A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete aliados réus pelo crime de tentativa de golpe de Estado.
Os cinco ministros que compõem o colegiados manifestaram voto favorável a seguir com a ação penal contra os acusados: Alexandre de Moraes, relator do caso, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
É a primeira vez que um ex-presidente eleito é colocado no banco dos réus por crimes contra a ordem democrática estabelecida com a Constituição de 1988. Esses tipos de crime estão previstos nos artigos 359-L (golpe de Estado) e 359-M (abolição do Estado Democrático de Direito) do Código Penal brasileiro.
Os oito réus compõem o chamado “núcleo crucial” do golpe, entre as 34 pessoas que foram denunciadas.
Primeiro a votar na sessão da manhã de quarta-feira, 26, o ministro relator Alexandre de Moraes, desde o início de seu voto, deixou clara a posição pelo recebimento da denúncia da PGR contra oito denunciados por tentativa de golpe de Estado — entre eles Bolsonaro.
Moraes iniciou o voto afirmando que "a PGR descreveu satisfatoriamente fatos típicos e ilícitos" e "dando aos envolvidos amplo conhecimento dos motivos e razões pelos quais foram acusados".
Ele afirmou estar presente "justa causa" para a instauração de ação penal sobre tentativa de golpe de Estado. No entanto, ponderou que o recebimento da denúncia em si não representa culpa dos acusados.
Já o ministro Flávio Dino destacou que os argumentos das defesas não negam que houve uma tentativa de golpe de Estado em 2022, mas se concentram em afastar a participação direta dos clientes.
“Nós tivemos sustentações orais que vão no sentido da materialidade. Os eixos centrais não foram descaracterizar (os fatos), e sim afastar autorias. O que corrobora a densidade do acervo que foi bem delineado pela PGR”, afirmou o ministro.
Dino foi o segundo a votar na 1ª Turma do STF sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), que pediu abertura de processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados por tentativa de golpe de Estado.
O ministro ressaltou ainda a gravidade dos atos. “Houve violência e poderia ter produzido danos de enorme proporção. A conduta é tentar. Se fosse consumado, não teria juízes pra julgar”.
Na avaliação de Dino, mesmo que se alegue desistência por parte de alguns acusados, isso não descaracteriza a tentativa de golpe. “É possível que alguém tenha desistido. E isso nós vamos debater, mas no curso da instrução”, pontuou.
O ministro Luiz Fux, por sua vez, decidiu seguir na integralidade o voto do relator do processo, ministro Alexandre de Moraes. Ele ressaltou a importância da democracia e lembrou a atuação do colega como presidente do STF durante a pandemia.
Mencionou que, mesmo em momentos de tensão, manifestações na Praça dos Três Poderes ocorreram sem incidentes, ao contrário do que se viu nos atos golpistas. “Não se pode, de forma alguma, dizer que não aconteceu nada”, afirmou.
A ministra Cármen Lúcia seguiu na mesma linha, afirmando que a denúncia está "apta" a ser acatada pelo STF. Ela apresentou um voto contundente em defesa da democracia e lembrou os riscos das rupturas institucionais. “Ditadura mata. Ditadura vive da morte — não apenas da sociedade, da democracia —, mas de seres humanos de carne e osso”, afirmou a ministra.
Cármen Lúcia destacou que a Justiça precisa estar atenta para impedir que retrocessos democráticos se consolidem e reforçou que o Estado Democrático de Direito é uma conquista que exige vigilância constante.
Coube a Cristiano Zanin anunciar que a 1º Turma acatou por unanimidade a denúncia da PGR contra Jair Bolsonaro e outros sete acusados. "Longe de ser uma denúncia amparada exclusivamente em uma delação premiada, o que se tem aqui são diversos documentos, vídeos, materiais que dão amparo aquilo que foi apresentado pela acusação", destacou.
E completou: "Não adianta dizer que a pessoa não estava no dia 8 de janeiro se ela participou de uma série de atos que culminaram nos atos antidemocráticos". (Com Agência Brasil)
Bolsonaro nega decreto de golpe, diz que debater não é crime e se irrita com repórter
Logo após virar réu por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou se defender, nesta quarta-feira, 26, negando que tenha articulado a minuta para um golpe com os comandantes das Forças Armadas para suspender as eleições de 2022, conforme sustenta a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
"Antes de uma hipotética assinatura de um decreto de um Estado de Defesa, como está no artigo 136 da Constituição, o presidente da República tem que convocar os conselhos da República e da Defesa. Aí seria o primeiro passo. Não adianta botar um decreto na frente do presidente e assinar. Não convoquei os conselhos, nem atos preparatórios houve para isso", destacou o ex-presidente.
Sem responder aos questionamentos dos jornalistas, Bolsonaro falou por 50 minutos em frente ao Senado, em Brasília, ao lado de aliados no parlamento, logo após o resultado do julgamento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que o tornou réu hoje.
