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Mulheres e tributação: a desigualdade de gênero que desafia a reforma tributária
Reportagem

Mulheres e tributação: a desigualdade de gênero que desafia a reforma tributária

|A quem pesa o imposto|O POVO ouviu mulheres fazendárias e especialistas em tributação de todo o País para demonstrar como os impostos são um meio de combater ou reforçar desigualdades — principalmente em relação às mulheres negras, base da pirâmide social
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Produtos do universo feminino, especialmente os de higiene, são mais tributados

 (Foto: Erin Lux / The tampon tax )
Foto: Erin Lux / The tampon tax Produtos do universo feminino, especialmente os de higiene, são mais tributados

A primeira e mais ampla reforma do sistema tributário brasileiro realizada sob a Constituição Federal de 1988 foi promulgada no fim de 2023 e, pela primeira vez na história do Brasil, tem a igualdade entre homens e mulheres como um dos critérios para avaliar medidas tributárias. Depois de mais de 30 anos de discussões, a Emenda Constitucional Nº. 132/2023 dá as linhas gerais de uma política fiscal que deve ser mais justa e equitativa para a população brasileira — e aponta que, para cumprir seu papel, terá de ser progressiva, feminista e antirracista.

É o que sinalizam mulheres fazendárias e especialistas em tributação de todo o País ouvidas pelo O POVO, que são unânimes em afirmar que a forma como o Estado brasileiro cobra impostos atualmente contribui para reforçar desigualdades de gênero, raça e classe — quando, ao contrário, os instrumentos tributários deveriam ser meios de combater essas assimetrias.

São as mulheres, e principalmente as mulheres negras, base da pirâmide social brasileira, que enfrentam as maiores cargas de impostos no sistema tributário vigente — um cenário que pode mudar com a regulamentação e implementação da reforma.

Ainda que recebam menores salários em relação aos homens e, em grande maioria, precisem lidar com jornadas duplas e triplas, dentre outros diversos desafios, as brasileiras pagam, em média, 40% a mais em tributos do que eles. Além desse custo proporcionalmente maior devido à regressividade tributária, produtos consumidos sobretudo por mulheres, como os de higiene menstrual, anticoncepcionais e bens relativos ao cuidado, são mais tributados que os tidos como masculinos.

Numa simples ida à farmácia é possível constatar exemplos disso: um pacote de cápsulas de um mesmo analgésico com a palavra "Mulher" em embalagem na cor rosa pode elevar em quase três vezes o preço do medicamento em relação a outro fabricado em embalagem comum. No balcão do mesmo estabelecimento, outro exemplo a se perceber: enquanto anticoncepcionais e dispositivos contraceptivos como o DIU hormonal são tributados a uma alíquota de 30%, produtos como viagra, utilizado para disfunção erétil, tem alíquota de 18%.

De tão discrepantes que são esses números, os impostos sobre produtos que são voltados majoritariamente para o público feminino recebem o nome de "pink tax" (ou impostos rosa). Apesar de as cores não terem gênero, o mercado ainda segmenta mercadorias para mulheres e meninas ou homens e meninos pelas cores rosa e azul.

Lana Borges, coidealizadora do movimento Tributos a Elas, uma iniciativa de procuradoras da Fazenda Nacional para discutir questões de gênero no âmbito da economia, explica que, para além de medicamentos, essa porcentagem desigual também pode ser verificada em produtos com cores diferenciadas como brinquedos, eletroeletrônicos, itens de higiene pessoal e roupas.

A procuradora é autora do livro "Tributação e gênero: políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade", obra em que argumenta sobre como as políticas públicas em favor da diminuição das assimetrias de gênero podem ser trazidas à tona com instrumentos tributários. A narrativa da publicação parte do movimento das sufragistas britânicas pelo direito ao voto feminino.

Na Inglaterra, a recusa do pagamento de tributos por parte das mulheres decorria do fato de que, por estarem impedidas de votar, também estariam desprovidas de cidadania. Borges descreve esse momento e projeta, como argumento central, a premissa de que o ônus da tributação deveria ser acompanhado de direitos outorgados pela condição de cidadania.

No Brasil, demonstra ela, "existe um ambiente profissional próprio para as mulheres, repleto de diferenças, sejam salariais, sejam de acesso ao mercado de trabalho, sejam de volume de horas de trabalho". Numa era do consumo em que o gênero feminino é apontado como mais consumista, esse cenário levanta o seguinte questionamento: afinal, as mulheres gastam mais do que os homens ou apenas pagam mais caro?

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