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Charles Boris
Reportagem

Charles Boris

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Tipo Notícia

O POVO - A sua família veio da França e fundou, em 1869, a Casa Theodore Boris & irmão, após quatro anos no Ceará. O que sabe da motivação deles em virem para cá e como foi esse início?

Charles Boris - A motivação dos meus antepassados ao virem para cá foi de abrirem um negócio para darem continuidade a uma trajetória empresarial que eles já tinham na França. Eles eram um grupo muito grande de irmãos e irmãs e precisavam expandir as suas atividades e acabaram vindo ao Brasil. E escolherem o Ceará. Àquela época (o Estado) não era um lugar de nenhum destaque do ponto de vista econômico e estava entre dois grandes centros comerciais, Pernambuco e Maranhão. Acredito que eles se estabeleceram aqui pela receptividade do povo cearense. E, também, pela oportunidade de se estabelecer em um local que ainda não tinha nenhuma grande casa de importação.

O POVO - Com o passar dos anos eles foram expandindo os negócios e poderiam voltar a viver na Europa. Por que ficaram em terras cearenses?

Charles - Existe um livro do ex-governador Parsifal Barroso (1959-1963) que se chama "Um Francês Cearense" e que conta como eles realmente abraçaram o Ceará como uma segunda terra. A família era muito grande, então parte dos irmãos ficaram na França e parte dos irmãos vieram para se estabelecer aqui. Foi desse ramo da família. A partir do Achiles, que era o meu bisavô, que meu avô Bertrand Alphonse veio e casou-se com uma cearense. Acho que ele foi o primeiro a se casar com uma cearense, minha avó Ariza Caminha, que era de uma família de Aracati. Ele se estabeleceu definitivamente no Ceará e, para minha sorte, nasci aqui, nessa terra que eu gosto tanto.

O POVO - O senhor nasceu em Fortaleza, fale um pouco sobre a sua infância. Quais recordações têm dessa fase?

Charles - Minha infância foi maravilhosa. Tive a sorte de nascer num berço de duas famílias que tinham avôs e avós que mostravam como é bom ter um casamento feliz, ter carinho pelos seus filhos. Isso foi muito importante para mim. Sempre tivemos muitas reuniões com meus avós, pais, primos e tios, sempre muito gostosas. Isso marcou muito a minha infância. A casa dos meus avós era muito grande e gostosa, eu ia sempre para lá brincar. Um terreno muito grande pela área da avenida Rui Barbosa e da rua Costa Barros, na Aldeota. Ali sempre foi um lugar muito mágico para mim. Depois, meu avô foi dando partes do terreno para seus filhos construírem suas residências e a gente sempre morou muito próximo de todos. Era como um grande sítio em Fortaleza. Também temos uma fazenda, a Serra Verde (no Cariri cearense), que hoje eu tomo conta e que pertence à família desde 1907, mais ou menos. Onde tínhamos muitas reuniões familiares.

O POVO - Cresceu também envolto por comerciantes, pais, tios, avô. Como os enxergava naquela época e, hoje, adulto, como eles contribuíram para sua formação?

Charles - A influência da Casa Boris Frères na minha vida é enorme. Quando eu era criança e saía do colégio, muitas vezes eu passava a tarde no escritório, que fica ali ao lado do Instituto Dragão do Mar, no mesmo prédio fundado em 1869. Eu ficava lá fazendo meus deveres, meu pai, François-Claude Boris, estava lá trabalhando, meu avô, meus tios e muitas pessoas trabalhando na Boris Navegação, que era empresa de agência marítima. Eu convivia e tinha uma relação muito próxima com eles. Olhar o ambiente de trabalho como um ambiente gostoso sempre foi uma coisa que me marcou. Fiz faculdade com a minha esposa Cristina, então colega e namorada. Dei a sorte namorar com a moça mais bonita da faculdade! A gente queria fazer mestrado e nos especializar mais. Mas eu tive o grande incentivo do meu pai de dizer: 'Vamos empreender'. Ainda era o começo da área de Tecnologia da Informação, vejo hoje que a gente começou no momento certo e, claramente, aquela lembrança do ambiente de trabalho é uma coisa gostosa para mim. Especialmente do estímulo do meu pai com o tio Gerard, que foram dois sócios que patrocinaram a abertura da Lanlink, foram dois incentivos muito grandes que a gente teve.