O ex-presidente voltou a sugerir, sem provas, que as urnas eletrônicas não são seguras, afirmou que é um perseguido e criticou o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A denúncia da PGR contra Bolsonaro sustenta que o ex-presidente realizou uma reunião no dia 7 de dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada, com os comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha, onde teria sido apresentada a minuta do golpe para suspender as eleições, o que consolidaria uma ruptura democrática na visão do Ministério Público.
A denúncia afirma que o comandante da Marinha, Almir Garnier, teria topado o golpe, sendo a proposta rejeitada pelos demais comandantes. Ainda segundo a PGR, Bolsonaro tinha um discurso pronto para após o golpe encontrado na sala dele na sede do Partido Liberal (PL).
Ao comentar o julgamento que o tornou réu, o ex-presidente Bolsonaro argumentou que os comandantes militares jamais embarcariam em uma "aventura" de golpe de Estado. Disse ainda que "discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime", em referência à minuta de Estado de Sítio ou de Defesa que tem sido interpretada pela PGR com o ato decisivo para o golpe de Estado.
Nesse momento, um jornalista questionou: "Então o senhor discutiu [sobre o decreto]?". Após encarar o repórter, Bolsonaro disse que não iria "sair do sério".
"Acho que a maioria já aprendeu aqui como é que eu ajo. Se quiser tumultuar com você, vamos embora", retrucou. Durante seu governo, era comum o ataque do então presidente a jornalistas nas coletivas de imprensa.
O ex-presidente ainda reforçou a versão que vem sustentando desde o início das investigações, de que é uma vítima de perseguição política e de que o Brasil não seria mais uma democracia.
Em uma rede social, Bolsonaro disse que o querem julgar rapidamente para evitar que "chegue livre às eleições de 2026", apesar dele já estar inelegível até 2031.
"A comunidade internacional acompanha de perto o que está acontecendo no Brasil. Juristas, diplomatas e lideranças políticas já reconhecem o padrão: é o mesmo roteiro que se viu na Nicarágua e na Venezuela", afirmou.
O discurso de que o Brasil estaria perseguindo opositores tem sido questionado por especialistas, que avaliam ser uma estratégia de defesa dos apoiadores de Bolsonaro para se livrar das acusações de golpe de Estado.
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), contrariou essa versão e tem defendido que o Brasil segue com uma democracia, sem perseguições políticas ou censuras.
Moraes exibe imagens do 8 de janeiro: "Nenhuma Bíblia é vista nesse momento. Nenhum batom"
O ministro Alexandre de Moraes falou, durante o voto, da gravidade dos ataques aos Três Poderes em 2023. "Os crimes realizados no 8 de janeiro, em relação à materialidade, foram atos gravíssimos", afirmou.
"Não foi um passeio no parque. Ninguém que lá estava, estava passeando", lembrando inclusive que barreiras policiais foram atropeladas até a chegada ao local dos atos.
O ministro lembrou que com exceção de uma, todas as demais manifestações das defesas dos acusados, na sessão do dia anterior, confirmaram que houve uma articulação golpista.
Na sequência, Moraes exibiu um vídeo para, como chamou, que houvesse a "comprovação da materialidade dos delitos".
Ele mostrou registros de acampamentos golpistas, com mais de "570 réus que confessaram querer intervenção militar", atos violentos em 12 de dezembro de 2022 contra a diplomação de Lula, caminhão-bomba que não explodiu na véspera de Natal e atos contra policias que tentaram impedir o avanço dos manifestantes. Exiviu ainda depoimento da policial que foi agredida com uma barra de ferro no capacete durante as manifestações.
Comentando enquanto as imagens eram exibidos, o ministro afirmou serem gravíssimas as imagens.
"Uma verdadeira guerra campal. Nenhuma Bíblia é vista nesse momento. Nenhum batom é visto nesse momento, mas ataques à Polícia são vistos. Pedidos de intervenção militar são vistos. Pessoas filmando e incentivando a destruição do patrimônio público. Tivemos uma tentativa violentíssima de golpe de estado", afirmou Moraes.
Para o ministro, pessoas de má-fé, com "notícias fraudulentas e milícias digitais", enganam e criam a narrativa de que “pessoas estavam passeando” no 8 de Janeiro e "foram lá só passar um batonzinho na estátua".
Defesas negaram autorias e questionaram aspectos processuais
No primeiro dia de julgamento, as defesas dos acusados negaram, uma a uma, a autoria dos delitos por seus clientes. A maior parte dos advogados reclamou também de questões processuais, alegando, por exemplo, o cerceamento de defesa, por não terem tido acesso, segundo contam, ao material bruto que embasou a denúncia.
Após o julgamento, o advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, disse esperar que agora, com a abertura da ação penal, seja dado acesso mais amplo da defesa ao material utilizado pela acusação. “Esperamos que tenhamos a partir de agora uma plenitude de defesa, o que não tivermos ate agora”, disse o defensor.
