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Batalha de Montese 80 anos da vitória do Brasil que dá nome a bairro em Fortaleza
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Batalha de Montese 80 anos da vitória do Brasil que dá nome a bairro em Fortaleza

|Sangrenta| Marcada por ser um combate urbano, a Batalha de Montese resultou em mais de 400 baixas, entre mortos e feridos, das mais de 3 mil sofridas pelos febianos em toda a campanha na Itália
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Toda região italiana era bastante acidentada, devido à topografia do terreno (Foto: Arquivo Exército Brasileiro)
Foto: Arquivo Exército Brasileiro Toda região italiana era bastante acidentada, devido à topografia do terreno

Se na Batalha de Monte Castelo os pracinhas brasileiros conquistaram a maior vitória do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a Batalha de Montese também lhes garantiu sucesso no combate ao nazifascismo que dominava a Itália de 1945. Essa façanha, no entanto, se deu sob o custo de ter sido a luta mais sangrenta de toda a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Das mais de 3 mil baixas sofridas pelos febianos, o que inclui mortos e feridos, aproximadamente 400 ocorreram apenas em Montese, comuna italiana da região da Emília-Romanha. Entre eles, o cearense sargento Edson Sales de Oliveira. Natural de Jaguaruana, ele perdeu a vida aos 24 anos.

Iniciada em 14 de abril daquele ano, a batalha tinha por objetivo tomar a comuna que, àquela altura, era dominada por tropas alemãs. O combate também ficou marcada por ser um combate urbano, no qual o exército inimigo havia ocupado casas e prédios, expulsando os moradores e construindo casamatas nas moradias desocupadas.

O enredo é narrado pelo tenente-coronel Gustavo Augusto de Araújo Chaves Pereira, historiador do Exército e chefe do Centro de Cultura Regional Militar da 10ª Região, baseada no Ceará. "A Batalha de Montese é muito significativa no plano técnico, estratégico e militar. Monte Castelo, por exemplo, foi uma luta campal difícil por causa da questão geográfica. Montese, por sua vez, teve essa particularidade do confronto numa urbe composta por 1.121 moradias, entre pequenos prédios e casebres", conta.

Conforme o historiador do Exército, "faltava esse último bolsão de resistência alemã" para minar o possível sucesso inimigo. "Daí a questão tática da cidade de Montese ser importante para fechar com chave de ouro essa progressão vitoriosa da FEB". Gustavo destaca que essa batalha pode ser dividida em duas fases. A primeira é marcada pela preparação preliminar, na qual a artilharia brasileira se posicionou próximo à cidade italiana e atuou com fogos de artilharia.

"Esperou-se os tiros para desalojar os alemães e dar maior liberdade para que a tropa aliada progredisse, porque o terreno era minado. Quem pisava em uma delas, ficava praticamente fora de combate; ou morria ou ficava inutilizado. Já a segunda fase foi a mais crucial, sendo a etapa operativa que culminou na progressão das nossas tropas, com a concentração de bastante granadas", contextualiza.

Toda a região italiana era bastante acidentada, devido à topografia do terreno. "Muitas montanhas, uma região cheia de penínsulas, cadeias de montanhas. A artilharia alemã estava só esperando, porque eles achavam que ali tinham que segurar de qualquer maneira, afinal era a última linha defensiva deles", elucida o tenente-coronel.

Ainda de acordo com o historiador do Exército, as tropas inimigas, derrotadas em Monte Castelo, ficaram na retaguarda. Foi nesse espaço que os militares do Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, França e União Soviética avançaram e conseguiram derrubar a estratégia defensiva da Alemanha em Montese.

Diferentemente da linha Gótica, essa se formou naturalmente enquanto os aliados progrediam e os alemães recuavam. Em 17 de abril de 1945, sob os escombros, Montese era liberta das tropas alemãs. "Foi terrível. Casa por casa, prédio por prédio, combatendo ali os focos de resistência alemã. Das 1.121 casas daquela comuna, 833 ficaram em pé. A cidade ficou sob os escombros, resultado dos tiros de artilharia tanto alemães como dos Aliados, porque tinham que atirar naquela área para abater e expulsar os inimigos", revela o historiador.

Foi também no combate na cidade de Montese que o Brasil garantiu ainda mais a confiabilidade aliada. "Até então, havia a questão da confiança, mas o brasileiro já tinha mostrado isso em Monte Castelo, e, em Montese, foi apenas a consolidação vitoriosa da capacidade combativa do nosso soldado", finaliza o tenente-coronel Gustavo.

A luta travada naquele abril de oito décadas atrás marcou, ainda, a fase final das lutas da FEB na expulsão dos alemães no norte italiano. Depois desse combate, os brasileiros continuaram na saga de libertação do nazifascismo, lutando em outras duas ocasiões.

O escritor cearense Raimundo Nonato Ximenes morreu, aos 99 anos de idade, nesta sexta-feira, 19, em Fortaleza. Ele era considerado
O escritor cearense Raimundo Nonato Ximenes morreu, aos 99 anos de idade, nesta sexta-feira, 19, em Fortaleza. Ele era considerado "fundador" do bairro Montese, na Capital

De Pirocaia a Montese: bairro de Fortaleza leva nome da batalha

As páginas do O POVO narram que o então agricultor Raimundo Nonato Ximenes, aos 21 anos de idade, teve de deixar o município de Groaíras após ser recrutado para a guerra. Ele foi incorporado à FEB em 1945, mas ficou sediado em Fortaleza na expectativa de embarcar para o continente europeu. "Depois da batalha do Montese, a Alemanha começou a enfraquecer e, 26 dias depois, soube que não ia mais para a guerra. Eu fiquei livre", contou, em 2013, o conhecido seu Ximenes.

