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Fazendinha: A mulher que trouxe o luxo ao mercado de carnes de Fortaleza
Reportagem

Fazendinha: A mulher que trouxe o luxo ao mercado de carnes de Fortaleza

| Silene Gurgel | Aos 59 anos, a empresária chegou além do que sonhava com a Fazendinha. Do pai herdou a disposição de não depender de ninguém para ir atrás do seus ideais. Da mãe, o poder de gerenciamento de multiplas funções. Passou dificuldades financeiras, mas segue no trilho do empreender com foco no cliente
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 28-02-2024: Legados sobre o Supermercado Fazendinha com Silene Gurgel e seus filhos Antonio Câmara e Renata Gurgel Câmara, falando um pouco sobre sua trajetória. (Foto: Samuel Setubal) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 28-02-2024: Legados sobre o Supermercado Fazendinha com Silene Gurgel e seus filhos Antonio Câmara e Renata Gurgel Câmara, falando um pouco sobre sua trajetória. (Foto: Samuel Setubal)
 
 

Fazer algo diferente para atender as pessoas, especialmente as mulheres, nas compras de carne em Fortaleza, no Ceará. Foi assim que a empresária e comerciante Silene Gurgel chegou ao modelo do Fazendinha.

A própria fundadora brinca quando fala sobre a 'crise de identidade' para definir seu negócio que não é apenas um empório, mas também não se encaixa em um modelo padrão dos supermercados tradicionais.

O tino para os negócios já apontava desde a infância, quando a nona filha, de dez, do senhor Célio e da dona Silene, fazia doces para vender aos irmãos mais velhos que presenteavam as então namoradas.

Silene Gurgel fundou a Fazendinha para ofecere um novo modelo de negócio para quem gosta de consumir carnes em Fortaleza(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Silene Gurgel fundou a Fazendinha para ofecere um novo modelo de negócio para quem gosta de consumir carnes em Fortaleza

Além disso, seu pai também tem boa parte da responsabilidade, pois criou todos para serem independentes e seguirem seus sonhos.

Hoje, aos 59 anos, Silene conta, com muita propriedade, determinação e emoção, tudo o que viveu até hoje.

Além do senhor Célio, outro fator que a fez aprender muitas lições nas vitórias e nas derrotas foi o esporte. Ainda criança, iniciou no vôlei profissional, quando parou ao casar, aos 19 anos.

Hoje, a empresária conta com os filhos Renata e Antônio Neto para administrar os negócios em Fortaleza e no Eusébio(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Hoje, a empresária conta com os filhos Renata e Antônio Neto para administrar os negócios em Fortaleza e no Eusébio

Ainda nesta etapa da vida, aos 16 anos, começou a trabalhar no escritório de imóveis de um dos irmãos. Formou-se em Contabilidade, mas não sentiu tanta afinidade com a burocracia da profissão.

Em paralelo, no início do casamento, acompanhava o marido nas idas a Maranguape, onde ele tinha um comércio de ovos e carne de porco, vindos da fazenda do pai dele.

À época foi quando brotaram as primeiras ideias em criar uma loja de carnes com padrões de qualidade e conforto.

Segundo Silene, "via que o mercado de carne era muito dentro de feiras, de frigoríficos pequenos, de bairro. E eram lugares que não transmitiam tanta confiança de segurança alimentar, de limpeza e de informações corretas."

Assim, definiu o público, criou nicho de mercado e trouxe novos hábitos para o consumo no Ceará. Ao lado dos filhos, Renata e Antônio Neto, comanda três lojas, duas em Fortaleza e uma no Eusébio.

Diz que já foi muito além do que imaginava, mas está sempre atenta às oportunidades. O que mais a atrai no segmento é o dinamismo, porque "todo dia é uma história diferente."

Silene Gurgel conversou com os filhos Antônio Neto e Renata Gurgel para que se sentirem livres para seguir os caminhos profissionais que quisessem(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Silene Gurgel conversou com os filhos Antônio Neto e Renata Gurgel para que se sentirem livres para seguir os caminhos profissionais que quisessem

 

 

Conheça a história da empresa

O POVO - A senhora nasceu em Fortaleza e tem nove irmãos. Quais são as principais memórias de infância?

Silene Gurgel - Sou a nona filha, uma sobrevivente nesse processo todo familiar. A gente morava em uma rua no Centro que tinha grandes famílias. Em frente tinha a família Leal, com 10 filhos, a família Mota com 10 filhos, ao lado, e nós também. Estou falando de cerca de 50 anos atrás.

Minha infância foi marcada pelos irmãos mais velhos mandando em mim, não tinha jeito (risos)... Mas foi um momento muito rico de brincadeiras saudáveis, andar de bicicleta.

Tudo muito diferente de hoje. Lamento hoje ver a meninada só em iPad, pois minha infância era subir em árvores, subir em muros, muito unida aos vizinhos.

Todo mundo confiava em todo mundo e você não via situações desagradáveis como hoje em dia você vê.

Silene Gurgel com os pais, Silene e Célio, que são seus heróis(Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel)
Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel Silene Gurgel com os pais, Silene e Célio, que são seus heróis

O POVO - Como era viver em uma casa com os pais e dez filhos?

Silene - Minhas recordações são positivas. No quarto era eu e mais três mulheres, éramos as quatro últimas. Tinha também o quarto dos quatro homens: primeiro, segundo, terceiro e sexto filhos. E tinha as gêmeas no terceiro quarto, então elas eram as princesas (risos).

