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Como o Brasil pretende conduzir o debate global sobre meio ambiente na COP30
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Como o Brasil pretende conduzir o debate global sobre meio ambiente na COP30

País quer promover "mutirão global" para virar jogo contra mudanças climáticas, com o empenho da sociedade civil. Mas não menciona se vai trazer fim da era fóssil para a discussão
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Desmatamento dentro da Terra indígena Karipuna, em Rondônia, na Amazônia, praticado por Madeireiros, grileiros e empresários do agronegócio (Foto: Alexandre Noronha/Amazônia Real)
Foto: Alexandre Noronha/Amazônia Real Desmatamento dentro da Terra indígena Karipuna, em Rondônia, na Amazônia, praticado por Madeireiros, grileiros e empresários do agronegócio

Em meio ao tumulto geopolítico e à tensão alimentada pelas guerras em andamento, o Brasil tenta mobilizar a atenção para a próxima Conferência do Clima da ONU, a COP 30, aguardada para novembro em Belém, Pará.

A equipe à frente dos preparativos se articula a fim de trazer para as negociações um espírito de "mutirão" — palavra de origem tupi, difícil de traduzir para outros idiomas. Numa carta em que apresenta sua visão para a presidência da conferência, a diplomacia brasileira convoca as nações para um "mutirão global" para vencer "de virada" a luta que parece perdida contra as mudanças do clima.

"Juntos, podemos fazer da COP30 o momento em que viramos o jogo, quando colocamos em prática nossas conquistas políticas e nosso conhecimento coletivo sobre o clima para mudar o curso da próxima década", diz o documento apresentado em março em Brasília.

O maior poluidor histórico decidiu ficar de fora. Donald Trump já disse que os Estados Unidos não vão honrar os compromissos de corte de emissões de gases-estufa assumidos dentro do Acordo de Paris, assinado em 2015 na COP21. E que não financiam nenhum projeto neste sentido.

"Nós vamos trabalhar com os estados daquele país que querem continuar neste esforço, o que já aconteceu quando Trump ganhou pela primeira vez", disse o embaixador André Corrêa do Lago a um grupo de jornalistas, dias antes do lançamento da carta.

Segundo as regras, a medida anunciada por Trump só terá efeito prático em janeiro de 2026, e formalmente os EUA ainda fazem parte do Acordo de Paris no encontro de novembro em Belém.

"Sem surpresas"

É tradicional que o presidente da COP faça uma carta para sinalizar ao mundo os principais objetivos da rodada. A diferença é que a próxima COP não tem um mandato especial para negociar um tópico específico, como foram os casos das duas últimas.

Dubai, em 2023, e Baku, em 2024, fecharam as negociações em torno do "livro de regras" do Acordo de Paris. Um dos pontos pendentes era a meta de financiamento climático, finalizada na última conferência e considerada insuficiente.

Experiente e respeitado na diplomacia internacional, Corrêa do Lago promete uma presidência sem surpresas desagradáveis e uma "transparência enjoada". A carta, diz ele, já apresenta o que está previsto que aconteça na negociação.

"Nós chegamos neste momento no limite de tratar do tema apenas negociando num acordo internacional cheio de regras. Por isso a ideia de apresentar ao mundo o mutirão, mostrar que tem que se juntar para o bem comum", afirmou o embaixador na conversa prévia com jornalistas.

O que acontece em 2025

O Acordo de Paris é o único tratado internacional dentro da ONU em que os países, coletivamente, aceitam cortar suas emissões de CO2 para frear as mudanças climáticas. Cada governo estabelece uma meta voluntária, as assim chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), que somadas deveriam limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial (1850-1900).

Segundo o tratado, 2025 é o ano em que os países revisam suas metas, mas poucos apresentaram um novo número dentro do prazo expirado em fevereiro. Em visita recente ao Brasil, Simon Stiell, secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), disse que a "grande maioria dos países" indicou que enviará suas novas NDCs até o fim do ano.

Em Belém, a presidência brasileira diz que trabalhará para defender o que já foi construído no contexto do Acordo de Paris, fortalecer o multilateralismo no atual cenário de fragmentação global e criar uma conexão mais sólida entre o que está sendo negociado — que muitas vezes parece abstrato — e os mundos da política e economia.

Vitalidade da sociedade civil

De volta a um país de regime democrático após passar por anfitriões que mantêm forte controle das manifestações sociais, os preparativos para COP30 têm mobilizado organizações da sociedade civil. Os movimentos indígenas, por exemplo, cobram que o governo brasileiro dê aos povos originários um papel central nas negociações.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) defende ainda o acesso direto às verbas internacionais destinadas a financiar medidas para adaptação às mudanças do clima. A carta da diplomacia brasileira faz algumas menções à importância dos indígenas.

De ação prática, a presidência diz que convidará representantes para um "Círculo de Liderança Indígena" visando aumentar sua representação e garantir que os conhecimentos e a sabedoria tradicionais sejam integrados à inteligência coletiva global".

