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Fortaleza, cidade da luz e do sol, faz 298 anos
Reportagem

Fortaleza, cidade da luz e do sol, faz 298 anos

|Aniversário de Fortaleza|Em série de ensaios, O POVO mostra como história, pintura, fotografia e literatura constroem narrativas singulares sobre a incandescência da Capital, comprovada pela física
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Raios de Sol refletem no mar da orla fortalezense  (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Raios de Sol refletem no mar da orla fortalezense

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O Sol, por acaso

 

O ano era 1844. O mês, abril. Em um artigo sobre a libertação dos escravos no Ceará, José do Patrocínio – abolicionista e diretor de redação do jornal carioca Gazeta da Tarde – cravou no Estado a alcunha de Terra da Luz. Isso é o que conta o discurso oficial, repetido nos arquivos históricos. Por acaso, há 130 anos.

José do Patrocínio, abolicionista e chefe de Redação do "Gazeta da Tarde"(Foto: Wikipedia )
Foto: Wikipedia José do Patrocínio, abolicionista e chefe de Redação do "Gazeta da Tarde"

Outra história, porém, pode ser contada. No mesmo jornal Gazeta da Tarde, o apelido já aparece em março de 1883. Nessa época, havia se estabelecido um vai-e-vem intenso de telegramas entre os rapazes da Sociedade Libertadora Cearense, a partir de Fortaleza, e José do Patrocínio. A correspondência, transformada em notícia, ia parar no Gazeta, sob o título: “Terra da Luz”.

 Foi assim que, em 6 de março de 1883, o Ceará surge “rivalizando” com Paris a luz, que ilumina as ideias dos homens e das mulheres. Se da capital da França vieram “as meninas” – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – como afirma Patrocínio; do Ceará partiu, Brasil afora, a libertação dos escravizados. Começou com a vila de Redenção, depois Canindé, Pentecostes, Pereiro e Ibiapina. O sol da liberdade raiou em Sobral a partir de janeiro de 1884. Em março, a luz abarcou o Ceará inteiro.

O jornal carioca estampou homenagem, muita gente escreveu artigo, entre eles, Joaquim Nabuco. Todos chamaram o Ceará de Terra da Luz. Mas, a história tem seus caprichos. O mesmo Gazeta, em 1895, reclama que a Terra da Luz, segundo informações que chegavam ao jornal, ainda mantinha redutos de escravizados.

O motivo deste texto trata de outra luz. A luz do Sol. E não abrange todo o Ceará. Fortaleza é que está em destaque.

 

A cidade surge como Capital da Terra da Luz quando Antônio Sales selou o nome no segundo parágrafo do Estatuto da Padaria Espiritual, em 1892. Nesse tempo, Fortaleza era iluminada por lampiões a gás.

Tascou o poeta: “Fica organizada nesta cidade de Fortaleza, capital da Terra da Luz, antigo Siará Grande, uma sociedade de rapazes de Letras e Artes denominada Padaria Espiritual, cujo fim é fornecer pão de espírito aos sócios em particular e aos povos em geral”.

Bom lembrar que naquela época o Sol já era estrela na literatura. Rodolfo Teófilo, farmacêutico e romancista, escrevera A Fome, em 1890. As primeira linhas do romance naturalista narram que, no bairro Jacarecanga – “um dos arrebaldes de Fortaleza” – no início de dezembro, quando o mar solta seu bafo quente sobre a cidade, uma família de retirantes, aloja-se embaixo de um cajueiro, e despeja o olhar triste da vingança do Sol.

Espigão na Praia de Iracema, em Fortaleza (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Espigão na Praia de Iracema, em Fortaleza

Teófilo relata a seca de 1877, a estiagem dos 1.000 mil dias de sol castigando gente, planta e bicho. Fala-se hoje em 500 mil mortos em todo o Estado. Animais e vegetação esturricados. Uma leva de sobreviventes rumou para Fortaleza na esperança de aplacar a fome.

Em 1915, o Sol, mais uma vez lança sua danação, persistindo no céu sem trégua. Após alguns invernos, foi a vez de uma menina modernista de 19 anos, moradora do bairro Pici, olhar para o Céu. Com um romance enxuto, Rachel de Queiroz pôs em cena a professora Conceição e seus desejos discrepantes. Rejeitou casamento com um sertanejo, deu preferência à Fortaleza ensolarada e perversa, que aliviava o sofrimento dos condenados pelo sol ardente, encurralando-os numa espécie de prisão para retirantes. Lançado em 1930, O Quinze tornou-se um clássico da literatura brasileira.

