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Segurança pública: o "elefante na sala" do Governo que dá força à oposição
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Segurança pública: o "elefante na sala" do Governo que dá força à oposição

|Discurso| Com a ascensão da guerra contra as organizações criminosas e a polarização das lideranças políticas, personalidades e abordagens surgem para debater a pauta da segurança pública
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A segurança pública no Ceará segue sendo um dos principais temas de debate entre as autoridades locais (Foto: Divulgação/COF)
Foto: Divulgação/COF A segurança pública no Ceará segue sendo um dos principais temas de debate entre as autoridades locais

Em 2017, o Ceará passava pelo ano mais violento já registrado na série histórica, com 5.133 homicídios. Em 2018, a marca foi menor, 4.518 homicídios, mas, nos sete primeiros meses, foram registradas sete chacinas, com 48 mortos. Eram os anos posteriores à ascensão das facções criminosas no Estado, por mais que este, por vezes, ainda negasse a existência e a extensão dos tentáculos do crime.

Desde ações contra a "pistolagem" até a guerra contra as drogas e as facções, as políticas de segurança pública podem ser consideradas o "elefante na sala" dos governos cearenses. Com a herança do coronelismo com Virgílio Távora, César Cals e Adauto Bezerra, a redemocratização deixou um paradoxo para as gerações futuras do poder. As pessoas não confiavam na polícia, mas esperavam mais segurança e ordem para combater a violência que percorria o Ceará.

Logo em 1986, na primeira eleição direta após a ditadura, Tasso Jereissati (PSDB) foi eleito com seu slogan principal sendo "Projeto das Mudanças". Ele pregava o rompimento dos hábitos passados como sua principal bandeira e reforçava o discurso de uma polícia moralizada e moderna.

A professora emérita da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenadora sênior do Laboratório de Direitos Humanos da Uece (Labvida), Gaucíria Mota Brasil, lembra que o governo de Tasso "foi caracterizado pelas escolhas de delegados da Polícia Federal conhecidos como 'xerifões'" para gerir a área da segurança pública.

O primeiro foi o delegado Renato Torrano, que pediu demissão poucos meses depois de assumir o cargo após ser condenado por crime de abuso de autoridade. Então, o secretário de Segurança Pública passou a ser Moroni Torgan, nomeado em 1988. Ele era, na época, delegado da Polícia Federal.

Moroni ocupou muitos cargos desde esse momento, foi vice-governador e vice-prefeito, deputado eleito por diversos mandatos, além de candidato a prefeito de Fortaleza em 2000, 2004 e 2008. O político vendia o discurso de mudança da realidade na área da segurança pública. Não foi único muito menos o último.

O cientista político Luiz Fábio Silva Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), vinculado ao Departamento de Ciencias Sociais e ao Programa de Pós-Graduação de Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), parte do Conselho de Leitores do O POVO, afirma que durante a redemocratização, não só o Ceará, mas o Brasil, perdeu a oportunidade para se distanciar dos modelos ditatoriais no âmbito de segurança pública e mudar, na prática, a área.

"Cada governo tentou se mobilizar por meio de projetos e programas de mudanças nessas estruturas. No entanto, a falta de uma regulamentação constitucional e de mudanças mais profundas, do ponto de vista da própria legislação, acabam dificultando muito que você consiga mudar determinadas práticas", destaca o cientista político.

A professora Gaucíria Mota Brasil também sustenta a continuidade do período ditatorial no sistema policial de hoje. "A questão paradoxal, pós-ditadura, para os governos progressistas é que a polícia que temos hoje é a que o Estado Brasileiro Democrático herdou da ditadura. E não se pode ignorar que, com essa estrutura, vieram as práticas do passado que não foram esquecidas", diz. 

40 anos depois da redemocratização, o cenário de violência cearense adquiriu uma nova roupagem com a ascensão das organizações criminosas. No início de 2025, Roberto Sá, tenente-coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ) e delegado da Polícia Federal aposentado, assumiu a SSPDS, no lugar de Samuel Elânio, ambos sob pressão com os números e diante das ações violentas das facções.

E é nessa lacuna que os políticos da oposição crescem. Sociólogo fundador do LEV, Cesar Barreira explica que a ala consegue ganhar espaço no debate da segurança ao dar "respostas fáceis" para o problema da violência. "Então, de certa forma, essas coisas terminam adquirindo essa aceitação por parte da população. E eu agregaria esses dois aspectos, a questão, por exemplo, da violência. Existe uma certa cultura de que a questão da violência vai ser resolvida com violência. É por isso que, de certa forma, tem essa aceitação, porque aparece como uma coisa imediata", explica o sociólogo.

