Esta semana promete ser a mais agressiva, até agora, do atual mandato do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ele já deu as primeiras mostras do que virá. Ele fez ameaças de bombardear o Irã, afirmou estar "furioso" com o presidente russo, Vladimir Putin, e ameaçou a Rússia com mais tarifas comerciais. Também fez ameaça ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, caso tente renegociar o acordo com os Estados Unidos sobre minerais em terras raras.
Além disso, Washington informou que manterá presença militar no Estreito de Taiwan, enquanto J.D. Vance aumenta a pressão para assumir o controle do território da Groenlândia. Em meio às várias frentes de confronto, Trump reforçou que pode tentar um terceiro mandato, desafiando a regra constitucional que os limita a dois.
Tudo isso na semana em que Trump colocará o que talvez seja sua ação de maior impacto. Em 2 de abril, no que o presidente chama "Dia da Libertação", começarão a ser aplicadas tarifas. Serão afetados, segundo ele, "todos os países" e não apenas aqueles com maiores desequilíbrios comerciais com os Estados Unidos.
Trump iniciou a segunda presidência com uma onda sem precedentes de decretos e tem utilizado o homem mais rico do mundo, Elon Musk, para desmantelar partes do governo federal. Segundo Trump, seus seguidores querem ainda mais.
"Muita gente quer que eu faça isso", disse Trump em entrevista à NBC News, sobre buscar um terceiro mandato. "Mas basicamente digo a eles que temos um longo caminho pela frente, sabem, é muito cedo na administração."
O bilionário de 78 anos afirmou diversas vezes que pode tentar um terceiro mandato, mas suas declarações do domingo passado são as mais concretas em relação a um plano para atingir esse objetivo.
Questionado se não planeja deixar o cargo em 20 de janeiro de 2029, na próxima cerimônia de posse presidencial, Trump respondeu aos jornalistas no domingo a bordo do avião presidencial: "Não estou buscando isso, mas digo que mais pessoas me pediram para ter um terceiro mandato".
"Ainda temos quase quatro anos, é muito tempo, mas, apesar disso, muitas pessoas dizem que tenho que me candidatar novamente. Eles amam nosso trabalho".
Algumas horas antes, durante uma ligação ao canal NBC, ele recebeu o pedido para esclarecer os comentários sobre um novo mandato presidencial e afirmou: "Não estou brincando. Existem métodos pelos quais isso pode ser feito".
Na mesma entrevista à NBC, o presidente americano ameaçou com bombardeios ao Irã se a República Islâmica persistir no desenvolvimento de armas nucleares. "Se eles não chegarem a um acordo, haverá bombardeios".
A linguagem de Trump marca um endurecimento em relação aos comentários de dias atrás, quando ele afirmou que se Teerã se recusasse a negociar um novo acordo nuclear, "coisas muito, muito ruins aconteceriam".
Analistas disseram que o Irã pode estar a apenas algumas semanas de conseguir construir uma bomba nuclear. O governo iraniano nega que seu programa atômico tenha fins militares. Trump, que retirou os Estados Unidos em 2018 de um acordo internacional sobre o programa nuclear do Irã, insiste desde seu retorno à Casa Branca em dialogar com Teerã para monitorar suas atividades nucleares.
O líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, prometeu na segunda-feira, 31, uma "resposta firme" em caso de ataque ao País.
Em relação à guerra na Ucrânia, Trump tem atrito com os dois lados do conflito. No domingo, Trump disse estar "muito irritado" e "furioso" com Vladimir Putin, por questionar a liderança de Zelensky na Ucrânia.
Em mudança radical da postura moderada em relação à Rússia, Trump disse à repórter da NBC Kristen Welker que ficou bravo quando Putin começou a atacar a credibilidade do presidente ucraniano. Welker afirmou que Trump ligou para ela para expressar seu descontentamento e, em seu programa de domingo Meet the Press, ela citou a conversa diretamente.
"Se a Rússia e eu não conseguirmos chegar a um acordo que ponha fim ao derramamento de sangue na Ucrânia, e se me parecer que a culpa é da Rússia", então ele imporia "tarifas secundárias sobre todo o petróleo da Rússia", disse Trump. As tarifas secundárias seriam impostas a países que comprarem petróleo da Rússia.
Em relação a Zelensky, no mesmo domingo, Trump alertou que ele estaria em "grandes apuros" se Kiev rejeitasse a última proposta dos Estados Unidos sobre acesso preferencial aos recursos naturais da Ucrânia.
Os dois países negociaram acordo que seria assinado em fevereiro sobre a extração de minerais estrategicamente importantes da Ucrânia, até que uma discussão televisionada entre Trump e o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, atrapalhou o entendimento.
