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Confederação do Equador: Execução dos mártires no Ceará completa 200 anos
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Confederação do Equador: Execução dos mártires no Ceará completa 200 anos

|Atuação|Há 200 anos, os primeiros insurgentes da Confederação do Equador eram executados no Ceará. Relembre a história dos personagens da primeira revolução republicana brasileira
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Registros das execuções aparecem em documentos do Arquivo Público do Ceará
 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Registros das execuções aparecem em documentos do Arquivo Público do Ceará

Há 200 anos, em 30 de abril de 1825, acontecia em Fortaleza a execução dos dois primeiros revolucionários da Confederação do Equador, que posteriormente ficaram conhecidos como mártires. O local dessas execuções, e das três outras que vieram semanas depois, foi a praça conhecida por dois nomes e marcada pelo evento histórico, a Praça dos Mártires — também chamada de Passeio Público — localizada no coração de Fortaleza, no Centro.

O movimento do qual faziam parte os mártires era contrário ao autoritarismo de Dom Pedro I e defendia a instalação de uma república no Brasil, ao invés do império imposto pelo rei de Portugal. A Confederação do Equador é tema do filme Nordeste Insurgente que pode ser acessado com exclusividade no O POVO e já foi abordado em reportagens do O POVO.

Ao todo, cinco dos principais componentes da Confederação do Equador no Ceará foram executados na praça. O destino dos demais também foi quase sempre trágico, o Império fez questão de retaliar violentamente o movimento republicano, considerado o primeiro do tipo no país e que englobou outros Estados, começando em Pernambuco e chegando também, além do Ceará, ao Rio Grande do Norte e à Paraíba.

"Os principais líderes da revolta foram alvo de rigorosa punição, orquestrada por um tribunal manipulador, que visava não apenas exterminar os rebelados, mas também enviar uma mensagem de autoritarismo implacável e de castigo exemplar", acrescenta o historiador e presidente do Instituto Municipal de Desenvolvimento de Recursos Humanos (Imparh), Evaldo Lima.

Foram executados, todos na mesma praça, Padre Mororó, Pessoa Anta, Ibiapina, Azevedo Bolão e Carapinima, entre abril e maio de 1825. "Suas execuções simbolizaram a brutalidade do império para com aqueles que ousaram desafiar sua autoridade", afirma Evaldo.

Evaldo explica que a Praça dos Mártires é um dos poucos equipamentos tombados no âmbito municipal, estadual e federal, recebendo marcos em homenagens a cada um dos que lá foram executados.

Em 25 de abril de 1825, Padre Mororó e Pessoa Anta foram condenados à morte por forca. A execução ocorreu cinco dias depois, 30.

Padre Mororó, nascido Gonçalo Ignacio Loyola de Albuquerque Mororó, foi sacerdote cearense e diretora, além de redator do Diário do Governo do Ceará, criado para divulgar notícias sobre o movimento e tido como o primeiro periódico do Ceará. Por esse fato, é considerado o patrono da imprensa cearense. Foi acusado de ter proclamado a República em Quixeramobim e de ter servido de secretário do Presidente da República no Estado, o tenente-coronel Tristão Gonçalves, além da condenação por dirigir o jornal.

Ao lado dele, morreu o coronel Pessoa Anta, de batismo João de Andrade Pessoa Anta. Comerciante, pecuarista, coronel de milícias e revolucionário do movimento, foi condenado sob a acusação de ter sido Comandante Geral das Forças Revolucionárias, sob o governo do mesmo Tristão Gonçalves.

Para a execução da pena, buscou-se entre os prisioneiros algum que de dispusesse a ser o carrasco. Com a negativa, buscaram para a função profissionais carniceiros, cortadores e até esfoladores, que poderiam ser obrigados a cumprir a função.

No entanto, era viva a memória do dia 13 de janeiro daquele ano, em Recife, por ocasião da execução de Frei Caneca. Pelo caráter religioso do acusado, os executores não quiseram seguir adiante, nem mesmo acuados por policiais. Diante do embaraço, a comissão ordenou que Frei Caneca fosse fuzilado.

Assim, definiu-se que a dupla seria morta por fuzilamento. Pessoa Anta e Padre Mororó foram levados a pé do quartel até o local da execução, onde hoje figura o Passeio Público. No caminho, prantos e lamento geral dos que acompanhavam o cotejo, como conta o livro Execuções de Pena de Morte no Ceará, escrito pelo político e historiador Paulino Nogueira.

O coronel teve retirada sua farda e trocada por uma roupa branca, assim como o padre, destituído da batina. O padre, apesar de ter menos de 50 anos, já apresentava a cabeça branca como a alva mortuária que vestia.