Calbert Camus, autor de O Estrangeiro

Meursault responde: “Disse rapidamente, misturando um pouco as palavras e consciente do meu ridículo, que fora por causa do sol” - Albert Camus, em O Estrangeiro

Do outro lado do Atlântico, o Sol encadeou os olhos de Meursault, o argelino personagem de O Estrangeiro, de Albert Camus, e ele matou um árabe numa praia, em Argel. Durante o julgamento, o juiz lhe pergunta por que havia assassinado o homem. Meursault responde: “Disse rapidamente, misturando um pouco as palavras e consciente do meu ridículo, que fora por causa do sol”.

 

 

Experiência do artista visual e fotógrafo José Guedes com a luz de Fortaleza nas primeiras horas da manhã 

 

 

A culpa é do Sol

 

O dia do artista plástico e fotógrafo José Guedes começa cedo e seu primeiro banho é de luz. Enquanto caminha na avenida Beira-Mar, na companhia de uma câmera fotográfica, ele testemunha a dança do sol ao nascer. Às vezes tímido, escondendo-se atrás das nuvens, às vezes sorrindo meio sério meio fazendo graça, às vezes sisudo e inundando a cidade com uma luz amarelo-intenso e quente.

Há 15 anos, Guedes registra nas suas redes sociais imagens que, no fim das contas, são experiências com a luz. Num desses anos, ele fez fotos de um mesmo ângulo praticamente todos os dias, enquanto aguardava o sol espreguiçar-se no mar e esparramar-se por Fortaleza. O resultado foi um imenso caleidoscópio de luzes e cores que, juntas, formavam uma mandala solar.

José Guedes, artista plástico e fotógrafo cuja obra é influenciada pela luminosidade singular de Fortaleza(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação José Guedes, artista plástico e fotógrafo cuja obra é influenciada pela luminosidade singular de Fortaleza

A luminosidade de Fortaleza, em última instância, é cúmplice de Guedes na construção de sua obra que se caracteriza pelas formas envoltas de cores vibrantes. No ateliê montado em casa, o artista teve o cuidado de pôr o cavalete em contato direto com o brilho particular de Fortaleza. “Como pintor, gosto da luz natural, ela muda a cor e ajuda a criar as harmonias cromáticas das telas”, afirma o artista.

“Na minha primeira exposição em Paris, soube que a luz da cidade tinha um diferencial na minha obra. A curadora da galeria onde eu ia expor me disse que os franceses não estavam acostumados com a cor das minhas telas”, relembra, sorrindo. “A cor é a resposta direta da luz do seu lugar e em cada lugar essa luz é única. Curiosamente, eu usava um pigmento francês – por sinal, ainda uso –, mas a cor das telas era muito diferente das obras dos parisienses.”

O artista tem por hábito observar as sutilezas da iluminação natural das várias cidades que visita no Brasil e em outros países. Capta com sua lente de fotógrafo o momento atravessado pela luminescência singular. Chama o instante iluminado de “Agora”, que compõe as postagens, tradução em imagem de uma crônica da luz.

Ana Miranda escreveu "O Peso da Luz. Einstein no Ceará"(Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES Ana Miranda escreveu "O Peso da Luz. Einstein no Ceará"

Dia 8 de abril último, Ana Miranda planejou ver o eclipse total do sol em Portugal. Confessa a ansiedade. “Quero muito ver esse eclipse. Só vi o eclipse total pela imaginação”, conta a autora de O peso da Luz, romance ambientado em Sobral, em 1919, durante o episódio de comprovação da Teoria da Relatividade do astrofísico alemão Albert Einstein.

Para escrever o livro, Ana mergulhou nos comportamentos e ocorrências em torno do evento que se tornou um dos principais momentos da física do século XX. “Foi muito emocionante ter uma relação com o sol, com o eclipse total, mesmo que na imaginação”, conta a escritora que desenvolve sua própria teoria para explicar a luz que cerca a Cidade, o Estado e as pessoas de forma tão sutil que quase ninguém se dá conta.

