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Supremo começará a decidir futuro de Bolsonaro, e da política brasileira
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Supremo começará a decidir futuro de Bolsonaro, e da política brasileira

STF analisará se ex-presidente e mais sete acusados de envolvimento na tentativa de golpe irão se tornar réus. Quais as consequências políticas disto?
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Desde quando ainda era presidente da República, já se vão dois anos e três meses, Jair Bolsonaro (PL) tratava como maior adversário não o hoje presidente Lula ou o PT. O principal adversário de Bolsonaro é o Supremo Tribunal Federal (STF).

Foram muitos embates, como ao suspender decretos sobre armas de fogo e meio ambiente. Também na pandemia de Covid-19. Houve disputas indiretas, com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujo comando é exercido por um ministro do STF. Na próxima terça-feira, 25, não serão atos administrativos a serem julgados. Pela primeira vez, será o próprio Bolsonaro quem será submetido ao julgamento do pior inimigo.

Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por envolvimento direto em uma suposta trama golpista para impedir o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-presidente e mais sete investigados saberão, no julgamento que começa terça, se irão se tornar réus no STF.

No último dia 13 de março, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para o dia 25 do mesmo mês o julgamento dos primeiros 8 dos 34 denunciados pela PGR pelo suposto plano de golpe. A data foi marcada apenas horas depois de o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, liberar a denúncia para julgamento após a manifestação favorável da PGR, que defende que Bolsonaro e os demais acusados respondam a ação penal. Os oito que serão julgados compõem o chamado "núcleo um", acusado de liderar o plano golpista.

Os ministros da Primeira Turma do STF decidirão se os acusados devem ser processados pelos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além da deterioração de patrimônio tombado. O resultado final do julgamento poderá levar Bolsonaro e os demais acusados para a prisão. 

Especialistas entendem que o fato de Bolsonaro ter ocupado o cargo de presidente da República torna possível o endurecimento das penas. Em caso de condenação, se a pena ultrapassar oito anos, o regime obrigatório é o fechado. Além disso, penas de diferentes crimes podem ser somadas, o que pode resultar em uma punição mais severa.

O STF já condenou envolvidos nos atos de 8 de janeiro por crimes como tentativa de abolição do Estado democrático de direito e golpe de Estado. As condenações nesses casos ficaram, em média, em 14 anos de prisão.

Se Bolsonaro virar réu — o que parece ser a tendência, conforme a maioria dos analistas — e se vier a ser condenado, ele, hoje já inelegível, estará fora da disputa eleitoral de 2026 e provavelmente de outras mais. Qualquer intenção de reverter a inelegibilidade será sepultada.

Mas, caso não se torne réu, ou se for absolvido, Bolsonaro pode ganhar fôlego para buscar uma eventual anistia. Ou, pelo menos, ser o cabo eleitoral para impulsionar um candidato de oposição. Hoje as pesquisas o apontam como nome mais competitivo para derrotar o atual governo. A sentenção do STF poderá colocar Bolsonaro na situação em que se viu o hoje presidente Lula em 2018, ano da eleição do ex-presidente agora denunciado.

Denunciados, a participação de que são acusados, acusações e possíveis penas

Quem será julgado a partir da terça-feira, 25

1. Jair Bolsonaro

Acusado de liderar "organização criminosa" que, desde 2021, "se dedicou a incitar a intervenção militar no país" e, assim, deflagrar um golpe de Estado, permitindo que ele e seus apoiadores permanecessem no poder, independentemente do resultado das eleições presidenciais de 2022.
Além de desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, Bolsonaro sabia e concordou com o plano de matar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, conforme a denúncia. Bolsonaro também estimulou ações que possibilitassem a ruptura institucional, incluindo acampamentos montados por apoiadores em frente a quartéis-generais, segundo a PRG.

2. Walter Souza Braga Netto

Conforme a denúncia, em 12 de novembro de 2022, houve na residência oficial de Braga Netto reunião com “kids pretos” (Forças Especiais do Exército) em que foi discutida forma de "neutralizar" o ministro Alexandre de Moraes. Também se abordou que houvesse alguma instabilidade que justificasse a implementação de medidas de emergência, como estado de sítio. Braga Netto conseguiu o dinheiro para organizar a operação e atuou na incitação de movimentos populares golpistas, diz a PGR. Braga Netto articulou a pressão contra militares que não concordavam com o golpe, como o então comandante-geral do Exército, general Freire Gomes.

3. Augusto Heleno Ribeiro Pereira

A investigação encontrou com o general da reserva do Exército e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) na Presidência de Bolsonaro manuscritos sobre o planejamento da organização criminosa para fabricar um discurso contrário às urnas eletrônicas. A PGR destaca que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) era subordinada ao GSI de Heleno, e que ele tinha "pleno domínio sobre as ações clandestinas realizadas pela célula", o que incluía vigilância de adversários políticos. Em reunião ministerial de 5 de julho de 2022, Heleno orientou a Abin a infiltrar agentes nas campanhas eleitorais e se manifestou claramente sobre não respeitar o resultado das urnas. "O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições".