Àquela época as mulheres eram todas do lar e eram educadoras dos seus filhos. Minha mãe foi uma heroína nesse processo. Como a Renata, minha filha, enxerga hoje em mim e diz:

'Poxa vida, como a mamãe lutou e luta para chegar aonde chegou'. Eu imagino minha mãe, porque o fato de eu ser comerciante e empresária não é menor, nem mais trabalhoso do que uma mãe convencional, o que dirá com 10 filhos.

O papai ia para a luta, trabalhar para poder educar todos esses filhos e a mamãe dentro de casa, separando briga, controlando fardamento e material escolar.

Os pais Célio e Silene rodeados pelos 10 filhos. Silene Gurgel, fundadora da Fazendinha, é a nona entre os irmãos. Era para ser a última, mas seis anos depois nasceu mais uma(Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel/Fazendinha)
Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel/Fazendinha Os pais Célio e Silene rodeados pelos 10 filhos. Silene Gurgel, fundadora da Fazendinha, é a nona entre os irmãos. Era para ser a última, mas seis anos depois nasceu mais uma

O livro passava de um para o outro, quando eu ia para o colégio meu livro era herança da irmã que era um ano mais velha do que eu, todo apagado as respostas, mas aquilo era vivido com muito mais naturalidade.

Hoje, existe uma cobrança muito dos filhos exigirem a bicicleta nova, o livro novo… Antigamente a gente era mais inocente com relação a isso, eu queria ter uma bicicleta nova como todo mundo, mas não recordo de ter tido.

Tudo meu era herança da Silvana, dois anos mais velha ou, então, da Cristiane, que era um ano mais velha, até chegar a mim. Minha mãe ainda teve uma temporã, com seis anos de diferença.

Entre o mais velho e o mais novo são 20 anos de diferença. Somos três gerações, nossa casa estava sempre cheia.

O POVO - A senhora é bisneta do João Gurgel Nogueira, que adquiriu a Fundição Cearense, em 1903. Quais legados dele a senhora vê que foram passados pelas gerações da sua família?

Silene - Infelizmente não tive convívio com os meus bisavós. Minha avó era filha única e foi herdeira. E o marido dela, que era meu avó ficou na Fundição. Já papai ficou órfão com 16 anos. Era o filho mais novo da família e teve que enfrentar uma empresa que tinha vários anos, uma indústria metalúrgica.

Caiu no colo dele essa situação e ele agarrou a causa e comprou a participação dos irmãos depois. Com o tempo, a gente viu que o desejo dele era ser agropecuarista, ele sempre gostou muito de fazenda, de criar gado, de leite, de corte e comprou fazendas depois.

E à medida que os filhos foram crescendo, os três primeiros filhos ele 'jogou' dentro dessa empresa. Eu imagino que era para ver a aptidão de cada um, quem se identificava com cada atividade, e iam se encaminhando. Mas ele sempre buscando que os filhos fossem empresários, sempre independentes.

A Fazendinha foi muito além do que Silene Gurgel imagina quando pensou em criar a empresa, um mix de empório e supermercado(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A Fazendinha foi muito além do que Silene Gurgel imagina quando pensou em criar a empresa, um mix de empório e supermercado

Ele não queria que os filhos se acomodassem em uma vida normal, comum: 'Olha, vocês vieram para fazer história'.

Então ele sempre passou isso e eu passo para os meus filhos essa situação, porque eu acho que essa liberdade de escolha é muito positiva. Essa independência é muito forte.

Comecei a trabalhar com 16 anos, eu ia para o Centro para preencher recibo de um escritório de imóveis de um irmão meu. Eu me virava, pegava a condução e me virava. Desde cedo eu tive essa característica de fazer acontecer. O papai foi quem me passou isso. Ele sempre foi independente.

Até para pedir um copo d'água, ele não pedia. Ele se levantava da mesa na hora do almoço, ia na geladeira, pegava água e voltava. Por mais que a mamãe dissesse: 'Célio, diga o que você quer, que eu peço para a menina trazer', e ele calado ia, calado ele voltava.

O POVO - Seu pai sempre ensinou a senhora a crescer, empreender e a ser uma pessoa independente...

Silene - Em uma casa com 10 filhos, meu pai sempre incentivou todos eles a serem independentes. Independentes como crianças, como adolescentes, como profissionais e queria que todos os filhos fossem empreendedores, porque ele nasceu dentro desse 'salve-se quem puder'.

Ele era o filho mais novo da família e com 16 anos anos ficou órfão de pai e mãe e foi trabalhar. Ele também montou a família dele muito novo, aos 23 anos de idade ele já estava casado. Ele se emancipou aos 16 anos para poder assumir a empresa, mostrando já a importância de encarar a independência.

E sempre com essa veia de ser empresário, de preferência. Trazia dentro dele esse desejo. E sempre que precisávamos, podíamos contar com ele. Então, dentro dessa confiança que ele transmitia para todos os filhos, ele deu a oportunidade para cada um começar a vida profissional.

Os mais velhos ele “jogou” dentro da empresa, que era a Fundição Cearense. Lá ele começou também como empresário. Os três primeiros filhos foram também para dentro e foram se encontrando.

A fundadora da Fazeninha, Silene Gurgel, é bisneta do João Nogueira Gurgel, que adquiriu a Fundição Cearense em 1903(Foto: Arquivo pessoal Fazendinha)
Foto: Arquivo pessoal Fazendinha A fundadora da Fazeninha, Silene Gurgel, é bisneta do João Nogueira Gurgel, que adquiriu a Fundição Cearense em 1903

Cada um seguiu o nicho do que realmente queria fazer e, quando foi chegando nas mulheres, elas também tiveram oportunidade. Em instante nenhum ele imaginou suas filhas sendo pessoas dependentes.