Em relação à Groelândia, a semana passada foi marcada com tensão com a Dinamarca, que controla o território. Delegação dos Estados Unidos, liderada pelo vice-presidentre J.D. Vance, fez visita sem convite e sem anúncio. A visita, na sexta-feira, 28, acabou limitada à única base militar americana na ilha do Ártico. Vance afirmou que a Dinamarca "não fez um bom trabalho para garantir a segurança da Groenlândia". Trump, reiterou na sexta que eles precisam da Groenlândia porque ela é "muito importante" para a segurança internacional.
Apesar do tom ameaçador de Trump, o vice-presidente dos EUA descartou o uso da força para tomar o território autônomo dinamarquês. "Acreditamos que o povo da Groenlândia é racional e (...) que chegaremos a um acordo ao estilo de Donald Trump para garantir a segurança desse território e também a dos Estados Unidos", disse Vance.
Estendendo o leque de atritos, os Estados Unidos informaram que manterão dissuasão "sólida e confiável" na região Ásia-Pacífico, incluindo o Estreito de Taiwan, disse o secretário de Defesa em Tóquio.
"Os Estados Unidos estão comprometidos em manter uma dissuasão sólida, preparada e confiável no Indo-Pacífico, incluindo o Estreito de Taiwan", disse Pete Hegseth após se reunir com seu homólogo japonês, Gen Nakatani, em Tóquio.
Pequim intensificou sua pressão militar em torno de Taiwan nos últimos anos, com ataques aéreos quase diários. A China considera esta ilha, governada de forma autônoma, como parte de seu território e não descarta tomar seu controle pela força. Taiwan conta com a proteção dos Estados Unidos, principal fornecedor de armas.
"Os Estados Unidos não podem se retirar [da região] porque é do seu interesse principal. Se Taiwan caísse e fosse tomada pelo Partido Comunista Chinês, qual seria a situação do Japão e das Filipinas?", disse este mês o ministro da Defesa de Taiwan, Wellington Koo. (Com AFP)
Por que Trump não pode ter um 3º mandato, diferentemente do que ocorre com Lula no Brasil
A possibilidade levantada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicanos), de pleitear um terceiro mandato à frente da Casa Branca esbarra na Constituição do País. A regra é diferente da aplicada no o Brasil, onde o presidente pode ser reeleito para um único período subsequente, mas pode ter três ou mais mandatos, desde que não sejam consecutivos.
A 22ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, ratificada em 1951, declara que "nenhuma pessoa será eleita para o cargo de Presidente mais de duas vezes, e nenhuma pessoa que tenha exercido o cargo de Presidente, ou atuado como Presidente, por mais de dois anos de um mandato para o qual outra pessoa foi eleita Presidente, será eleita para o cargo de Presidente mais de uma vez".
Nascida como uma reação ao ex-presidente democrata Franklin Roosevelt, eleito para quatro mandatos consecutivos, a emenda foi aprovada no Congresso em 1947. Todo o processo foi concluído em 1951, quando 36 dos 48 estados ratificaram o texto.
As provocações sobre um terceiro mandato ocorrem há alguns meses. Em um comício em Nevada, em janeiro deste ano, Trump disse: "Será a maior honra da minha vida servir, não uma, mas duas ou três ou quatro vezes", em um tom aparentemente brincando. Posteriormente, ele esclareceu: "Não, será servir duas vezes. Pelos próximos quatro anos, não descansarei".
Após a posse de Donald Trump, o deputado republicano Andy Ogles apresentou resolução conjunta para alterar a 22ª Emenda à Constituição dos EUA e permitir três mandatos no comando da Casa Branca. Caso seja aprovada, a medida abre espaço para que o presidente concorra às eleições em 2028.
A proposta de Andy Ogles alteraria o texto para "nenhuma pessoa será eleita para o cargo de presidente mais de três vezes, nem será eleita para qualquer mandato adicional após ser eleita para dois mandatos consecutivos".
Nos EUA, seria preciso uma grande mobilização no Congresso para alteração, com pelo menos dois terços dos votos. Também seria possível uma convenção constitucional, que deveria ser solicitada por 34 estados.
Seja por uma via ou outra, ele precisaria logo em seguida da ratificação de três quartos de todos os estados.
As duas alternativas parecem pouco prováveis, tendo em conta o atual número de estados e congressistas sob controle republicano.
Os Estados Unidos nunca tiveram uma convenção constitucional. As 27 emendas da Constituição passaram pelo Congresso. (Rogeslane Nunes, especial para O POVO, com AFP)
"Teoria do louco": a psicologia do blefe por trás de Trump
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está blefando quando diz que assumirá o controle do Panamá ou da Groenlândia "de uma forma ou de outra", ou quando ameaça retirar os EUA da Otan? Trump costuma usar metáforas de jogos, apostas e blefes em suas negociações.
