Poucos profissionais temem tanto a violência urbana ao saírem de casa para trabalhar no Ceará quanto os motoristas de aplicativo. As estatísticas dão razão ao temor: conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS), 592 motoristas de aplicativos foram roubados em 2023, uma média de 1,6 caso por dia. Três ocorrências registradas a cada dois dias.
Os números foram obtidos pelo O POVO através da Lei de Acesso à Informação (LAI). Ainda conforme os dados da SSPDS, o ano passado foi o que teve o maior número de ocorrências contra os profissionais desde que o índice passou a ser computado, em 2020. Em 2023, houve um aumento de 44,39% no número de Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs) contra motoristas de aplicativos na comparação com 2022.
A esmagadora maioria dos casos ocorre na Capital e no entorno: em 2023, 84,29% dos roubos a motoristas de aplicativo foram registrados em Fortaleza. Em Maracanaú (Região Metropolitana de Fortaleza), foram registrados 73 casos, enquanto em Caucaia (também na Região Metropolitana de Fortaleza), foram 26.
Em Fortaleza, a SSPDS não disponibiliza estatísticas por bairro, somente por Área Integrada de Segurança (AIS). Desta forma, a AIS com o maior número de registros de CVPs em 2023 foi a AIS 9, que reúne 13 bairros, entre eles, Conjunto Prefeito José Walter, Vila Manoel Sátiro e Mondubim.
Uma das ações criminosas mais recentes contra motoristas de aplicativo ocorreu no começo da noite dessa quinta-feira, 21, no bairro Dionísio Torres. O episódio resultou em tiroteio, já que um policial penal passava pelo local, flagrou o crime e entrou em confronto com os assaltantes. Um deles foi baleado na perna: o suspeito foi identificado como Francisco de Assis da Costa Ferreira, de 46 anos. O outro, conseguiu fugir.
Já no sábado, 30, um motorista de aplicativo foi colocado no porta-malas do seu próprio carro enquanto o grupo de quatro pessoas que havia solicitado a corrida praticava um “arrastão” em um motel do bairro Passaré. Dois suspeitos foram presos em flagrante pelo Comando de Policiamento de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio), que resgatou o motorista.
Com Antônio Marcos de Sousa Barbosa, de 26 anos; e Fernanda Augusta Campos, de 43 anos, a PM apreendeu uma faca, uma carteira porta-cédulas, um smartphone e um cordão de ouro, que teriam sido tomados dos clientes do motel. Outros dois suspeitos conseguiram fugir levando consigo um revólver calibre 38.
Em nota, a SSPDS afirmou afirmou desenvolver ações específicas para combater os CVPs contra a categoria. Uma delas é a operação “Passageiro Seguro”, que, a partir de dados criminais, consiste no reforço de abordagens a transportes realizados por motoristas de aplicativos.
“Além disso, são implementadas estratégias de intensificação e qualificação das abordagens, como patrulhamento em horários e vias específicas, com ações em várias modalidades de patrulhamento: a pé, em viaturas, em motocicletas e em bicicletas”, afirma a nota.
“Outra ação é a Operação Ações de Reforço de Policiamento Ostensivo (Arpo) da Polícia Militar do Estado do Ceará (PMCE). A ofensiva combate os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) e Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs). O intuito é aumentar a sensação de segurança com uma presença mais ostensiva da Polícia Militar”.
A SSPDS ainda reforça a importância de registrar Boletim de Ocorrência (BO), o que pode ser feito no site www.delegaciaeletronica.ce.gov.br.
Caso como o de Samira Albino Ribeiro, de 32 anos, morta em um assalto em 2022, são relembrados pelos profissionais, que adotam medidas por contra própria para evitarem ser vítimas da criminalidade
O medo imposto por assaltantes e facções criminosas faz com que os motoristas de aplicativo costumem aderir às regras informais da criminalidade no Estado. Seja evitando determinados bairros em determinados horários, ou, então, descendo os vidros e acendendo as luzes internas ou retirando capacetes ao entrar em algumas localidades, os motoristas fazem o que podem para evitar ser vítimas de roubos ou de algo pior.
Érika Jane, de 31 anos, motorista de aplicativo há cinco anos, descreve que a categoria dirige com medo. “Quando a gente vai entrar em um determinado bairro… Os próprios motoristas têm que fazer as medidas de segurança”, afirma. “Ou, então, a gente corre o risco do nosso carro ser baleado, como já aconteceu também, de motorista, às vezes, não conhece determinado bairro e ter seu carro alvejado”.
Érika conta já ter sido alvo de roubo na avenida Silas Munguba, quando estava parada no sinal e foi abordada por um criminoso em uma moto.
“Então, hoje, o próprio motorista de aplicativo está fazendo a sua segurança, de pedir para grupos acompanharem a localização, falar através de rádio que nós usamos. Se a gente achar uma corrida suspeita ou se entrar em um bairro suspeito, a gente pede para que um motorista vá acompanhando a localização do outro até que a corrida seja finalizada”.
Érika diz ser necessário mais abordagens policiais e que o Agilis — sistema que integra câmeras de videomonitoramento e fotossensores para identificar carros e motos envolvidos em situações criminosas — poderia ser melhorado e ampliado, pois, muitas vezes, imagens dos veículos não são localizadas no sistema.
Mulheres ainda precisam lidar com o agravante de serem consideradas mais vulneráveis pelos criminosos, admite Érica. Um caso emblemático, ela cita, foi o assassinato da motorista Samira Albino Ribeiro, de 32 anos, morta em 30 de novembro de 2022 durante um assalto na avenida Raul Barbosa, no bairro Aerolândia.
O caso de Samira também é mencionado pelo presidente da Associação de Motoristas de Aplicativo do Ceará (Amap-CE), Rafael Keylon. Um homem chegou a ser preso pelo crime, mas foi solto após expirar o prazo da prisão temporária sem que denúncia tenha sido apresentada contra ele. Para Rafael, a impunidade é outro fator a aumentar os temores na categoria. Conforme dados da Amap, mais de 50 motoristas de aplicativo já foram assassinados no Estado.
Rafael conta que iniciativas como um botão do pânico — que motoristas acionariam em casos de crimes e a Ciops já receberia dados como localização e placa do veículo — foram elaboradas em reuniões com a SSPDS, mas não colocadas em prática.
O presidente da Amap ainda reclama que, com o término da gestão Sandro Caron na SSPDS, em 2022, encerrou-se um canal de diálogo com a Pasta, dificultando que medidas que aumentem a sensação de segurança para os profissionais sejam adotadas. “Seguimos vivendo um dia de cada vez e agradecendo no final de cada dia”, afirma Rafael.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) — que reúne empresas como Uber, 99, iFood, Buser, Flixbus, Lalamove, Amazon, Zé Delivery — afirma ter a segurança de motoristas e usuários como prioridade. “Nesse sentido, as plataformas investem e trabalham continuamente para buscar cada vez mais proteção por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada corrida”, diz nota enviada pela associação.
“As empresas possuem equipes especializadas para colaborar com autoridades e estão em diálogo constante com o Poder Público, de forma transparente e colaborativa, colocando-se à disposição para contribuir com iniciativas que busquem avanços na segurança para motoristas e usuários dos aplicativos”.