Após a partida do papa Francisco, a Igreja Católica realiza o processo de escolha do novo Sumo Pontífice que assumirá o trono de São Pedro. Essa decisão definirá os rumos de uma instituição milenar em um cenário global marcado por conflitos geopolíticos e humanitários. A fumaça branca que subirá no preceder do anúncio do novo líder religioso terá implicações além da fé, influenciando debates sobre paz, justiça social e o papel da instituição religiosa no século XXI.
Apesar da imprevisibilidade acerca de quem assumirá o posto, dois fatores pesam sobre o futuro: o legado de Francisco e a influência que o catolicismo está disposto a exercer nos próximos anos. Especialistas são cautelosos ao discorrerem sobre o sucessor, mas apontam que a instituição religiosa enfrenta o desafio de se reinventar sem perder a essência.
Para Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o primeiro líder das Américas fez um caminho semelhante ao de João Paulo II, de preparar, em certa medida, o seu sucessor, além de agendar publicamente as questões que o próximo pontífice deve encarar. "Ele deslocou a atenção do mundo para a Igreja. Disse para o mundo do que é que um papa deve se ocupar, que não é apenas dos problemas da Igreja, mas do mundo”.
Diante do trono vazio, os rituais dão conta de um processo essencialmente político. Ainda que o Colégio de Cardeais esteja com maioria nomeada por Francisco, 108 dos 135 membros aptos a participar do conclave, as indicações não se reduzem a perfis meramente progressistas ou conservadores, assim como a figura do papa latino-americano, que passeou por entre essas inclinações.
A professora Brenda Carranza, pesquisadora do Laboratório de Antropologia da Religião da Universidade Estadual de Campinas (Lar-Unicamp), avalia que o fato de Francisco ter nomeado cardeais em todo o mundo faz do conclave uma estrutura mais intercultural. Contudo, ela aponta que o catolicismo tem eixos fundamentais que unificam todos os cardeais ao redor do globo, como a teologia e a pastoral.
“Não é porque sejam de todas as partes do mundo que necessariamente pensam diferente. Eles podem estar muito bem alinhados ideologicamente, porque eles foram formados no papado de Bento XVI e de João Paulo II. Temos um perfil multicultural, porque eles procedem de lá, mas também um perfil bastante unificado, porque eles usufruíram da formação que os dois líderes anteriores forneceram, que é uma formação muito sólida doutrinariamente e com certo rigorismo na disciplina e na teologia moral", pondera Carranza.
Nesse contexto, a pesquisa do Lar projeta: “Neste momento, parece-me que não é que haverá uma guinada conservadora, ela já é conservadora. O que será interessante é observar qual discurso predominará”.
O professor Emanuel, por sua vez, acredita que o próximo a assumir o trono de São Pedro será alinhado ao caminhar de João Paulo II. "O corpo de cardeais deve se inclinar para uma escolha mais teológica e evangelizadora do que o perfil do papa Francisco, até porque é como se ele já tivesse feito a experiência de um papa fora do eixo da Europa. Parece-me que, apostar novamente nesse perfil, seria colocar a Igreja numa série de questões internas que não foram muito boas de serem evidenciadas agora".
O fato de Francisco, segundo o professor da Uece, ter se preocupado menos em ser o líder religioso, portanto, ter cuidado menos dos problemas da Igreja e mais com as demandas do mundo, dá indícios sobre quem o sucederá. “O corpo de cardeais, mesmo em maioria escolhida por Francisco, com a linha mais pastoral, tende a optar por um papa que seja muito afeito a questões teológicas. Se a gente pensar no João Paulo II, ele era um papa pastoral e teológico. Bento XVI foi teológico. E o Francisco, pastoral. O perfil de João Paulo II, teológico-pastoral, me parece que hoje seria o mais apropriado”.
Embora apontem caminhos, os especialistas foram unânimes em indicar a possibilidade de surpresas acerca do novo pontífice. Tabata Tesser, doutoranda em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP) e mestra em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ressalta que a "grande capacidade" de a Igreja Católica ter sobrevivido ao longo desses dois mil anos se deve ao fato de ser uma instituição que “se renova internamente para permanecer a mesma”.
"As reformas e autorreflexões que a própria Igreja faz sobre temas emergentes mostra o dinamismo da instituição. Ela não está descolada e também influencia a agenda global. O novo pontífice vai se deparar com uma Igreja que adotou, nos últimos 12 anos, um olhar humanista para temas emergentes, mas que não enfrentou problemas estruturais. O que pode definir o posicionamento ideológico do futuro líder do catolicismo é a maneira como ele se orientará nos temas da geopolítica internacional, em especial, em relação ao conflito no Oriente Médio e, nesse contexto, ao que envolve os Estados Unidos. Além disso, o sucessor de Francisco estará diante de uma Igreja que passa por um processo de declínio religioso, e que precisa pensar em como recuperar a autoestima dos fiéis católicos".
Conclave: Qual o peso dos brasileiros?
O Brasil está na terceira posição dos países com mais cardeais neste conclave, atrás somente da Itália, com 17, e dos Estados Unidos, com 10. Dos 135 aptos a participar da eleição, sete são brasileiros. São eles: Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília; João Braz de Aviz, arcebispo emérito de Brasília; Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo; Jaime Spengler, de Porto Alegre, atual presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Sérgio da Rocha, de Salvador; Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro; e Leonardo Steiner, de Manaus. Cinco foram indicados por Francisco.
