade e relevância", afirmou Maria Laura.

Acusado de interferir no golpe de Estado da Bolívia, em 2019, e de "tomar partido" nas disputas na Nicarágua e Venezuela, Almagro acumulou críticas por uma postura supostamente alinhada aos interesses dos Estados Unidos.

Maria Laura, secretária-geral do Itamaraty, acrescentou que o Brasil espera que o secretário-geral da OEA "seja uma figura agregadora, um funcionário internacional que não tome partido em disputas internas ou internacionais, mas facilite diálogos, estenda pontes com todos os lados e reabra canais que foram fechados". (Agência Brasil)

EUA esperam que Ocidente abrace projeto de Trump

O representante dos Estados Unidos, Michael Kozak, elogiou o trabalho do uruguaio Luís Almagro à frente da Organização dos Estados Americanos (OEA) na última década e criticou os governos da Venezuela, de Cuba e da Nicarágua, que, segundo ele, seriam "ameaças que precisam chegar ao fim".

Kozak afirmou esperar que um hemisfério ocidental estável possa levar adiante o projeto do governo de Donald Trump. "Com base em valores como liberdade de expressão, os Estados Unidos estão comprometidos com as prioridades bilaterais de prosperidade econômica e dos problemas da imigração legal."

Kozak disse que vai trabalhar com o novo secretário para implementar as reformas necessárias para a OEA e que a entidade deve promover a democracia no continente. "Os Estados Unidos vão garantir que isso continue a ser assim", destacou.

"Pedimos que o secretário-geral promova esse compromisso da OEA para fortalecer a democracia sempre que possível. Isso significa exigir ações mais robustas contra regimes opressivos, além de pedir que os processos eleitorais sejam livres e transparentes", completou Michael Kozak. (Agência Brasil)

As manobras nos bastidores da OEA

> Eleito por aclamação e sem concorrentes na Organização dos Estados Americanos (OEA), o candidato do Suriname, Albert Ramdin, contou com a desistência, de última hora, da candidatura paraguaia. O presidente do Paraguai, Santiago Peña, lamentou a perda de apoio de países sul-americanos.

> "De forma abrupta e inexplicável, o Paraguai foi informado por países amigos da região, com quem compartilhamos um espaço e história comuns, que modificaram seu compromisso inicial com nosso país e decidiram não acompanhar finalmente a proposta do Paraguai", informou Peña, por meio de nota, ainda na semana passada.

> Um dia antes, na quarta-feira, 4, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia e Uruguai anunciaram apoio ao chanceler Albert Ramdin, que já contava com o apoio dos países do Caricom, que é a Comunidade dos Países Caribenhos.

> "Essa decisão representa um passo significativo da região na direção da unidade, no atual contexto geopolítico, e também uma oportunidade histórica para a o Caribe, que pela primeira vez poderá liderar esse importante espaço de integração hemisférico", afirmou, em comunicado o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
(Agência Brasil)

A OEA

A Organização dos Estados Americanos reúne 32 países das Américas e é a principal entidade multilateral do continente. Fundada em 1948, a organização é um organismo regional das Nações Unidas (ONU).

O Artigo 1º da Carta da OEA afirma que a organização deve perseguir, a favor de seus estados-membros, “uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”.

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