Corrêa do Lago reconhece a atuação da sociedade civil brasileira como uma das forças do país e um "elemento central para o sucesso da COP30", e acha importante que haja manifestações — o que muitos consideram ter faltado nas edições passadas no Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão.

Ana Toni, secretária nacional de Mudanças Climáticas, afirma que esse envolvimento é necessário não apenas durante os 12 dias de conferência, mas ao longo do ano todo, para que a população chegue informada e preparada.

"Ela traz essa vitalidade para outros países também. A gente precisa dessa energia da sociedade civil, de mobilização, do engajamento em todos os países. A sociedade civil brasileira já é muito engajada", afirmou Toni durante a conversa com os jornalistas.

Lacuna importante da carta

O abandono aos combustíveis fósseis, o principal causador do aquecimento do planeta que acelera as mudanças climáticas, não é citado na carta da diplomacia brasileira. Esse tópico apareceu pela primeira vez num acordo discutido na COP de Dubai, mas sem detalhar como isso será feito.

"Vamos ver se a presidência brasileira terá coragem de colocar esse tema para discussão em Belém", comenta Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima.

A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, defendeu a carta e afirmou que o compromisso que o Brasil assume de se afastar do mercado de combustíveis fósseis ficou subentendido.

"Se a gente vir a linguagem diplomática, a questão dos combustíveis fósseis está ali colocada. Quando você fala que tem que fazer a transição energética, vai transitar para onde? De fóssil para renovável, que é exatamente pegar o que foi decidido lá na COP28 [28ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas], em Dubai, que diz que se tem que triplicar [energia] renovável, duplicar eficiência energética e fazer a transição para o fim do uso de combustível fóssil", complementou.

Uma medida do sucesso da conferência seria abrir uma discussão de alto nível para implementar quando e como vai transcorrer o fim da era do petróleo: "Claro que a presidência tem outras tarefas importantes, como a de recuperar a confiança entre as partes, severamente abalada depois de Baku", afirma Angelo, lembrando a decepção dos países mais pobres com o pouco dinheiro prometido pelos mais ricos para bancar a adaptação às mudanças do clima.

No pano de fundo, a crise não espera. O ano de 2024 foi confirmado como o mais quente da era pós-industrial, e uma nova leva de notícias ruins anunciadas pela ciência, como o degelo no Ártico, assola a humanidade.

Autora: Nádia Pontes/DW

Com Agência Brasil

Brasil está abandonando suas promessas climáticas?

Quando o presidente Lula voltou ao cargo em 2023, os ambientalistas, em geral, respiraram aliviados. Após quatro anos de desmonte ambiental promovido por Jair Bolsonaro, o novo líder chegara com a promessa de proteger o clima. Mas o alívio se converteu em decepção. A poucos meses de o Brasil sediar a 30ª conferência do clima da ONU (COP30), Lula está em campanha pela exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, e seu governo aprovou uma cooperação com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

"O mundo deu ao Brasil um mandato para liderar o debate sobre o clima em 2025", afirma Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, rede que reúne mais de cem organizações voltadas para a agenda climática. "Dobrar a expansão do petróleo é uma traição a esse mandato", conclui.

O Brasil tem vastas reservas de petróleo e figura como o oitavo maior exportador global - atrás de países como Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos. Mas o governo quer aumentar a participação do país nesse mercado e chegar ao quarto lugar.

"Não devemos nos envergonhar de sermos produtores de petróleo", disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao anunciar os planos do país de ingressar na Opep . "O Brasil precisa crescer, se desenvolver e criar renda e empregos."

A Opep é um cartel que reúne os principais países produtores de petróleo, incluindo Irã, Iraque, Nigéria e Arábia Saudita, para coordenar a produção de petróleo e manter o mercado estável. Outros grandes produtores não são membros plenos, mas concordam em cooperar com essas nações ao fazer parte da Opep , como é o caso da Rússia, um dos maiores produtores globais.

Numa recente entrevista à imprensa, o embaixador André Correa do Lago, presidente da COP30, disse que aderir à Opep daria ao país a chance de se envolver em conversações sobre a transição para além dos combustíveis fósseis. Embora o Brasil não seja um membro pleno da Opep, os ambientalistas criticaram a aproximação, argumentando que ela consolida as ambições petrolíferas do país. Lula alegou que as receitas do petróleo são necessárias para ajudar a financiar uma transição para as energias verdes.

Correa do Lago usou o mesmo argumento, complementando que é mais fácil e mais barato tomar dinheiro emprestado para investir em projetos de petróleo do que em outros projetos mais sustentáveis. "O dinheiro que você perde ou ganha com a exploração de petróleo pode ser usado internamente para projetos que sejam bons para a transição [para energia limpa]", disse.

Ilan Zugman, diretor administrativo para a América Latina da ONG 350.org, refuta o argumento do governo. Ele diz que não há nenhuma política nacional para uma mudança mais efetiva para as energias renováveis e que, mesmo que houvesse, o dinheiro para essa transição poderia vir de outras fontes.

"Todos os anos, o Brasil dá bilhões de dólares para subsidiar o setor de combustíveis fósseis. Gostaríamos de ver o Brasil transferindo alguns desses subsídios dos combustíveis fósseis para os renováveis", disse.