A maioria dos votantes segue composta de europeus, com um total de 53 cardeais. Ásia tem 23 eleitores, seguida pela África, com 18, e América do Sul, 17. A América do Norte conta com 16 nomes.
Por Francisco ter sido o primeiro papa latino-americano, bem como também o pioneiro das Américas, especialistas veem menos chances de um brasileiro ocupar o posto de Sumo Pontífice. Doutoranda em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP) e mestra em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),Tabata Tesser avalia o cenário.
"Seria muito interessante pensar a eleição de um papa brasileiro, ainda mais por ser um dos países mais católicos do mundo, que enfrenta hoje um declínio com a ascensão de evangélicos, mas, do ponto de vista analítico, as chances são muito pequenas justamente porque Francisco foi esse que quase cumpriu o papel de ser o papa do Sul global".
Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), analisa que dos sete nomes, apenas dom Orani Tempesta, do Rio, não tem um perfil próximo da ideia da igreja como pastoral, mais do que mãe e mestra.
"Este perfil já foi experimentado no papa Francisco. Posso estar equivocado. Os cardeais podem provar o contrário, mas eu não vejo em nenhum deles esse perfil que hoje fosse necessário para a Igreja, mais teológico e místico do que o perfil dos seis brasileiros, com exceção de Dom Orani, que, dentre eles, é o mais conservador e espiritualista. Os outros são muito ligados a essa linha que era próxima do Francisco. Não enxergo muitos elementos que tornem os cardeais brasileiros bons concorrentes nessa eleição", analisa o professor da Uece.
A Igreja de amanhã sob os ventos do papado de Francisco
Ponto de vista
Na madrugada de 21 de abril de 2025, os olhares do mundo voltaram-se para Roma; morria Francisco, o papa que despertou a consciência do mundo para o perigo da "globalização da indiferença". A sensibilidade, o afeto, a compaixão, o acolhimento, a corresponsabilidade, a fraternidade universal, marcaram discursos, publicações e homilias do papa latino-americano.
Suas palavras incisivas, os discursos diretos, sem rodeios, os gestos espontâneos e cheios de significado do papa que chegou do outro lado do oceano, reconfiguraram significativamente a imagem da Igreja e do papado.
O falecimento do papa traz consigo, não apenas para os católicos, mas para todas as pessoas de boa vontade, a interrogação acerca do futuro da Igreja e do mundo, já que nos habituamos a tê-lo como uma voz que clamava forte e eloquente nos desertos áridos da indiferença e da insensibilidade globalizadas.
O que esperar, portanto, do novo pontífice? Francisco habituou-nos à proximidade, à comunicação imediata, à valorização da ternura e da compaixão. Além disso, os próprios destinatários da mensagem de Jesus Cristo são bem distintos daqueles de outrora, de modo que o novo pontífice deverá ter uma grande capacidade de comunicação com o mundo, sensibilidade para compreender e dialogar com as diferentes perspectivas, ao mesmo tempo, a Igreja precisa continuar sendo uma âncora no mar bravio da história, onde os homens e mulheres de cada tempo podem encontrar estabilidade e segurança referencial a fim de não vagarem como náufragos no vaivém das ondas e, neste sentido, o papa não se pode permitir envolver pelas inconstâncias e incertezas que caracterizam a maior parte das instituições hodiernas, mas deve continuar sendo um farol de referência para aqueles que buscam um porto seguro, um sentido para as próprias vidas, um horizonte de significado diante do absurdo e do caos.
Enfim, o que se espera desse e de qualquer pontífice é que seja um homem de seu tempo sem perder de vista a Verdade atemporal do Evangelho de quem se fez discípulo e testemunha.
Padre Antonio Edson Bantim Oliveira
Doutor em Teologia e diretor do Colégio Pequeno Príncipe, na Diocese do Crato
Francisco: a sucessão
Ponto de vista
Há poucos dias encerrou-se o Pontificado do Papa Francisco, com o seu falecimento. Passados ritos funerais, os cardeais eleitores e não eleitores se reúnem no Vaticano para discutir as questões fundamentais da vida da Igreja e do mundo, no chamado pré-Conclave; ao final desse período, os cardeais eleitores, irão escolher o novo Pontífice. Interessante notar que o atual Colégio Cardinalício reúne membros nomeados pelos três últimos papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco, sendo a maioria nomeada pelo papa recém-falecido.
Muitas pessoas, ao redor do mundo, perguntam-se sobre quais caminhos a Igreja Católica seguirá para escolher o sucessor de Francisco. Sem dúvida, os cardeais deverão dialogar sobre o Pontificado que finda, e os caminhos tomados na condução da Igreja, especialmente uma maior abertura para o diálogo, alargando a sinodalidade, já existente na Igreja. As questões sociais, certamente, estarão presentes, bem como as questões do diálogo internacional, uma vez que o papa é um Chefe de Estado.
Ocorre que, os cardeais, discutirão sobre as questões fundamentais para a evangelização, questões doutrinais e da Tradição da Igreja. O caminho a ser seguido será repleto de oração, para que os cardeais se deixem iluminar pelo Evangelho. Iluminação que olhará para as questões de fé e como essa poderá influenciar as relações entre a Igreja e a sociedade contemporânea.
Padre Rafhael Silva Maciel
Pároco da Paróquia Nossa Senhora Aparecida - Montese, e missionário da Misericórdia