O exemplo mais recente foi durante a discussão com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, no Salão Oval:
Trump: Você não está em uma boa posição. Você não tem as cartas no momento. Conosco, você começa a ter cartas.
Zelenski: Não estou jogando cartas.
Trump: Sim, você está jogando cartas. Está jogando com a vida de milhões de pessoas. Está apostando com a Terceira Guerra Mundial.
O blefe sempre foi uma ferramenta poderosa de diplomacia. É um truque usado para influenciar a mente dos outros, geralmente com ameaças de força militar ou econômica. Saber quando um blefe é uma ameaça real faz parte do jogo.
No caso de Zelenski, Trump ameaçou suspender a ajuda militar e financeira dos EUA à Ucrânia na guerra contra a Rússia — o que de fato aconteceu dias depois.
Trump também não estava blefando em relação à imposição de tarifas comerciais sobre China, União Europeia, México e Canadá. Tampouco sobre a retirada dos EUA da Organização Mundial de Saúde (OMS), o corte de verbas para ciência ou a deportação de imigrantes.
Verificar se as ameaças de Trump são vazias ou intencionais é "extremamente desafiador", observa Seden Akcinaroglu, cientista político da Universidade de Binghamton, em Nova York. Mas há maneiras de estudar os manuais de diplomacia para entender suas decisões estratégicas.
Para que os blefes atinjam seu objetivo de coerção, um líder deve manter uma imagem crível e consistente de imprevisibilidade. "Até mesmo ameaças aparentemente vazias podem atingir seus objetivos estratégicos de forma eficaz se intimidarem os adversários ou reforçarem apoio dentro de seus círculos eleitorais", diz Akcinaroglu.
Dissuasão nuclear talvez seja o maior blefe de todos os tempos — a ameaça de lançar ataques nucleares e a disposição para a destruição mutuamente assegurada (ironicamente chamada de MAD, na sigla em inglês, que também forma a palavra "louco") alcançou seu objetivo de evitar uma guerra termonuclear até o momento.
Mas é difícil determinar a sinceridade ou a credibilidade dos blefes quando os presidentes dos EUA os utilizam, argumenta Akcinaroglu. Richard Nixon (presidente americano entre 1969 e 1974) cunhou o termo "teoria do louco" para descrever sua crença de que criar a percepção de instabilidade mental poderia contribuir para uma vitória na guerra do Vietnã.
"A teoria do louco é a ideia de que é útil ser visto como louco em uma negociação coercitiva. Isso é particularmente útil quando o cumprimento das ameaças é muito custoso", explica Roseanne McManus, cientista política da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA. "Mas é muito difícil distinguir a loucura genuína do blefe crível", pontua ela.
Todos os governos dos EUA, desde a Guerra Fria, blefaram e ameaçaram com guerra — nuclear ou convencional — para atender a seus propósitos, ainda que o objetivo fosse a paz. Pesquisas da ciência política sugerem que, por 80 anos, a Rússia acreditou que os EUA endossavam essas ameaças de guerra, especialmente se qualquer outro país membro da Otan fosse invadido.
Mas o que distingue a estratégia louca de Trump da de presidentes americanos anteriores é o uso do expediente tanto contra adversários quanto contra aliados, aponta McManus.
"Desde o início de seu segundo mandato, Trump parece estar buscando se aproximar da Rússia em vez de usar uma estratégia de louco contra a Rússia. Em vez disso, Trump pode estar usando uma estratégia de louco em relação à Europa", analisa a pesquisadora.
As ameaças de sair da aliança da Otan vêm acompanhadas de uma sugestão adicional e velada de que ele pode não defender a Europa contra futuros ataques russos. Mas ainda não está claro quais são suas reais intenções.
A retórica de Trump carrega uma incerteza que torna difícil para outros países saberem como se posicionar em relação ao americano.
A resposta curta é que ela não diz nada - mas esse é o ponto. "Trump está claramente ciente de sua reputação de louco e a vê como um trunfo. No entanto, muitas vezes não fica claro para mim se Trump está empregando deliberadamente a teoria do louco ou se está apenas agindo de acordo com seus impulsos genuínos", diz McManus.
A pesquisa de McManus sugere que os líderes que nunca cumprem suas ameaças tendem a perder sua reputação de loucos. "Se Trump cumprir, mesmo que ocasionalmente, suas ameaças extremas, como fez recentemente com as tarifas comerciais, ele provavelmente poderá manter sua reputação de louco", afirma McManus.
E talvez essa seja a maior aposta de Trump - fazer-se de louco na diplomacia com todos os lados requer que ele sustente essa atitude. Enquanto isso, aos outros só resta especular. (DW)