4. Anderson Gustavo Torres

Entre os relatos da PGR consta que em 19 de outubro de 2022, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e delegado de Polícia Federal (PF) participou de reunião sobre “policiamento direcionado” a ser realizado no dia do segundo turno da votação, o que poderia impedir eleitores de votar. Na residência de Torres foi encontrada minuta que fundamentaria um golpe de Estado. Em janeiro de 2023, era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Segundo as investigações, permitiu a omissão da segurança pública, de forma que acontecesse a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Segundo a denúncia, a omissão foi “escolha consciente por agir em prol da ruptura institucional”.

5. Alexandre Rodrigues Ramagem

Ex-chefe da Abin, deputado federal pelo PL e candidato derrotado à prefeitura do Rio de Janeiro em 2024, o delegado da PF detinha documentos com uma série de argumentos contrários às urnas eletrônicas, que era repassada a Bolsonaro. Em um dos documentos, foi identificada a sugestão de que o então presidente se utilizasse da estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU) para emitir atos que tornassem devido o descumprimento, pela PF, de ordens judiciais que desagradassem o grupo.

6. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira

General da reserva, ex-comandante do Exército e então ministro da Defesa, o cearense Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira instigou a ideia da intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral, na reunião ministerial de julho de 2022, na presença dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A PGR destaca que apresentava “linguagem de quem se considerava em guerra contra o sistema democraticamente estabelecido”. Em 10 de novembro, ou seja, após o resultado eleitoral, divulgou nova nota oficial insinuando não ter sido descartada a possibilidade de fraude eleitoral, mesmo após um relatório técnico do ministério ter apontado a inexistência de irregularidade. O ministro da Defesa apresentou uma versão de decreto golpistas aos comandantes das Forças Armadas e exerceu pressão para que os três apoiassem o movimento.

7. Almir Garnier Santos

Então comandante da Marinha, o almirante de esquadra pertence à célula principal da organização. Teve acesso às versões de decreto golpista. Segundo a denúncia da PGR, ao aderir ao movimento se considerava um “verdadeiro patriota”. O posicionamento de Garnier Santos foi um elemento de pressão para que o Exército e a Aeronáutica seguissem o mesmo caminho.

8. Mauro César Barbosa Cid

O tenente-coronel do Exército e principal ajudante de ordens de Bolsonaro é o delator do esquema golpista. Atuava como porta-voz do então presidente na articulação e mantinha canais de comunicação com os demais envolvidos. Registros do decreto golpista foram encontrados em dispositivos eletrônicos de Mauro Cid.

Acusações e penas

Bolsonaro e os demais denunciados são acusados de golpe de Estado, participação de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito,  e dano qualificado. As penas previstas variam de acordo com cada crime:

  • Golpe de Estado (Art. 359-M do Código Penal): pena de 4 a 12 anos de reclusão
  • Participação em organização criminosa armada (Lei 12.850/2013): pena de 4,5 a 12 anos de reclusão
  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L do Código Penal): pena de 4 a 8 anos de reclusão
  • Dano qualificado (Art.163 do Código Penal): pena de 6 meses a 3 anos de prisão e multa.

Como será o julgamento

O processo será analisado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), composta pelos ministros Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux.

As turmas são responsáveis por julgar ações penais, e, como Moraes integra a Primeira Turma, caberá a esse colegiado decidir sobre a denúncia.

No dia 25 de março, as defesas dos acusados apresentarão os argumentos. Na sequência do dia, o relator Alexandre de Moraes lerá o relatório e votará sobre a aceitação ou rejeição da denúncia.

No dia seguinte, 26 de março, os demais ministros da Primeira Turma darão os votos. Se a maioria decidir pelo recebimento da denúncia, os oito acusados se tornarão réus e respoderão a ação penal no STF.

A defesa e a delação premiada

Jair Bolsonaro nega todas as acusações e a defesa busca a retirada da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid do processo, alegando que o acordo foi firmado sob coerção. A PGR e os advogados de Cid, no entanto, afirmam que a colaboração do antigo braço direito do ex-presidente seguiu todos os trâmites legais.

O debate reacendeu a discussão sobre a delação premiada. O instituto ganhou notoriedade durante a Operação Lava Jato (2014-2021), que revelou esquemas de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos.

A Lava Jato resultou na prisão de Lula, mas posteriormente o STF anulou as condenações, alegando irregularidades processuais. Agora, com Bolsonaro no centro de um novo julgamento de grande impacto político, as decisões do Supremo podem ter repercussões profundas para a corrida eleitoral de 2026.

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