Quem chegasse para ele para dividir alguma ideia de montar algo, ele dava as opiniões dele, que sempre foram muito positivas nesse aspecto.

Quando pensei em abrir um comércio de carnes, eu via no mercado de Fortaleza uma carência muito grande da dona de casa de encontrar um lugar saudável, limpo e confiável. Há 36 anos o mercado de carne era muito dentro de feiras, de frigoríficos pequenos, de bairro.

E eram lugares que não transmitiam tanta confiança de segurança alimentar, de limpeza e de informações corretas. Se vendia muito 'gato por lebre'. Então as pessoas sofriam ao fazer aquisição de carnes. E eu tive a oportunidade.

Entre as estratégias do negócio, a fundadora e presidente da Fazendinha aposta em qualidade, produtos própios e praticidade para as donas de casa. Deu certo e ela continua apostando na fórmula(Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel/ Fazendinha)
Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel/ Fazendinha Entre as estratégias do negócio, a fundadora e presidente da Fazendinha aposta em qualidade, produtos própios e praticidade para as donas de casa. Deu certo e ela continua apostando na fórmula

No meu primeiro casamento, meu ex-marido já tinha o abate de suínos da fazenda e eu levava esses suínos para Ceasa (Centrais de Abastecimento do Ceará), tinha uns quiosques de vendas. Então eu tive a oportunidade de montar uma casa de carne para o mercado de Fortaleza.

E uma coisa diferenciada, que oferecesse serviço, higiene e segurança. E assim começou realmente a ideia de montar um frigorífico. Quando eu fui montar, liguei para o papai e falei da ideia e minha mãe, quando ouviu, disse: 'Ah, eu não criei a minha filha para ser açougueira'.

E não era isso que eu estava querendo. Eu queria ser a empresária da carne. E até à época eu pensei que a minha mãe estivesse entendendo tudo errado, e o papai não. Ele foi o meu fiador quando eu aluguei a loja.

Sempre tive muito apoio para empreender, tinha um porto seguro dentro de casa, os meus pais estavam ali sempre presentes para o que precisasse.

O POVO - A senhora é formada em Contabilidade, mas já disse que nunca teve vontade de atuar na área...

Silene - Tinha em mente que Contabilidade era para contar, eram números. Eu sempre gostei de matemática. Quando entrei na faculdade, vi que não era bem isso. Eram leis, regras, tudo que muda a toda hora, uma parafernalha de burocracia.

Tudo começou com um espaço de qualidade para oferecer carnes para os clientes(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Tudo começou com um espaço de qualidade para oferecer carnes para os clientes

E eu terminei por terminar... No fim eu já estava com outro foco. Casei aos 19 anos e me formei com 22. Eu não queria ir atrás de fazer outra coisa, ia concluir pelo esforço que meu pai buscou para que todos os filhos estudassem.

O POVO - Nessa época você já trabalhava?

Silene - Logo que eu me casei. Eu ia diariamente para Maranguape trabalhar junto com a atividade do meu marido da época. Com 19 anos, eu ia prestar contas de um comércio que ele tinha de vendas de ovos e carne de porco, da fazenda do pai dele.

Comecei a lidar com o comércio nesse processo, já era um contato que eu queria. Quando eu pensei em Contabilidade, eu pensava em trabalhar com dinheiro, com números, com esse processo de como chegar ao lucro, entender o que dá prejuízo.

Sempre trabalhando em cima de valores, essa atividade sempre me despertou. Quando eu me formei, no último semestre eu estava grávida da Renata. E eu nem fui para as aulas, porque naquela época você tinha licença-maternidade.

No fim veio o canudo, mas eu não posso me vangloriar de forma alguma desse processo, porque foi mais uma satisfação pessoal que realmente de profissão. Tanto que eu não me interesso pela Contabilidade hoje em dia. Fiquei traumatizada.

O POVO - E o vôlei?

Silene - O vôlei foi a minha grande paixão de adolescência. Comecei com nove anos ainda na escola, porque eu tinha uma professora de educação física que era atleta de vôlei. Como olheira, ela me chamou para jogar no Náutico.

Falei para os meus pais e, chegando lá, me deparo com quem foi meu professor a vida toda de vôlei, o Airton Fernandes, do Clube do Vôlei. As minhas outras duas irmãs também acompanharam, mas no fim ficamos eu e a que é 'vizinha' a mim, a mais velha parou. E eu fiquei como jogadora de vôlei até me casar.

Ainda na escola uma professora de Educação Física descobriu o talento de Silene Gurgel e a levou para jornal pelo Naútico. Ela atravessou os estados e foi para São Paulo, onde jogou profissionalmente pelo Corinthians, em São Paulo(Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel)
Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel Ainda na escola uma professora de Educação Física descobriu o talento de Silene Gurgel e a levou para jornal pelo Naútico. Ela atravessou os estados e foi para São Paulo, onde jogou profissionalmente pelo Corinthians, em São Paulo

Nesse período todo eu era da seleção do Náutico e da seleção cearense. Viajei o Brasil todo jogando pelo Ceará. Quando eu estava com 17 anos, o Corinthians me chamou para fazer um teste lá, para ver se eu ficava. Passei um mês, eu e uma colega que jogava comigo.

Foi uma experiência até interessante, porque nessa época quem tava com a gente na hospedagem, em uma casa de atletas que vinham de fora, foi a ex-esposa do Walter Casagrande, a Mônica Casagrande. Depois de um mês, fizeram a proposta.