“Vivemos entre luzes e luminosidades, escuridão, luzes dramáticas, alegres e tristes. As luzes vão se sucedendo e nós pouco temos conhecimento disso. Elas fazem parte do nosso estado de espírito, as luzes são tão importantes quanto num palco do teatro. A iluminação dá a dramaticidade que você pretende”, filosofa.

De volta ao Ceará, já adulta, muito tempo depois de deixar a Praia de Iracema ainda criança, Ana relembra do impacto da luminosidade durante o reencontro com a luz do Ceará. “É suave, lindíssima, com seus tons de rosa, verdes esmaecidos, prateados leves, embora muito intensa, é muito impressionante”, descreve a escritora.

Ronaldo Correia, escritor, escritor cearense radicado em Recife, está prestes a lançar "Rio Sangue" (Foto: Divulgação )
Foto: Divulgação Ronaldo Correia, escritor, escritor cearense radicado em Recife, está prestes a lançar "Rio Sangue"

A cartela de cores da claridade de Fortaleza se amplia com o escritor Ronaldo Correia de Brito, cearense, radicado em Recife. O que ele vê em Fortaleza é um “brilho amarelo como uma lâmpada incandescente e quente”. Já Recife tem a “luz de punhais”, metáfora do poeta João Cabral de Melo Neto.

Quando conversei com o Ronaldo sobre a luz de Fortaleza, ele falou com sua voz mansa: “Olha a coincidência, meu novo livro é cheio de luminosidades, o sol está sempre presente”. Ele falava de Rio Sangue, que deverá ser lançado até o início do segundo semestre. A narrativa, segundo ele, cruza o Atlântico e os sertões de Pernambuco e Ceará. “Sempre”, frisa ele sobre os lugares onde seus romances se passam. Por telefone, vai lendo trechos do livro nos quais o sol a pino, o calor intenso e a luz incandescente parecem transformar tudo e a todos.

A escritora e fotógrafa Tércia Montenegro só começou a perceber a luminosidade de Fortaleza quando começou a viajar. “Estava imersa nessa luz desde sempre, porque nasci aqui (em Fortaleza) e só fui me dar conta do valor dessa luz, de forma consciente, quando comecei a sair (da cidade)”.

Tércia Montenegro, escritora e fotógrafa:  descobriu a luz de Fortaleza a partir da comparação com outros lugares(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Tércia Montenegro, escritora e fotógrafa: descobriu a luz de Fortaleza a partir da comparação com outros lugares

A experiência de viver em outros lugares fizerem a escritora perceber, além dos cenários diversos, “a atmosfera, a nitidez, as claridades e o efeito que tudo isso proporcionava de profundidade e texturas”, diz a escritora. Apenas fora de Fortaleza, ela conta, foi possível notar “por comparação, a presença tão característica” da luz fortalezense.

De alguma forma, Em plena luz, o penúltimo romance da escritora, parece trazer à tona as múltiplas texturas luminosas que fazem parte da experiência de Tércia. No texto, contrastes – visíveis ou não – entre Liège, Paris e Fortaleza, cidades por onde Lucrécia, a personagem, viaja funcionam como marcadores internos da narrativa.

“No livro, há trajetos e traslados e a luz vai participando disso. Ela é um elemento de deriva, de trânsito da personagem. As claridades do romance fazem parte de um subtexto, por vezes não perceptível aos leitores. No entanto, outros são tão claros quanto a luz do sol, como no trecho: “Não há como resistir a um impulso pagão de celebrar esse disco que desce – e com sua descida encerra o tempo”.

 


O Sol em evidência


A cor e a intensidade de luz de Fortaleza representadas em tinta, imagem e prosa é decifrada tintin por tintin pela astrofísica. O pesquisador sênior no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Joaquim Costa, que compõe também o coletivo de divulgação científica Não Apenas Raios, calculou o fluxo exato de radiação solar em Fortaleza.

O resultado foi o seguinte: “A distância varia de 147,1 milhões de quilômetros no periélio (ponto da órbita do planeta mais próximo ao sol) e no afélio (ponto mais distante) é de aproximadamente 152,1 milhões de quilômetros, que altera a luminosidade em aproximadamente 6,7 % para toda a Terra e não especificamente para o Ceará”, afirma.