A coragem demonstrada durante o trajeto mostrou-se ainda maior antes do fuzilamento, como descrevem os relatos. Ele retirou a venda que lhe cobria os olhos, apontou para o coração e disse aos soldados que o apontavam as armas: "Camaradas, o alvo é este. Tiro certeiro, que não me deixe sofrer muito".

Sua morte foi instantânea, chegando a perder 3 três dedos da mão, mas poupando-o do tiro de honra, que era dado no ouvido do acusado para assegurar a morte. Diferente ocorreu com o coronel, em que os tiros não o deixaram "bem morto", sendo necessário um derradeiro disparo.

Outras três execuções de mártires ocorreram nas semanas subsequentes naquele tempo. Ibiapina, Azevedo Bolão e Feliciano Carapinima foram mortos por soldados, todos no Passeio Público.

A 3ª execução no Ceará foi a do tenente-coronel Francisco Miguel Pereira Ibiapina, fuzilado como chefe republicano. O tabelião e escrivão sobralense passou a integrar o movimento da Confederação do Equador ao se mudar para Fortaleza, em 1823. No período, atuou no governo como escrivão-deputado da Junta da Fazenda e foi um dos representantes cearenses do movimento insurgente no Congresso de Recife. Era pai do Padre Ibiapina, reconhecido recentemente como venerável pelo papa Francisco.

Com pés bastante machucados por feridas herdadas no ato de prisão, sequer conseguia andar, sendo executado a tiros também no então chamado Largo da Fortaleza, hoje Passeio Público, em 7 de maio de 1825.

Já Azevedo Bolão, nascido Luiz Ignacio de Azevedo Bolão, foi o 4º executado. Ele bateu de frente com forças imperiais em Aracati e, ao lado de aliados como Tristão Gonçalves, acabou sendo preso com armas na mão.

Carpinteiro nascido na Bahia, Bolão foi casado com a aracatiense Roza Amaral de Azevedo, com que constituiu família e viveu na Vila do Aracati. Preso, foi levado a Fortaleza e morto pelas tropas da coroa. Foi executado nos mesmos moldes de seus antecessores, varado de balas em 16 de maio.

Talvez por racismo por parte dos algozes, como contam os relatos de Paulino Nogueira e fato lembrado por Evaldo, Bolão foi vítima pós-mortem de uma dose sarcasmo, tendo um cão sido liberado para comer partes suas que ficaram espalhadas pelo chão após o tiro de honra. Bolão era negro.

Feliciano José da Silva Carapinima foi o 5º e último executado. O tenente nasceu em Minas Gerais e se mudou para o Ceará em 1820. Sua atividade no movimento e inflamado senso republicano despertou a ira de poderosos inimigos. Capturado, foi julgado e condenado à morte com outros insurgentes.

O crime atribuído a ele foi ter servido de secretário ao Comandante das Armas José Pereira Filgueiras. Foi fuzilado em 28 de maio, mas não morreu na primeira saraivada de tiros, tendo sido necessário que os soldados voltassem ao quartel para buscar novas munições e assim terminassem o serviço, o que chocou os presentes, incluindo a esposa da vítima.

Apesar de não terem sido executados como os cinco citados anteriormente, outros insurgentes foram capturados e tiveram fim quase sempre trágico.

Nomeado chefe do Governo no Ceará, Tristão Gonçalves recebeu diversos ofícios para que se entregasse. De uma estimada família, ele receberia anistia se o fizesse. Até quantia em dinheiro foi oferecida na época por quem o capturasse.

Tristão não se rendeu e acabou caindo em uma emboscada e sendo morto nas proximidades da vila de Santa Rosa, hoje região da velha Jaguaribara, que foi inundada com as águas da barragem do Castanhão.

Pereira Filgueiras faleceu de malária enquanto era levado para ser julgado no Rio de Janeiro. Outras personagens foram enviadas para trabalhos forçados em Fernando de Noronha, como Frei Alexandre da Purificação, que acabou sendo assassinado na ilha.

O coronel Antônio Bezerra de Menezes foi um dos poucos que conseguiram ser perdoados. Por intermédio de Conrado de Niemeyer, presidente da Comissão Militar nomeada para julgar a rebelião, teve pena convertida em degredo e prisão perpétua para o Maranhão. Ele acabou não cumprindo a sentença porque morreu na viagem.

José Ferreira de Azevedo teve a pena transformada em exílio na Amazônia, mas morreu no Cariri antes de cumprir pena.

De forma trágica, assim terminava a primeira insurgência pela República no Brasil, que acabaria sendo faísca inspiradora para o fim do império, que ocorreria em 1889. Os revolucionários que da Confederação do Equador participaram acabaram sendo chamados de mártires e seus nomes são lembrados batizando diversas ruas da capital cearense.

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