Naquela época, o vôlei era ainda amador, não é o que é hoje. A oferta era um salário mínimo, escola e transporte. Pensei: "Meu Deus, vou abandonar minha família, meus amigos. O que eu vou ganhar aqui?".

Aí falei para o diretor que não iria ficar. Os valores familiares pesaram muito nesse momento. Eu casei, parei de jogar, só brinquei um pedacinho até uns 25 anos de idade.

O POVO - O que a senhora acha que essas questões do esporte contribuem para o lado da empreendedora?

Silene - O grande legado do esporte, para mim, é essa disciplina e o desejo de vencer. A gente entra em qualquer processo para dar certo, para vencer. O esporte só me trouxe coisas positivas, até nos momentos mais difíceis. As derrotas me trouxeram grandes ensinamentos, de que você caiu hoje para se levantar amanhã.

Além dos negócios, o esporte é a grande paixão de Silene Gurgel que já foi jogadora profissional de vôlei. Atualmente, o beach tênis serve para manter seu equilíbrio(Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel)
Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel Além dos negócios, o esporte é a grande paixão de Silene Gurgel que já foi jogadora profissional de vôlei. Atualmente, o beach tênis serve para manter seu equilíbrio

As dificuldades que vierem nunca vão ser tão difíceis ao ponto de te derrubar. Nunca pense que está acabado, sempre vai haver uma nova experiência, um novo momento, uma nova chance que vai te trazer a oportunidade de dar a volta por cima.

Na minha vida de empresária eu passei por muitas dificuldades, mas levantei a cabeça e dei a volta por cima.

O POVO - E se não fosse empresária nem jogadora de vôlei ou de beach tennis, o que seria?

Silene - Eu não me imagino fazendo uma atividade diferente do comércio. A loja hoje é indústria... De panificação, de alimentação para o self-service. Ela é indústria, mas a minha paixão é o comércio. Essa dinâmica de todo dia ter novos desafios.

Os dias não são iguais. Eu nunca participei de uma indústria, mas eu imagino a monotonia que deve ser, todo dia, aquele mesmo processo.

O dinamismo do comércio é que me traz essa similaridade com o esporte, porque todo dia é uma história diferente. As caras são diferentes, os clientes mudam e vira um desafio diário. E eu não me imagino de outra forma.

OP - O mercado de carnes é muito masculino. Quais foram os desafios iniciais que a senhora teve que enfrentar?

Silene - Foram muitos desafios iniciais nesse processo. É um mercado extremamente masculino e, até hoje, as pessoas ainda associam a venda de carnes a uma atividade masculina. Mas isso para mim, na verdade, nunca foi uma dificuldade, porque eu estava focada em empreender.

Qualidade e serviços personalizados para atender os clientes são diferenciais da Fazendinha(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Qualidade e serviços personalizados para atender os clientes são diferenciais da Fazendinha

Se era carne, o que fosse. O que eu queria era ocupar um vazio do mercado. E dentro desse processo de preconceitos, para mim já estava resolvido. Mas enfrentei inúmeros desafios, como se enfrenta ao montar qualquer negócio dentro de qualquer ambiente, qualquer cidade, qualquer canto. Realmente é arriscar.

Quando você empreende, antes de mais nada, você está arriscando para dar certo. Diferentemente de você ser funcionário de alguma empresa. O seu risco é 'não gostei, vou para outro canto', você não envolve investimentos.

Ao empreender, você realmente está envolvido com toda uma responsabilidade, não só comercial, social também. A gente vê que outras pessoas começam a depender da gente, e aí começa um processo de pé no chão.

O POVO - A senhora já comentou que passou por momentos difíceis. Quais lições foram aprendidas? 

Silene - Tive vários momentos difíceis. Com cinco anos de loja, eu tinha duas unidades, a matriz, que era vizinha de onde eu estou hoje, em um centro comercial, e tinha uma filial lá na avenida Virgílio Távora. O ponto era locado e o proprietário ligou pedindo. 

Silene Gurgel guarda com carinho as lembranças de como tudo começou na Fazendinha(Foto: Arquivo pessoal Fazendinha)
Foto: Arquivo pessoal Fazendinha Silene Gurgel guarda com carinho as lembranças de como tudo começou na Fazendinha

Liguei para o meu pai e ele disse que a gente ia dar um jeito. Mas você sente faltando terra nos pés. Lá em casa, o papai dava para as mulheres quando casavam, uma casa para poder começar a vida, a velha independência, o teto. Era o presente de casamento.

E eu tive que vender essa casa para comprar o terreno do lado. Abri mão de um presente do meu pai, estava praticamente na rua, só que as coisas não foram tão rápidas. Tive um tempo para sair e fui morar de aluguel e construir onde hoje é a matriz.

Foi um momento realmente de desafio, de você ter que tomar decisões, abrir mão do seu teto, arriscar em uma loja que era bem maior.

Felizmente foi outro momento que o papai foi bastante presente, apoiando, dizendo que a gente ia conversar com o advogado e ver o tempo que a gente poderia ficar no imóvel até eu construir a outra loja.

O POVO - E o que fez?

Silene - Vendi minha casa, deu certo, comprei outro terreno e foi um desafio muito grande. Passei por uma situação de muita irmandade. Nesse momento, meu irmão mais velho, que infelizmente já é falecido, trabalhava na Fundição Cearense e fez toda a estrutura metálica dessa loja.

Ela é uma loja com estrutura arqueada, é bonita em termos de design, diferente. Ele foi lá pra dentro e fez essa obra toda. Aí entra o lado familiar, a importância que a gente tem dentro da família. Meus irmãos foram sempre presentes. 