Raios de Sol refletem no mar da orla fortalezense (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Raios de Sol refletem no mar da orla fortalezense

A incandescência particular de Fortaleza chega aos olhos por outros motivos. Segundo Joaquim Costa, a localização da cidade em relação à linha do Equador é a responsável principal pelo fenômeno.

“Fortaleza se encontra próxima ao Equador e isso faz com que o Sol não se incline muito para o Norte ou Sul durante o ano”, explica Joaquim Costa.

E continua: “O Sol vai do trópico de câncer ao Norte (junho) ao trópico de capricórnio ao Sul (dezembro). Pra entender, podemos comparar Fortaleza (próximo ao Equador) com São Paulo (que está aproximadamente no trópico de capricórnio). Para São Paulo, em junho o Sol se eleva ao máximo 42 graus em relação ao horizonte, ao meio-dia. Em Fortaleza, em junho ele se eleva a 62 graus (no mesmo horário)".

Nesse momento, como afirma a personagem Lu, no romance Em Plena Luz, de Tércia Montenegro, “O sol é a verdadeira ameaça, e aqui se inventam sombras, proteção sob esses cogumelos de pano”. É o chamado pico do meio-dia, quando uma sensação quente penetra nos poros deixando o corpo aquecido por inteiro. A luminosidade é tão intensa que às vezes, os olhos parecem não suportar a claridade.

Amarelo solar na avenida Beira-Mar de Fortaleza (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Amarelo solar na avenida Beira-Mar de Fortaleza

O astrônomo Romário Fernandes complementa que a localização de Fortaleza em relação ao Sol é que lhe confere uma distribuição homogênea de luminosidade peculiar durante todo o ano. É o movimento do Sol que ora se desloca para um lado, ora para outro que torna a claridade de Fortaleza singular. “Some-se a isso as nuvens e a umidade do ar”, afirma. No inverno, exemplifica Romário, a inclinação do Sol torna o céu mais colorido, o que dá uma percepção de luz espalhada.

Se tudo tem uma explicação na física astronômica, o amarelo intenso da luz de Fortaleza acontece devido à composição de oxigênio da Terra. Quanto mais próximo o Sol, mais cor, como é o caso de Fortaleza em relação ao Sol. Para o físico Émerson Almeida, diretor científico do Museu do Eclipse em Sobral e professor do Departamento de Física da Universidade Vale do Acaraú (UVA), as cores que o Sol reflete sobre Fortaleza têm ainda o componente do mar.

Emerson  Almeida, físico, diretor científico do Museu do Eclipse, em Sobral e professor do curso de Física na Universidade Vale do Acaraú(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Emerson Almeida, físico, diretor científico do Museu do Eclipse, em Sobral e professor do curso de Física na Universidade Vale do Acaraú

“Em Fortaleza, as partículas de sal são recheadas no mar pelo vento, a brisa marítima. Essas partículas desviam a luz mais para o amarelo.” Segundo ele, o fenômeno ocorre em cidades com características semelhantes. Se em Fortaleza o amarelado irrompe quando a cidade está mais aquecida no fim da tarde, em Acapulco, o amarelo surge pela manhã. Ele cita ainda outros componentes que podem mudar a coloração do ar como as queimadas e a poluição.

Emerson Almeida, por sinal, tem sua vida girando em torno do Sol. Ele é o guardião de uma das memórias científicas mais importantes do século XX que tem Sobral como palco e o Sol como personagem principal.

Reprodução de foto durante experimento de observação do eclipse total do Sol na cidade de Sobral, em 1919(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Reprodução de foto durante experimento de observação do eclipse total do Sol na cidade de Sobral, em 1919

Em março de 1919, uma equipe brasileira de cientistas chefiada pelo diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, Henrique Morize, trabalhava em parceria com o grupo do cientista alemão Albert Einstein, em Londres que buscavam comprovar a Teoria Geral da Relatividade. Segundo essa teoria a luz, o espaço e o tempo seriam afetados pela gravidade. Por isso, o Sol “desviaria a luz das estrelas na sua proximidade”. Os cálculos estavam feitos, mas seria necessário comprovar a teoria e isso seria possível num eclipse total do Sol.