O POVO - Vimos nos documentos e matérias muitas informações sobre os homens da sua família. E as mulheres? Quais os papéis delas?

Charles - O papel das mulheres na família sempre foi importantíssimo. Outro dia eu peguei uma correspondência do meu bisavô, Achiles, com as últimas palavras da mulher mais querida do mundo: uma carta da minha bisavó para ele. Eles sempre foram muito carinhosos e um casal muito feliz. A minha avó Ariza era uma pessoa muito forte e que desempenhou, certamente, um papel importantíssimo na trajetória do meu avô Bertrand aqui no Ceará. E, eu, abri uma empresa com a minha então namorada, hoje esposa, que é uma pessoa fundamental na trajetória da Lanlink. E temos também uma sócia (Lourdes Sudário). Então a questão da presença do feminino na minha vida empresarial sempre foi importantíssima.

O POVO - O que o senhor uniu das características para criar sua personalidade? E o que de mais valoroso passou para os seus filhos?

Charles - Minha esposa diz que da formação francesa, tanto eu como meu pai, trouxemos 'a capacidade de termos uma mente mais aberta, sem preconceitos'. Também tenho um pouco mais de sensibilidade e um olhar para o lado social. A gente faz parte de uma coletividade e espero ter contribuído em passar isso para os filhos, Georges, Natália e François junto com outros valores do trabalho, da educação e da integridade.

O POVO - A sua família tem papel fundamental na economia cearense, quando desembarcou aqui em 1865. O que você aprendeu com as três gerações anteriores?

Charles - Confesso que me aproximei mais da história da família quando o meu tio Gerard partiu e deixou o acervo da família que ele cuidava. E aí eu assumi. Comecei a me aproximar mais e a conhecer um pouco mais. Tem muita coisa bacana, tem uma doação muito grande que a família fez de todos os arquivos da empresa de importações e exportação que a gente fez para uma biblioteca estadual. Tem um galpão lá com alguns milhares de documentos e eu tenho feito uma certa pressão, porque do dia que foi doado até hoje, tá lá, sem ninguém fazer nada. E está tudo se acabando. A Fiec (Federação das Indústrias do Ceará) manifestou interesse, pois tem toda a movimentação de importação e exportação do Ceará, desde 1869 até o primeiro governo do ex-governador Ciro Gomes (PDT). O que eu posso trazer da história deles é muita resiliência e não ficar preso à geografia local. A nossa empresa, criamos em 1988 e logo, em 1992, a gente foi para Recife. Depois para Salvador. A gente sempre buscou ter uma atuação não restrita ao Estado. Acho que indiretamente foi uma influência que eles nos trouxeram que é muito importante para gente, hoje. Porque, ao mesmo tempo, existe o amor por onde a gente está, a gente nunca quis sair daqui de Fortaleza.

O POVO - Os Boris foram os primeiros a fazer exportação para Europa e América do Norte...

Charles - Acredito que os irmãos Boris foram os pioneiros aqui. Se não foram, em mais ou menos de 1870 até 1910, eles se tornaram o grande polo de importação e exportação de gêneros do Ceará para Europa e América do Norte. Nessa época, a influência francesa na sociedade cearense era muito elevada, tanto dos costumes como na moda. Eles se aproveitaram muito dessa questão de fazer importação de gêneros diferenciados da França, principalmente para a sociedade de Fortaleza, de Sobral e do Aracati. O objetivo inicial deles era importação. Só que eles começaram a conhecer o que o Ceará tinha de interessante e foram os pioneiros na exportação de algodão, de semente de oiticica e estimularam muito o cultivo do café. Assim, começaram a exportar café e diversos outros gêneros mais extrativistas da indústria local, como o couro. Com esse cenário, passaram a atuar muito fortemente em exportação também, que chegou a dominar um pouco mais o negócio da família, mas com as grandes guerras eles diminuíram um pouco.

O POVO - Por que decidiu estudar Ciência da Computação? Isso foi natural para a família com base no comércio?