Com os diferenciais de atendimento, qualidade e espaço, a Fazendinha desde inaugurou atrai uma clientela fiel que busca serviços diferenciados(Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel)
Foto: Arquivo pessoal Silene Gurgel Com os diferenciais de atendimento, qualidade e espaço, a Fazendinha desde inaugurou atrai uma clientela fiel que busca serviços diferenciados

Nas minhas dificuldades, cada um dentro das suas condições e das suas disponibilidades financeiras ou afetivas, ou apoio realmente ali, de estar… Todo mundo sempre muito presente e são lições que o papai, a mamãe trouxeram para gente. A importância da família dentro dos processos.

Tive outra situação. Quando eu entrei em uma dificuldade financeira, não me lembro o ano. Quis comprar a ampliação da matriz e vendi uma segunda moradia que eu estava, para pagar conta. Eu quem tinha que resolver e fazer acontecer na minha vida.

Eu me separei nova, com 39 anos, os meninos eram adolescentes, e eu tinha que continuar a vida, mantive o mesmo ritmo de trabalho e tive que lidar com o emocional também. Administrar uma separação com dois adolescentes foi um desafio muito grande.

O POVO - Além de não desistir e de  sempre empreender, quais foram as principais lições que seu pai ensinou? O que passa aos filhos?

Silene - O papai sempre passou uma lição: a importância de você ter o nome limpo no mercado. Qualquer atividade, qualquer profissão que você tenha, a importância de você ser uma pessoa respeitada perante o mercado e a sociedade. Isso é uma construção, então ele sempre trouxe esses princípios.

Antonio Neto e Renata trabalham na parte administrativa dos negócios e imprimiram sua visão de organização e tecnologia no dia a dia(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Antonio Neto e Renata trabalham na parte administrativa dos negócios e imprimiram sua visão de organização e tecnologia no dia a dia

Foi uma pessoa que nunca gostou de dever, ele sempre achava muito perigoso dever. Trouxe para os filhos a importância de ganhar para gastar e não gastar para ganhar, isso ficou muito claro para todos os nossos irmãos e nós temos sempre muito cuidado nesses processos.

Não que a gente não arrisque. Todo o empreendedor precisa uma hora contrair uma dívida, mas tudo muito responsável, com o pé no chão. É um legado muito positivo. É bom a gente ter medo de arriscar tanto.

A gente tem que arriscar, mas tem que ter um pouquinho de medo do tamanho dos riscos, para não se afogar.

O POVO - E a mãe?

Silene - O quanto a gente precisa chegar lá na frente e ser mãe para poder enxergar o que é ser mãe. A nossa vida de criança, adolescente, até ser mãe é muito de embate. Quando você passa a ser mãe, você vê quanto ela estava certa.

Lógico que dentro de um processo de ser a nona filha, não tinha esse acompanhamento que eu tenho certeza que os primeiros tiveram. Eu entendo, talvez à época não entendesse tanto, porque a gente quer atenção e não faz essa distinção.

O dinamismo que o comércio porporciona é a motivação diária da empreendedora que iniciou o trabalho aos 16 anos(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal O dinamismo que o comércio porporciona é a motivação diária da empreendedora que iniciou o trabalho aos 16 anos

O tempo vai passando e a gente vai entendendo que ela foi uma heroína de educar os dez. Então muda. Talvez chateações do castigo, de alguma coisa que não me era agradável, realmente não podia ser diferente. Mãe é mãe, pai é pai. A gente tem os desencontros, mas os vê como heróis.

O POVO - E se pudesse voltar no tempo, o que faria de diferente?

Silene - Casei muito nova. Perdi muito da minha adolescência. Hoje, as mulheres se casam bem mais velhas. Teria sido bom para mim, pessoalmente, ter dado um espaço maior para poder viver mais a minha idade. Era bom que a gente, adolescente, fosse um pouco mais madura (risos).

Mas infelizmente não é assim. Mas foi bom, isso não tira nada a riqueza desses momentos, do casamento, dos filhos. Profissionalmente, eu sou amante do que eu faço. Eu gostaria de ser um pouco menos operacional e mais estrategista.

Sou uma pessoa que sou muito envolvida com o trabalho, então eu respiro demais o trabalho. Nos meus momentos de lazer eu procuro ser intensa, mas também sou muito intensa no trabalho. Isso é uma coisa que incomoda? Não, é a minha maneira de ser. Mas seria bom? Seria (risos).

Frutas picadas, fris cortados e produtos feitas nas próprias lojas atraem os clientes fiéis do supermecado(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Frutas picadas, fris cortados e produtos feitas nas próprias lojas atraem os clientes fiéis do supermecado

O POVO - A Fazendinha é conhecida pela qualidade dos produtos, pelo atendimento diferenciado, pelo conforto nas lojas. Quando percebeu que a união desses fatores era realmente o sucesso e achou um novo nicho?

Silene - Eu ia para algumas reuniões de supermercado e via todo mundo falando só sobre estratégias, preços de fornecedores, impostos, quais atitudes seriam tomadas.

Eu ia ali para escutar, porque eu era uma lojistazinha de carnes que foi crescendo um pouquinho, dando uma dinâmica maior e resolvi entender que a gente aprende muito só ouvindo. Não precisa falar, basta participar, ouvir.

Daí eu comecei a ir para feiras de supermercados. Em um grupo de 15 supermercadistas eles cuidavam de mim, sempre tiveram esse carinho. Sempre tinha um padrinho ali. Eu ia e escutava tudo aquilo, mas eu via que não era exatamente o que eu queria, em termos de nicho de mercado.