No dia 19 de maio de 1919, o Sol ainda fez pose. Um minuto antes de momento exato de registrar o eclipse total, as nuvens formavam uma cortina que cobriam por completo o ator principal. Até que se abriram e o Sol foi visto na sua grandeza e a foto que marca esse momento é o do céu sobralense. Almeida chama a atenção sobre como os aspectos da natureza da cidade contribuíram para o evento. “Esse evento ajudou a moldar a compreensão do ser humano sobre o universo, porque a Teoria Geral da Relatividade é a maneira como nós entendemos a estrutura do universo mais amplo”.

Mas enquanto a ciência rondava uma Sobral no início do Século XX, a maioria da população estava em outro estágio. De um lado, o eclipse era o fenômeno aguardado pelos cientistas, por outro, era vista como sinal de maus augúrios, castigo divino e outras pragas. Para a diretora do Parque da Luz, Germana Clio, os traços culturais da cidade foram mudando com o tempo e se apropriando da história científica.

Memória do Sol no Museu do Eclipse, em Sobral 

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O físico Emerson Almeida ressalta a cultura como forma de um povo modelar sua identidade seja pelo clima, seja pela luz da cidade ou pelos aspectos geográficos. O astrônomo Romário Fernandes realça como o Sol está presente como o elemento fora da Terra que tem o maior impacto sobre a vida humana e toda a natureza. “Desde a noção do tempo, sua presença ou não no céu para ditar o ritmo da natureza, os calendários humanos, tudo está ancorado no Sol”. Para ele, essa dimensão explica a transformação da estrela em divindade e objeto para a arte.

Para a escritora Ana Miranda, o Sol é um deus, uma entidade. Aquele que tem o raio da vida e da morte em suas mãos. “Ele é o centro no nosso sistema. Ele pode destruir, mas é ele quem dá a vida”.

 

Obras Consultadas 

 


 

Feliz Aniversário, Fortaleza

por Regina Ribeiro*

Há um bom tempo, quando eu lia poetas e filósofos cantando suas cidades, pensava: este lugar é perfeito. 

Por isso, imaginava Borges cochichando alguma coisa no ouvido de Buenos Aires; Fernando Pessoa e Lisboa, cúmplices no amor silencioso dos amantes; Benjamin de mãos passeando de mãos dadas com Paris, gesticulando entre sorrisos; Drummond e Itabira, brincando de encontrar pedras singulares pelo caminho.

Regina Ribeiro, jornalista(Foto: Aíla Sampaio )
Foto: Aíla Sampaio Regina Ribeiro, jornalista

Até sentir que o amor só acontece quando se reconhece as imperfeições.

Amar uma cidade é uma construção delicada. No início é só um rabisco, depois, um rascunho com formas incertas e demora até evoluir para um desenho com um traço indistinguível. Por fim, uma imagem está gravada na memória, no sotaque, nos jeitos de ser.

A imagem de Fortaleza incrustada em mim passa por sua claridade imensa. O texto que escrevi para o aniversário de 298 anos de Fortaleza é parte desse afeto.

De repente, gosto de pensar que sou desta cidade e estou nela. Amo andar de pés descalços pela praia - agora substituíram tudo por calçada - e deixar o mar lamber-me os dedos. Acho o pôr do sol visto da Igreja de Santa Edwiges a pintura mais bonita do mundo.

Claro que me incomodo com tanta farmácia. Desconfio, inclusive, que Fortaleza está adoentada. Outro dia, olhei triste para a escada que dava acesso à Livraria Cultura e agora é uma academia.

Aliás, Fortaleza em resumo é farmácia, supermercado, academia e lojinha de açaí. Mas, tenho um céu brilhante e multicolorido que me proporciona uma paz imensa. Moro na cidade mais ensolarada do planeta, embora o sol na moleira não seja coisa para gente fraca.

Azul intenso do céu e do mar de Fortaleza captado pelo artista plástico e fotógrafo, José Guedes (Foto: José Guedes)
Foto: José Guedes Azul intenso do céu e do mar de Fortaleza captado pelo artista plástico e fotógrafo, José Guedes

Além disso, Fortaleza tem tapioca, baião de dois, cajuína - cara pra caramba. E para completar, o mar infinito,- e claro, água de côco. Sem contar que quase todas as pessoas que me importam, compartilham comigo o mesmo Sol.

Por tudo isso, Feliz Aniversário, Fortaleza!

*Regina Ribeiro é jornalista e editora-chefe do O POVO+

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