Profissionais da segurança que se tornaram parlamentares

Capitão Wagner (União Brasil), capitão da reserva da Polícia Militar do Ceará: Ele ficou conhecido por liderar um motim da Polícia Militar do Ceará em 2012, na época do governo de Cid Gomes. O episódio o catapultou para a política. Em 2020, no segundo motim, ele não teve participação explicita, não sendo indiciado no relatório da CPI do Motim por 'falta de materialidade", embora tenha sido mencionado

Sargento Reginauro (União Brasil), bombeiro: Ex-presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS). Reginauro chegou a ser chamado condenado na CPI do Motim, enquanto ainda era vereador, embora tenha defendido que a investigação "cometeu abusos"

Julierme Sena (PL), inspetor da Polícia Civil do Ceará: Foi eleito vereador de Fortaleza pela primeira vez em 2016, conseguindo reeleição em 2020, pelo União Brasil, e em 2024, pelo Partido Liberal

Coronel Aginaldo (PL), coronel da Polícia Militar do Ceará e ex-diretor da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP): ele foi candidato à Prefeitura de Caucaia e adversário do atual prefeito Naumi Amorim(PSD). Após a derrota, foi convidado a ser secretário Segurança Pública do município. Ele é marido da deputada federal Carla Zambelli (PL)

Inspetor Alberto (PL), policial: Sua imagem está atrelada à do deputado federal André Fernandes, sendo as bandeiras de seu mandato direcionadas conforme as ações do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)

Soldado Noelio (União Brasil), ex-Polícia Militar do Ceará: Ex-deputado deputado estadual e hoje vereador por Fortaleza

Dayany Bittencourt (União Brasil): Ela é esposa do ex-deputado federal Capitão Wagner e foi eleita em campanha muito atrelada a ele. Projeto de lei da deputada tipifica o crime de invasão virtual de domicílio. A proposta visa punir quem colocar, sem autorização, câmeras ou drones em casa alheia

Motim impulsionou segurança pública como pauta da oposição

Dois momentos da história recente do Ceará marcaram um antes e depois da área de segurança pública cearense. De 2011 para 2012, o Ceará presenciou um aumento de 924 CVLIs. A passagem de ano foi regada à apreensão da população por conta do motim policial iniciado em dezembro.

Em 2020, o Ceará teve a maior taxa proporcional de Mortes Violentas Intencionais (MVIs) do Brasil, com uma taxa de 45,2 por 100 mil habitantes. Caucaia foi o município mais violento do País naquele ano.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública relacionou o aumento de homicídios no Estado com uma série de fatores desencadeados pelo motim da Polícia Militar, em fevereiro daquele ano. A SSPDS também responsabilizou o motim.

O sociólogo Cesar Barreira afirma que os dois motins tiveram diferenças e aponta personagens visíveis. Capitão Wagner, um deles.

"Eu acho que são dois motins com características muito diferenciadas. O primeiro era o Capitão Wagner, que entrou até mesmo com a discussão sobre direitos humanos, de defesa dos profissionais da área de segurança pública. Então, nesse sentido, ele adquire uma certa legitimidade junto aos profissionais da área", explica Barreira.

Já em relação ao segundo motim, Barreira registra: "Já começou a entrar uma violência muito forte, pessoas que estavam mascaradas e uma questão muito forte de práticas violentas. E até nesse sentido é interessante, porque Wagner está presente e ausente ao mesmo tempo. Ele está lá, mas ele diz que não está. Porque era uma paralisação, ou um motim, mas sem o lado do apelo social que esteve muito forte em 2011, 2012", diz.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegou a ser criada em 2021 e, depois de 11 meses, indiciou o então vereador Sargento Reginauro (União Brasil), o presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS), Cleyber Barbosa Araújo, e o ex-diretor da APS, Francisco Davi Silva Barbosa. O relatório final citou Capitão Wagner em vários momentos, porém não foram encontrados indícios de crime cometido por ele.

Em 2010, ele tinha concorrido a deputado estadual, mas ficou na suplência. Foi, justamente em 2012, que teve fôlego político sendo eleito com o maior número de votos para vereador. Dois anos depois, foi o candidato a deputado estadual mais bem votado do Ceará, superando a marca alcançada por Delegado Cavalcante em 2002. Mais que isso, outros políticos seguiram no ritmo e conseguiram resultados posteriormente.

Já a professora Glaucíria, aponta que a Polícia Militar do Ceará "se tornou também uma força política" após o primeiro motim. Na época, o governador Cid Gomes (hoje no PSB) disse que aqueles foram seus piores momentos como administrador.

"Foi um movimento orgânico que ganhou destaque e representação no espaço da política nacional. Se, antes de 2012, os mandatos tinham mais pautas que defendiam interesses mais individuais, depois, os candidatos policiais eleitos passaram a defender interesses mais corporativos e ligados a determinados grupos na hierarquia policial que antes não se sentiam representados pelos que eram eleitos com a bandeira da segurança pública", afirmou Glaucíria.

Diversos políticos cearenses tem levando as bandeiras. Entre essas figuras, além de Wagner, sua esposa, Dayany Bittencourt (União Brasil) e Sargento Reginauro.

A Câmara Municipal de Fortaleza contém alguns parlamentares ligados a segurança pública, como Julierme Sena (PL) e Paulo Martins (PDT) são ligados à Policial Civil e o policial Inspetor Alberto (PL). 

O fenômeno não é exclusivo do Ceará. O Instituto Sou da Paz apontou que 103 parlamentares eleitos 2022 para assembleias de 23 estados e no Distrito Federal, além do Congresso Nacional, vieram das forças de segurança e armadas.

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