A loja do Eusébio oferece café da manhã e almoço self service com produtos premium(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A loja do Eusébio oferece café da manhã e almoço self service com produtos premium

Eu queria uma coisa bem personalizada, bem dirigida à necessidade que uma dona de casa realmente tinha, mas que eles não sabiam. Nessa hora, eu tinha esse privilégio.

Enquanto eles estavam brigando com aquele fornecedor x, com o imposto y, eu me perguntava o que eu tinha que fazer para conquistar aquela dona de casa, o que eu tinha que oferecer para ela. Assim, os focos sempre foram direcionados para essa qualidade do produto.

O POVO - E deu certo...

Silene - Isso que foi formando a cumplicidade entre a empresa e essas pessoas. Quando a gente vai crescendo, a gente fica com muito medo de perder esse foco. E eu não quero jamais perdê-lo, essa é a essência da empresa. É o diferencial, esse processo humanizado, aconchegante.

Os lojistas grandes querem botar as lojas extremamente iluminadas. A gente já procura aquele ambiente mais aconchegante.

A inspiração do modelo da Fazendinha veio de uma loja quase centenária na capital de São Paulo(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A inspiração do modelo da Fazendinha veio de uma loja quase centenária na capital de São Paulo

Na Fazendinha, em cada unidade, eu tenho uma produção própria. Ninguém faz isso. Todo mundo faz uma central de produção e vai transferindo e o produto perde a qualidade, deixa de ser fresquinho para ser um produto a mais.

Isso tem um custo e a clientela reconhece pela qualidade do produto. São desafios que a gente se propõe dentro do mercado para poder se manter único. Às vezes as pessoas podem dizer que esse não é o melhor caminho financeiro. Concordo, mas é o melhor caminho para gerar o padrão de qualidade que o meu cliente quer.

Seria muito mais confortável e teria um resultado mais positivo, mas não é o que o meu cliente quer. Nosso mix todo foi montado em cima do gosto dos clientes. A gente vende solução e não o produto em si. Por isso que a gente tem tudo fatiado, tudo beneficiado, saindo quente, porções pequenas.

Toda loja é minimamente pensada para deixar o cliente mais comfortável durante a sua experiência de compra(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Toda loja é minimamente pensada para deixar o cliente mais comfortável durante a sua experiência de compra

O último lance nosso foi o self-service. Mais completo do que isso, não existe em termos de solução alimentar, a comida pronta. Mas fazendo direito, não é um self-service que você joga qualquer produto. Tem filé, salmão…

É para fazer o diferente, então não quero mudar essa proposta. Essa é a essência da empresa, foi criada em cima desses valores. Portanto não posso mexer neles.

Passo para os meus filhos que eles têm que dar continuidade, porque fomos criando espaço no mercado, então eles não podem mudar o foco dos valores da empresa, a solução para as donas de casa. O que vier a mais só vem a somar, mas aquilo ali tem que permanecer como essência.

 

 

Conheça o legado familiar: descendentes 

Filhos: Antônio Neto e Renata Gurgel | Netos: Maria Eduarda, Bernardo, Carlos Romeu, Mateus

O POVO - A senhora diz que a empresa pode ser dividida em dois momentos: antes e depois dos filhos. Como foi essa chegada?

Silene - A gente não constrói nada para levar com a gente e sim pensando no futuro, que não pertence só a mim, mas às próximas gerações. Já está com 15 anos ou mais que eles entraram na empresa. A Renata primeiro e o Antônio Neto um pouco depois e foi uma coisa natural.

A empresa já está na segunda geração e Silene espera que os netos possam um dia, por opção, querer atuar no negócio(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A empresa já está na segunda geração e Silene espera que os netos possam um dia, por opção, querer atuar no negócio

A Renata tinha uns 22 anos e o Antônio Neto com uns 20 anos, mas eu fui muito sincera com os dois. Cada um que foi entrando, eu botei para pensar, se aquilo ali, o comércio, era uma coisa que eles tinham em mente para a vida deles.

Que eles teriam o meu apoio e a oportunidade de escolher qualquer outra atividade. Se quisesse ser médico, advogado, livreiro, se quisesse ser o que fosse, eu iria apoiá-los e não ia achar nada de anormal dentro desse processo.

Eu só queria que eles parassem para pensar bem se essa escolha era realmente a vontade deles e não a oportunidade. Você pegar uma coisa que está andando, montar em uma bicicleta que está com rodinha, é fácil. Então eu botei muito eles para pensar.

Inclusive com eles já dentro, durante algumas crises existenciais que se passa, eu botava eles para pensar e perguntava: "Você quer isso? Esse ritmo?" 

Cada uma das três unidades possui sua própria padaria com produtos frescos todos os dias(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Cada uma das três unidades possui sua própria padaria com produtos frescos todos os dias

E eles foram ficando, entrando no processo, se encontrando nos seus espaços. Passaram por várias áreas, mas foi mais rápido do que a gente imaginava. Os jovens estão muito conectados e com as informações na mão. Foi bem diferente do meu momento.

Quando eu digo que teve divisores de águas é porque houve até um choque de como você trabalhava e como hoje você tem que trabalhar.

Eu me chocava muito, porque eles trabalhavam só em uma mesa. E eu ia para o Ceasa, fazia muitos movimentos, ia até o depósito para olhar o que estava certo e o que estava errado, entrava em uma câmara frigorífica. Se achasse que era o caso, eu ia empacotar.

O POVO - Como era na sua época?