De acordo com um relatório da instituição científica e tecnológica sem fins lucrativos INESC P&D Brasil, os subsídios federais para a produção e o consumo de petróleo, gás e carvão atingiram cerca de 14,6 bilhões de dólares (R$ 112,4 bilhões) em 2022. Esse valor é cinco vezes maior do que o investido em energias renováveis. "Ainda nos falta a vontade política, a coragem de tomar algumas decisões ousadas e começar a transferir esses recursos para uma energia que possa melhorar nossa situação de emissões de carbono no mundo." (DW)

Lula é um líder climático?

O Brasil é o 6º maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, sendo que o desmatamento e a mudança no uso da terra na região amazônica são responsáveis pela maior parte das emissões do país. A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e um importante sumidouro de carbono. Após a vitória eleitoral em 2022, o presidente Lula prometeu controlar a extração ilegal de madeira, a mineração e o desmatamento de áreas para atividades como fazendas de gado e de soja, que se tornaram comuns durante o governo Jair Bolsonaro.

Nos primeiros seis meses do mandato de Lula, o desmatamento na Amazônia brasileira caiu em cerca de um terço e continuou a diminuir. O presidente se comprometeu a acabar com a derrubada de árvores na floresta até o fim da década.

A candidatura do país para sediar a COP30 em Belém foi vista como mais uma prova do compromisso do governo com o clima, assim como a apresentação das últimas metas climáticas — exigência dos signatários do acordo climático de Paris, que visa limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau.

O Brasil apresentou a meta de, até 2035, cortar entre 59% e 67% as emissões em relação aos níveis de 2005. "Francamente, isso não é tão ambicioso", disse Claudio Angelo, do Observatório do Clima. "Não é nem de longe compatível com 1,5 (grau)." Os objetivos também não incluem metas para as exportações de petróleo, cuja queima não é contabilizada nas emissões do Brasil, mas que provoca um impacto global.

Pesquisadores do SEEG, uma das principais plataformas de monitoramento de gases de efeito estufa na América Latina, afirmam que, se o Brasil explorasse as reservas projetadas, as emissões resultantes da queima anulariam os ganhos obtidos com a redução do desmatamento da Amazônia. O Brasil tem enfrentado algumas das consequências mais devastadoras da emergência climática. Em 2024, o país passou pela pior seca já registrada. Incêndios florestais devastaram cerca de 30,8 milhões de hectares em 2024, uma área maior do que a Itália.

O World Weather Attribution, um coletivo de cientistas que investiga a conexão entre eventos climáticos extremos e mudanças climáticas, detectou que os incêndios florestais que queimaram as áreas úmidas do Pantanal em junho de 2024 se tornaram pelo menos quatro vezes mais prováveis e 40% mais intensos como resultado das mudanças climáticas causadas pelo homem.

"As pessoas (no Brasil) estão literalmente sentindo o calor", disse Angelo. "Isso não passa despercebido na Presidência. Eles sabem o que está em jogo. Mas, no momento, a mistura de questões domésticas e geopolíticas está tornando a agenda muito incerta." (DW)

Órgão da COP30 funcionará até dezembro de 2026, ligado ao gabinete de Lula

O órgão que reunirá servidores com a função de presidir a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) foi oficialmente criado na semana passada. O departamento será ligado ao Gabinete Pessoal do Presidente da República e funcionará até 1º de dezembro de 2026.

Oficialmente, junto à Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil só passará a presidir a conferência após a transferência entre o presidente da COP29, Mukhtar Babayev, e o presidente brasileiro que foi designado para sessão seguinte, em novembro.

Mas, de acordo com decreto assinado pelo presidente em exercício, Geraldo Alckmin, e publicado no Diário Oficial da União, o órgão também coordenará e será responsável pela articulação e as orientações anteriores a esse momento.

Ao todo trabalharão oito pessoas no novo órgão, entre elas o presidente designado, embaixador André Corrêa do Lago, e a diretora-executiva designada, Ana Tôni. O decreto também prevê que o restante da equipe será formada por servidores da Casa Civil e do Ministério das Relações Exteriores (MRE) remanejados.

André Corrê do Lago é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ingressou na carreira diplomática em 1982. Chefiou departamentos do MRE e atuou junto a organismos internacionais nas áreas de energia, clima e meio ambiente.

Trabalhou nas embaixadas de Madri, Praga, Washington, Buenos Aires e Bruxelas e foi embaixador no Japão e na Índia. Foi negociador-chefe do Brasil em conferências ambientais e climáticas, inclusive na Rio 20. Está secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty desde março de 2023.

Ana Toni é formada em Economia e doutora em Ciência Política, com longa experiência em projetos e políticas sociais e ambientais. É integrante da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade. Foi diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), presidente de Conselho do Greenpeace Internacional, diretora da Fundação Ford no Brasil e da ActionAid Brasil.

Foi conselheira do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Grupo Gold Standard, Fundo Baobá para Equidade Racial e das empresas Light e Vibra Energia. Está secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). (Agência Brasil)

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