Também no primeiro dia de análise do caso, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, reiterou suas acusações. Segundo a narrativa do PGR, os atos golpistas foram coordenados durante anos, começando em meados de 2021, com o início de um ataque deliberado às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral, e culminando com o 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. (Agência Brasil)
Votos dos ministros
Em um voto longo, com mais de uma hora e 40 minutos de duração, Moraes recorreu a vídeos, tabelas e estatísticas para rebater cada uma das oito defesas. Ele começou por destacar a violência dos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas por apoiadores de Bolsonaro.
Vídeo com cenas da “batalha campal”, como descreveu o ministro, foi exibido durante a sessão da Primeira Turma do Supremo. Para rebater as alegações de falta de provas, Moraes apresentou, na parte final de seu voto, uma tabela relacionando os atos apontados pela PGR como criminosos e todas as provas documentais colhidas pela Polícia Federal (PF).
Para Moraes, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, “descreveu satisfatoriamente os fatos típicos ilícitos, com todas as circunstâncias, dando aos acusados o amplo conhecimento dos motivos e das razões pelas quais foram denunciados”.
O ministro destacou que o julgamento desta quarta-feira tem por objetivo somente verificar se há indícios materiais suficientes para abrir uma ação penal, na qual as defesas terão a plena oportunidade de construir suas próprias narrativas sobre os fatos apresentados pela acusação.
Segundo a votar, Dino buscou garantir que as defesas terão oportunidade de construir suas próprias narrativas, que serão levadas em consideração no momento adequado. "Justiça é diferente de justiçamento", disse ele.
Ele ressaltou que, a seu ver, as defesas confirmaram a existência dos crimes, embora tenham tentado, cada uma, livrar seus clientes.
Para o ministro, a postura dos advogados “não foi tanto descaracterizar materialidades e sim afastar autorias, afastar seus clientes do cenário delituoso ou de teses deletérias, o que corrobora a densidade desse acervo probatório delineado pela PGR”.
Em seguida, Fux destacou que o voto do relator detalhou ponto a ponto as condutas e crimes imputados a Bolsonaro e outros sete aliados.
"Em relação à autoria e a materialidade, a procuradoria e o ministro Moraes legaram à turma e à sociedade tudo quanto nós precisávamos saber para o recebimento da denúncia", avaliou Fux.
O ministro ressalvou, contudo, que durante o processamento da ação penal deverá apresentar divergências em relação ao cálculo das penas. "Confesso que em determinadas situações me deparo com uma pena exacerbada", afirmou. Ele disse ter pedido vista (mais tempo de análise) para analisar o caso da cabeleireira Debora Santos, denunciada por pichar com batom a estátua da Justiça que fica na Praça dos Três Poderes.
A ministra Cármen Lúcia ressaltou a gravidade dos crimes imputados e dos ataques de 8 de janeiro. Ela frisou a ligação feita pelo PGR da trama golpista com os acontecimentos daquele dia e disse ser plausível a narrativa sobre o avanço do complô. “Um golpe não se faz em um dia”, afirmou.
A ministra frisou que não há como negar a violência do episódio. "É preciso desenrolar do dia 8 para trás, para chegarmos a esta máquina que tentou desmontar a democracia", observou ela.
“O compromisso é de receber [a denúncia] para que o país saiba, para que a sociedade brasileira saiba que estamos cumprindo nosso dever de dar sequência para a apuração devida, para a instrução do processo e para um julgamento justo e democrático. Porque, felizmente, o golpe não deu certo e temos democracia no Brasil”, disse Cármen Lúcia.
Último a votar, Zanin destacou que não é necessário que alguém seja o executor de um crime para que o tenha praticado junto com outras pessoas. Portanto, não seria necessário que os acusados estivessem na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro para que tenham contribuído para que o episódio acontecesse.
“Existem inúmeros documentos que mostram, em tese, a participação dos denunciados em atos que podem ter culminado no dia 8 de janeiro. Se esses documentos, se esses depoimentos, são verdadeiros ou não, é o que se vai discutir ao longo da instrução, mas neste momento considero que há materialidade e indício de autoria a ensejar o recebimento integral de denúncia”, acrescentou o presidente da Primeira Turma.
O que acontece a partir de agora com Bolsonaro e os demais réus
Ação penal
Com a aceitação da denúncia, os oito acusados passam à condição de réus, respondendo a uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Defesa
Com a abertura do processo criminal, os advogados poderão indicar testemunhas e pedir a produção de novas provas para comprovar as teses de defesa. Com o fim da instrução do processo, o julgamento será marcado, e os ministros vão decidir se o ex-presidente e os demais acusados serão condenados à prisão ou absolvidos.
Prazo
Não há data definida para o julgamento, que depende do andamento da instrução processual. Até lá, os réus devem responder ao processo em liberdade. Conforme entendimento do próprio Supremo, qualquer prisão para cumprimento de pena só deve ocorrer após o trânsito em julgado da ação penal. Isto é, quando não for mais possível apresentar nenhum recurso contra eventual condenação.