Silene - Dentro da minha história não tinha porque eu não fazer o que eu achava que tinha que fazer. Não tinha divisões de funções. Hoje essa juventude controla as coisas na mão e os formatos são bem melhores em termos organizacionais. Eu não tive preparação de administração de empresas, eu não passei por isso.

Na realidade, fui muito intuitiva. O processo ia acontecendo... Por feeling mesmo. Ia ouvindo um cliente, os colaboradores e as coisas foram acontecendo. E o divisor foi quando os meninos entraram e foram organizando.

Esse foi o primeiro café da manha da manhã na loja do Eusébio com mesa posta da Silene com os filhos e o esposo, Cisne Frota(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Esse foi o primeiro café da manha da manhã na loja do Eusébio com mesa posta da Silene com os filhos e o esposo, Cisne Frota

Os dois fizeram Administração de Empresas, então já foram trazendo para dentro da empresa a organização dos setores. A empresa cresceu, aumentou o número de funcionários e organizaram o RH, o setor financeiro, o setor de compras…

Coisas que eu concentrava em mim. Em muitos momentos, eu quem botava para dentro, eu quem botava para fora. Eu quem juntava uma mesa com vários fornecedores e brigava com o preço de qualquer produto. Só que a empresa vai crescendo, você vai vendo que você não é a Mulher Maravilha, e eles foram organizando esse processo.

Essa nova formatação já é um mérito muito grande deles, que foram estabelecendo processos. E é uma luta para eles adaptarem ao mundo moderno o nosso foco no mercado, o nosso propósito. Por mais que esteja tudo na palma da mão, as relações humanas não podem se perder, essa é a essência da empresa.

Os irmãos Antônio Neto e Renata Gurgel, compartilham da adminiração pela história da mãe(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Os irmãos Antônio Neto e Renata Gurgel, compartilham da adminiração pela história da mãe

Então existe ainda essa “briga”. Lançou o aplicativo, mas você perde o contato com aquelas pessoas que lhe trazem muito prazer, não é só o comércio. Você troca informações.

Hoje o mundo está carente, tem essa necessidade de interagir, então é algo muito forte que, às vezes, se perde, porque os jovens estão fazendo isso. Mas a gente fica batalhando para realmente manter esse processo de intimidade, de diferencial, de personalização. Aqui o cliente tem nome.

O POVO - Além do seu pai, que foi uma grande inspiração na sua vida, tem algum empresário que te inspirou?

Silene - Tem uma loja que sempre que eu vou a São Paulo, preciso ir lá. Ela me revigora, me mostra o quão longeva consegue ser uma empresa. Fica na Alameda Lorena, é a Casa Santa Luzia, empresa quase centenária, familiar e de onde eu tiro grandes lições.

Dos anos que comecei a ir até as últimas vezes que fui, ela teve um crescimento alargado. No primeiro dia que entrei lá, disse: "Um dia, queria ser assim". Fiz até um comentário com um amigo lojista de supermercado e ele começou a rir. Disse que para eu ser essa loja precisava trazer o paulista para o Ceará.

Silene Gurgel não tem planos definidos para novas lojas, mas não dispensará oportunidades(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Silene Gurgel não tem planos definidos para novas lojas, mas não dispensará oportunidades

Porque o consumidor paulista é diferenciado. Lógico que nós estamos numa região totalmente diferente, com poder aquisitivo bem menor, mas o que ela me mostrou é que você pode fazer uma coisa muito boa e conquistar um público bacana, com produtos bacanas, de acordo com a necessidade do mercado local.

Sempre foi um desejo e uma meta. Entrei, há uns três anos, nos bastidores dessa empresa e isso me trouxe lições maravilhosas de organização e de produção própria. Como temos produção em cada unidade, aquilo me trouxe um enriquecimento muito forte em termos de qualidade, zelo, de embalagens, de controle.

O POVO - Além dos filhos, outros parentes já trabalharam e atuam na Fazendinha...

Silene - Há cerca de um ano minha cunhada Didier Câmara se aposentou. Ela entrou com menos de um ano de empresa e ficou por 35 anos com a gente, fez uma história belíssima dentro da empresa. De atendimento, de cumplicidade. Era linha de frente.

É uma pessoa extremamente humana, que veio ao mundo para servir as pessoas. Ela é minha comadre, madrinha do Antônio Neto. Eu me separei do irmão dela, mas ela não se separou de mim, graças a Deus. Porque nós sempre nos respeitamos muito, sempre a considerei irmã, parceira, mãe, conselheira.

O POVO - Sua neta costuma ir às lojas nas folgas da escola. Deseja que um dia ela esteja na empresa?

Silene - Com certeza. Eu acho que se ela já demonstra esse lado de empresária, de comerciante, ela vai se dar bem. Ela vai ter o privilégio de pegar a bicicleta montada, sem rodinha, de marcha. Será muito bacana para ela e para a continuidade da empresa.

A loja do Eusébio foi inaugurada no fim de 2023(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A loja do Eusébio foi inaugurada no fim de 2023

O POVO - Indo para os negócios, o setor de supermercados registrou no ano passado um crescimento de 3% em relação a 2022. Qual foi o crescimento de vocês no último ano?

Silene - Como nós abrimos a filial no Eusébio, inevitavelmente temos um crescimento real de faturamento. Estamos em um momento de maturação da empresa.

A gente já percebe no mercado do Eusébio essa vinda repetitiva, isso demonstra uma fidelização do cliente, ele não está de passagem, ele está gostando de frequentar.

O POVO - Foi acima de dois dígitos o crescimento de 2023 para 2022?