Terminada a guerra, ele pensou em retornar para cidade natal, mas ficou servindo no 23º Batalhão de Caçadores do Exército (23ª BC). Foi então que um primo lhe ofereceu um terreno no antigo bairro Pirocaia, nas proximidades da antiga estrada do Gado, hoje avenida Gomes de Mato. O nome se deu devido a rebanhos que seguiam pela via rumo ao abatedouro localizado no bairro Jardim América.

Ximenes e a família estabeleceram-se no Pirocaia. Pensando nos amigos que não voltaram da guerra, ele sugeriu a mudança do nome do bairro. "Foi um ato de gratidão aos companheiros da FEB", disse. Ximenes passou a ser considerado o fundador do bairro. Ele morreu em 2022, aos 99 anos, devido a complicações causadas por um coágulo no coração.

A filha do meio, de um total de sete herdeiros de Ximenes, a dona de casa Lúcia Maria Ximenes, conta que, até aquele momento, o pai e a mãe, Libânia Ximenes, conhecida como dona Lili, moravam em uma casa de taipa.

"Meu pai se juntou com os outros que vieram da guerra e mudaram o nome do bairro, e ele tinha muito orgulho disso. Quando estava praticamente para falecer, nós botamos uma enfermeira para ajudar a cuidar dele. Ele pedia para que ela botasse o nome dele no Google, que o identificava como 'o fundador do Montese'. Meu pai pedia várias vezes para ouvir aquilo", relembra.

A paixão por Montese fez o também cirurgião-dentista se tornar escritor e ser autor de dois livros sobre o bairro: "De Pirocaia a Montese - Fragmentos Históricos" (2004) e "Uma Paróquia de Fé" (2008), que conta a história da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, localizada no bairro.

A data convencionada para o nascimento do Montese é 14 de abril de 1946. No mesmo dia em 2025, a 10ª Região Militar do Exército Brasileiro (10ª RM), em parceria com o Instituto Montese e Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), realizou uma homenagem em comemoração ao aniversário de 79 anos do bairro e em memória aos 80 anos de vitória dos brasileiros na Batalha de Montese. O evento ocorreu no Ginásio Padre Félice, no Colégio Piamarta.

Na ocasião, o comandante da 10ª RM, general de Divisão Cristiano Pinto Sampaio, comentou que ao visitar as vilas que foram libertadas pelos pracinhas brasileiros, os moradores ainda têm uma "gratidão enorme pela FEB, porque eles sabem o que é o horror da guerra".

"E nós estamos aqui hoje para lembrar isso. A juventude, o país ou a sociedade que não cultua a sua história está perdendo o seu futuro, porque, se não sabemos de onde vimos, não saberemos para onde vamos", refletiu o comandante, direcionando-se, especialmente, aos alunos. O POVO esteve presente no evento.

Amizade entre os Monteses

A cidade Montese, na Itália, e o bairro Montese, em Fortaleza, firmaram um pacto de amizade assinado em 1999 pelo prefeito Juraci Magalhães (então PMDB). Na ocasião da assinatura em solo italiano, estiveram o febiano Raimundo Nonato Ximenes e o ex-vereador Narcílio Andrade. Hoje sem apoio de órgãos públicos, o vínculo é mantido pelo Instituto Montese.

A educadora Francisca Kátia de Sousa Silva, 56, é uma das fundadoras da entidade. Ela conta que a iniciativa foi criada em 2000 para manter o pacto de amizade, "resgatando a memória nas escolas, nos bairros, em todos os quatro cantos, do que foi o ato heroico que deu nome ao bairro Montese".

"Ao longo desses anos, temos mantido esse elo com a cidade de Montese. Já temos três delegações que foram lá visitar, conhecer essa história, bem como aqui nas escolas do bairro a gente faz um trabalho junto aos alunos, e alcançamos algumas igrejas. Mantemos uma parceria também com o Exército Brasileiro", explica Kátia Sousa.

Questionada sobre a motivação para manter esse trabalho, ela revela que, além de ser "filha da terra", o engajamento na igreja católica a aproximou da pauta. No ano 2000, a educadora participou do Jubileu da Juventude realizado na Itália.

"Aqui nós temos uma congregação piamartina, oriundos da Itália. Dentro desse contexto, a gente se familiarizou com a língua italiana e com o país. Quando veio o pacto de amizade, fomos convidados a participar. É como se fosse um contágio", revela.

Em uma das viagens que fez à cidade Montese, Kátia menciona ter recebido objetos de guerra, como restos de bala e de capacetes usados por febianos. O material foi entregue à Associação Nacional dos Veteranos da FEB.

"Na época, não sabia nem da relevância. Trouxemos para levar aos febianos. Conhecemos muitos, tinha mais de 20 vivos", relata a educadora.

De acordo com atualização de dados feita pela 10ª Região Militar, dois pracinhas cearenses estão vivos. São eles o tenente Geraldo Rodrigues de Oliveira, de 103 anos, e o sargento José Barbosa Sobrinho, que completará 108 anos no próximo dia 26 de abril.

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