Charles - Não foi nem um pouco natural. Quando entrei na faculdade, em 1985, era uma coisa completamente nova. Tanto que a gente foi a segunda ou terceira turma da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Havia nessa época um interesse muito grande, exatamente por ser considerada a profissão do futuro. Tanto que na minha época foi um curso mais disputado que Medicina. Existia uma curiosidade muito grande, eu fui sem conhecer nada, fui mais na curiosidade. Sempre fui uma pessoa muito lógica, gostava muito de matemática e acabei dando sorte porque é uma formação que exige muito disso.

O Povo - E como foi cursar?

Charles - Quando eu fiz a faculdade, no mesmo ano, eu passei num concurso para ser funcionário do Banco do Nordeste (BNB), que à época era mais disputado do que a faculdade. Acho que meus pais pensaram que se nada desse certo na faculdade, por ser uma novidade à época, eu estaria com a carreira garantida no BNB. Mas com seis meses larguei, porque não me identifiquei. E aí eles me deram apoio. Meu pai e minha mãe sempre apoiaram minhas decisões nesse aspecto. Aí meu pai se aproximou da empresa da família e eu ajudei muito na parte de automação. Mesmo na época da faculdade, com uns 18 anos mais ou menos, eu comecei a desenvolver programas para eles.

O POVO - Seu encontro com a Cristina, esposa e sócia, aconteceu ainda na Uece. Como foi?

Charles - O Ian Corrêa (vice-presidente de Operações do Grupo Aço Cearense) foi meu colega de colegial. Nosso colégio era de jesuítas e ele era protegido dos padres (risos), era o todo poderoso lá. E na faculdade ele era amigo da Cristina. Nós três fomos da mesma turma de vestibular e ele entrou com a Cristina na Uece, enquanto eu tranquei por conta do Banco do Nordeste. Eles já falavam de mim e ele nos apresentou, mas nesse primeiro momento cada um de nós estava em um relacionamento e eu apenas a achei muito bonita. Depois a gente terminou os namoros e, nessa época, eu fui o primeiro presidente do Centro Acadêmico da Uece de Computação e ela foi a secretária. Cemeçamos a nos reunir e foi aí que começou o namoro.

O POVO - E depois?

Charles - Foram dois anos de namoro. Casamos com 21 anos. E aí em seguida já chegou o Georges, logo depois a empresa, estimulada e apoiada por meu pai e meu tio. Desde o começo achamos importante buscarmos apoios complementares. Minha mãe nos apoiou bastante. E no trabalho tínhamos o apoio dos nossos sócios, Alexandre Mota e Lourdes Sudário.

O POVO - Os filhos foram livres para escolher as profissões. De que forma o comércio e a tecnologia os impactou?

Charles - Nunca quis influenciar porque eu tive aquela experiência do BNB que eu vivi e vi que se você está numa profissão que não é aquela que te realiza, não é um bom caminho. Eu sempre deixei eles trilharem o caminho que eles entendiam que era melhor. Lógico que eu gostaria muito que eles tivessem seguido a parte de computação ou até em outras áreas como, por exemplo, o Georges, que se formou em Arquitetura na Universidade de São Paulo (USP), mas hoje atua na área de tecnologia e é sócio de uma empresa que usa algarítmos a favor do marketing. O mais novo, o François, também se formou em Economia na USP. Passou durante a pandemia um período na empresa, nos apoiou muito na parte de estruturação financeira e tudo, mas o que ele quer é empreender na área de fundos de ações de investimentos. O que eu posso fazer com ele é apoiar. A Natália é médica e passou dois anos morando em Boston e fez pesquisa em Harvard. Introduziu a tecnologia no trabalho dela também. Ela voltou agora e a gente fez um movimento para ver se eles ficam aqui, porque quero que eles fiquem aqui perto.

O POVO - Seus antecedentes deixaram um legado de comércio. A Lanlink está em outra seara. Qual legado ela traz para a população cearense?

Charles - A gente sempre privilegiou estar aqui, a maior parte da nossa equipe está aqui. A Lanlink sempre foi uma formadora de pessoas ao longo desses anos e, a partir daqui, vários profissionais saíram para empreender também e a gente incentiva muito essa questão do crescimento profissional das empresas e das pessoas. Acredito que a gente está contribuindo muito para a inserção dos jovens no mercado de trabalho e para a economia cearense, mantendo a nossa operação aqui, mas atendendo hoje o Brasil todo.

 

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