Silene - Em função da nova loja, inevitavelmente foi. Proporcionalmente não teria sido, mas como esse up, sim. Saí de duas para três lojas, então faz a diferença. A gente está bastante satisfeito com o que a gente tem feito, sem se acomodar.

Diariamente, na hora do almoço, a loja do Eusébio atende clientes que buscam o diferencial dessa unidade: a rotisseria(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Diariamente, na hora do almoço, a loja do Eusébio atende clientes que buscam o diferencial dessa unidade: a rotisseria

O POVO - Vocês têm sistemas que identificam o perfil de compra, tíquete médio?

Silene - Sim. E a gente já começa a perceber que estamos na ordem natural do processo de maturação da empresa. A gente já começa a trocar informações com os clientes. O self-service é uma experiência extremamente nova, eu não tenho isso nas outras lojas.

Então é um desafio muito grande, mas logo a gente já viu que deu certo, que a gente acertou no que a gente fez. O café da manhã, o almoço, o fim de tarde e o jantar. São riscos que a gente está correndo, mas que felizmente a gente está vendo com positividade esse processo.

O POVO - Quais são os planos futuros? Pensam em novas lojas?

Silene - Como essa nossa atividade requer muita atenção, esse nosso crescimento é mais lento mesmo. A gente precisa terminar de maturar esse processo aqui. Lógico que as oportunidades aparecem, a gente analisa realmente se vale a pena dividir um pouco mais o foco.

Diferente de outros self services do Ceará, a unidade instalada dentro da loja do Eusébio oferece filet mignon e salmão diariamente(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Diferente de outros self services do Ceará, a unidade instalada dentro da loja do Eusébio oferece filet mignon e salmão diariamente

E isso tudo vai para uma mesa de análise, não posso te assegurar da quantidade de lojas que serão abertas. Agora, a gente realmente tem trabalhado em cima de oportunidades. E oportunidade a gente não pode deixar passar batido.

No Eusébio é lógico que a gente cutucou para a coisa acontecer, a gente queria esse mercado, mas é sempre com muito pé no chão para não atropelar a nossa essência, que é a nossa qualidade. Não adianta eu ser grande e ser só mais um. Eu quero que a minha fatia seja bem estabelecida.

O POVO - Para 2024 vocês planejam um mix maior de produtos, um novo canal de vendas ou alguma outra estruturação, como teve do self-service?

Silene - A gente está trabalhando bem pesado em cima do aplicativo. É um canal que está irreversível para o mercado como um todo, principalmente com os jovens. Para a gente é um desafio, porque os nossos clientes são muito conservadores. Os jovens são muito mais “desencanados” em relação a isso.

A loja do Eusébio também oferece café self service diariamente(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal A loja do Eusébio também oferece café self service diariamente

Então estamos trabalhando muito forte em cima desse mercado digital, para que realmente a gente tenha uma entrega em domicílio perfeita. É um desafio muito grande, porque é a gente que vai para a casa do cliente. Então eu tenho que levar essa mercadoria com muita excelência.

Eu não estou entregando um par de sapatos, eu estou entregando alimentos e já tem muito desafio para a gente trabalhar. Eu não fecho a porta para nada, mas a gente se concentra realmente no que está acontecendo hoje.

OP - Hoje, onde a senhora avalia que a Fazendinha já chegou e onde ainda quer que ela vá?

Silene - Ela chegou além do que eu imaginei. Eu imaginava que eu teria uma loja bem grande e que resolvesse a vida do fortalezense. Quem buscava uma solução alimentar, uma solução de coisas acabadas dentro de casa, hoje a gente tem. Só que eu não tenho mais uma loja grande, são três.

Os desafios triplicaram. Nós chegamos no Eusébio há quatro meses, a loja está maturando e a gente já vê uma satisfação e a integração das pessoas. Elas dizem: 'Que bom que vocês chegaram aqui!'. É tão bom quando as pessoas entram e falam: 'Ah, vocês deram um presente para esse município'.

Silene Gurgel diz que já foi muito além dos seus sonhos, mas está preparada para mais(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Silene Gurgel diz que já foi muito além dos seus sonhos, mas está preparada para mais

E a gente fica muito feliz ao ver como vale a pena o trabalho da gente. Está muito além do que imaginei. Se acontecerem mais coisas lá para a frente, vai só multiplicar essa sensação de que já passei do que eu imaginei.

OP - Qual o legado a senhora avalia que a Fazendinha trouxe para a sociedade cearense?

Silene - O legado é fazer o diferente. É muito bom a gente fazer as coisas que as pessoas ainda sentem falta. Preencher espaços é muito gratificante e eu vejo que essa empresa se firmou no mercado como uma coisa única.

É um presente maravilhoso para quem está dentro de uma construção, você ser reconhecido como um produto de confiança. É um presente maravilhoso, sentimentalmente, profissionalmente e de realização para as pessoas que reconhecem dentro dessa empresa, esse trabalho.

É só felicidade. É um legado de construção que tem dado certo. (colaborou Larissa Viegas)

 

 

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Projeto Legados

Esta entrevista exclusiva com a fundadora da Fazendinha, Silene Gurgel, para O POVO dá continuidade ao projeto Legados: A tradição familiar como pilar dos negócios.

Serão seis entrevistas com grandes empresários para contar a base que sustenta seus princípios, valores e tradições familiares que estão sendo passados para as novas gerações. E, ainda, o legado empresarial para o Ceará.

No próximo e último episódio, conheça a história do Tales de Sá Cavalcante, reitor da FB Uni, diretor-geral da organização Educacional Farias Brito e presidente da Academia Cearense de Letras.

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