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Por que parlamentares têm pressa em aprovar PL da anistia?
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Por que parlamentares têm pressa em aprovar PL da anistia?

Deputados, incluindo filiados a partidos da base do presidente Lula, assinaram pedido de urgência do projeto. Dentro e fora do Congresso, há pressão para aprovação
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Ato de Bolsonaro pede anistia para envolvidos na invasão das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 (Foto: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP)
Foto: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP Ato de Bolsonaro pede anistia para envolvidos na invasão das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023

Projeto de Lei (PL 2858/22) que prevê anistiar envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram sedes dos Três Poderes, em Brasília, tem dividido base e oposição. A proposta mobiliza uma parcela de militantes bolsonaristas a ir às ruas pressionar o andamento da pauta no Congresso.

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), tem dado sinalizações de que o tema não é prioridade. A posição tem feito aliados de Bolsonaro se mobilizarem, obstruindo trabalhos em comissões temáticas em temas diversos e articulando com outros deputados para garantir o número mínimo de assinaturas (257) para pedir urgência do texto. Movimentos recentes reacenderam o debate sobre a viabilidade do projeto. Última atualização de líderes da oposição aponta que o número foi atingido e que pelo menos 259 assinaturas foram recolhidas, sendo oito de parlamentares cearenses. 

Dados do Portal da Câmara dos Deputados mostram que, pelo menos, sete projetos de anistia foram protocolados e estão apensados ao PL 2858/22. O texto, de autoria do ex-deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), inicialmente previa anistiar quem participou de atos após a derrota eleitoral de Bolsonaro para o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à época ocorriam protestos em rodovias e em frente a quartéis do Exército. Entretanto, mudanças no texto incluíram também os manifestantes do 8 de janeiro.

Neste ano, duas manifestações convocadas por Bolsonaro, uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, tiveram a anistia no centro da pauta e contaram com a presença do ex-mandatário. Embora tivessem a temática pela anistia, o tom eleitoral também esteve presente nos discursos de Bolsonaro que, mesmo inelegível, ainda se nega a apontar apadrinhados. O POVO ouviu especialistas sobre os motivos que levaram a essas mobilizações e sobre as chances que a anistia tem de sair do papel.

Fernandes Neto, advogado e especialista em Direito Eleitoral e Constitucional, entende que o momento político no Brasil é pouco propício à anistia. "Principalmente daqueles que realizaram tentativa de golpe, depredação e abolição do Estado Democrático. Talvez não seja politicamente viável, mas ocorre porque é uma pauta de união do bolsonarismo”, diz.

Neto destaca ainda uma dupla finalidade do atual PL da anistia: “Ele tenta prenunciar uma possível anistia a Bolsonaro e a outros que se tornaram réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe. Então, tem suas finalidades, a da união política (mobilização) desse grupo e a de possibilitar, a partir do Congresso, uma anistia a Bolsonaro e aliados, como ocorreu em 1964 para militares que exerceram o poder à força, a ferro e fogo”.

O advogado diferencia a atual cobrança por anistia da concedida à época da Ditadura Militar e que englobou tanto opositores, quanto militares que praticaram perseguições. “Não há como comparar com a anistia que é requerida agora, visto que são fatos e situações distantes e distintos”, argumenta.

Ele aponta uma correlação de causa e efeito: “A anistia pretendida agora é consequência daquela dada antes. O movimento atual deve-se muito ao fato da anistia concedida na ditadura não levar culpados a pagarem. A opção histórica da anistia de 1964 teve influência direta na repetição da tentativa de golpe em 2022”.

Já Paula Vieira, cientista política vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará, (Lepem-UFC), destaca a escolha de Bolsonaro por não se dissociar das mobilizações pró-anistia, mesmo após tornar-se réu no STF por suspeita de participação em uma trama golpista.

“É curioso ele não buscar uma estratégia de dissociação daqueles acusados de tentativa de golpe e de optar por seguir nessa busca por anistia. Ele faz isso, também, para utilizar o movimento como forma de continuar como liderança e porque confronta o STF e os critérios de Justiça. Está buscando reforçar-se como ‘antissistema’, uma parte da identidade bolsonarista. Se ele optasse por se dissociar, talvez perdesse capacidade de mobilização”.

Sobre os atos de rua, a professora destaca que são uma forma de manter a polarização nas bases do bolsonarismo. “Toda mobilização dos atos foi feita por Bolsonaro e seus aliados, não há separação de movimentos pró-anistia e do bolsonarismo. Essas duas pautas andam lado a lado. Quem são os líderes do movimento de anistia? É um ato pró-Bolsonaro, que pretende manter a mobilização desses possíveis aliados e eleitores”, completa.

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a pauta, portanto, tornou-se uma forma de teste de força do ex-mandatário nas ruas, mas também no Congresso. Hugo Motta manifestou-se solidário com relação a penas mais duras determinadas pelo STF, mas não sinaliza que não pautará o texto.

Ato de Bolsonaro pela Anistia. Copacabana, Rio de Janeiro. 16.03.2025
Ato de Bolsonaro pela Anistia. Copacabana, Rio de Janeiro. 16.03.2025

Manifestantes acham que situação atual caracteriza uma ditadura

Em março deste ano, uma série de atos pedindo anistia para condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 foram registrados em capitais no País. Um dos atos contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi a Copacabana, no Rio de Janeiro.

Pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político, da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a ONG More in Common, mostrou que 90% dos presente no ato em Copacabana "concordam totalmente" com a afirmação de que "excessos e perseguições da Justiça caracterizam a situação atual como uma ditadura" no Brasil.

O levantamento também mostrou que 59% dos manifestantes apontaram o Supremo Tribunal Federal (STF) como o principal inimigo dos conservadores no Brasil, índice superior ao da "esquerda" que apareceu em segundo lugar no mesmo ranking, com 16%. Além disso, 92% dos entrevistados acreditam que a proposta de Estado de Sítio, discutida por Bolsonaro em 2022, "não representava um golpe de Estado" no Brasil.

As entidades projetaram ainda o cenário eleitoral de 2026 ao questionarem quem os manifestantes preferiam que fosse apontado por Bolsonaro, caso o ex-presidente, que está inelegível, não possa concorrer novamente no ano que vem.

42% dos entrevistados manifestaram preferência pelo governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), 21% apontaram a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) como a melhor indicação e 16% afirmaram preferir o deputado Eduardo Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente.

A pesquisa realizou 495 entrevistas, entre às 9h30 e 13h de 16 de março, em toda a extensão da Praia de Copacabana ocupada pelos manifestantes. A margem de erro é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%. Ao todo, levantamento do Monitor mostrou que o ato contou com 18 mil pessoas no ápice.

O que dizem os deputados cearenses

André Figueiredo (PDT)

Presidente nacional interino do PDT, o deputado disse ao O POVO que sua posição pessoal é de que o projeto não deveria, sequer, ser pautado. "Não é momento de entrarmos em projetos que gerem divisão na Casa. Temos que nos atentar, inclusive saímos há pouco de uma reunião sobre a PEC da Segurança Pública, temos outros temas muito importantes".

Sobre a anistia em si, afirmou: "Crimes contra a democracia, do jeito que foi feito naquele fatídico 8 de janeiro, precisam ser exemplarmente punidos. Anistia, da maneira como está proposta, nós somos contrários".

Matheus Noronha (PL)

Deputado em primeiro mandato, Noronha disse ser a favor da anistia pleiteada pela oposição. Seu nome aparece na lista dos que assinaram o pedido de urgência.

"Principalmente pela desproporcionalidade das penas com casos parecidos. A anistia seria um modo de corrigir injustiças e os exageros do caso em questão. Acho que (os envolvidos) já pagaram o que tinham que pagar". Sobre o andamento da pauta na Casa, o parlamentar disse ao O POVO: "Se a matéria for pautada na Câmara dos Deputados, ela será aprovada. A maioria é a favor".

José Guimarães (PT)

O líder do governo Lula na Câmara dos Deputados escreveu recentemente nas redes sociais que a tentativa de pautar a anistia "enfraqueceu de vez". Guimarães destacou pesquisa DataFolha que mostrou que 67% da população prefere que Bolsonaro abra mão da candidatura em 2026 e aponte outro nome para a disputa.

"Esse resultado demonstra que a população quer a democracia como regime civilizatório e quem praticou crimes contra o Estado democrático de direito deve prestar contas à justiça e ser punido com o rigor da lei. Esse parece ser o recado. Sem anistia!", pontuou.

Dr. Jaziel (PL)

Aliado do ex-presidente, Dr Jaziel esteve presente em ato pró-anistia na Avenida Paulista, em São Paulo neste mês. "Ao ver o tamanho dessa manifestação, tenho absoluta certeza: o presente pode até ser deles, mas o futuro é nosso. Anistia já!", escreveu em defesa da pauta.

André Fernandes (PL)

O deputado também acompanhou Bolsonaro no ato da Paulista. Ele publicou vídeos e fotos no trio que o ex-presidente estava. "Fico feliz porque o Brasil está tendo oportunidade de acompanhar pessoas tentando transformar estilingue, bolinha de gude, algodão-doce, Bíblia e batom em tentativa de golpe", escreveu. Ele também assinou pedido de urgência.

José Airton (PT)

Deputado tem demonstrado ser contra o projeto. Em vídeos e publicações, ele tem criticado o avanço da pauta. "Foi um atendo contra a democracia brasileira, contra as instituições. Por isso, nós não concordamos com a anistia", disse.

O que diz o projeto?

1 A anistia é prevista no Código Penal brasileiro, sendo uma forma de extinção da punibilidade de um crime. Na prática, é a concessão de um perdão a um delito cometido por um brasileiro ou grupo de brasileiros

2 No caso do projeto, a anistia perdoaria quem praticou crimes políticos ou eleitorais, sendo manifestantes, caminhoneiros, empresários e todos os que tenham participado de manifestações nas rodovias nacionais ou em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 até a data em que a lei entrar em vigor

3 O texto original também perdoa multas relacionadas às condenações de quem participou do 8 de Janeiro. Concederia também anistia para quem ajudou no financiamento, organização ou apoio de qualquer natureza aos atos. Quem fez publicações de endosso nas redes sociais ganharia também

4 O projeto está travado desde o fim de outubro de 2024, porque horas da votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), definiu que o projeto deveria ser encaminhado para outras comissões

5 Na prática, Lira travou o projeto. Isso porque o regimento da Câmara prevê que proposições destinadas a mais de cinco comissões devem ser analisadas por uma comissão especial a ser formada para a ocasião. A comissão especial nunca foi instalada e o projeto estava parado

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