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Santa Casa de Fortaleza: efeitos de uma conta que não fecha
Reportagem

Santa Casa de Fortaleza: efeitos de uma conta que não fecha

Instituição filantrópica afirma que cenário acontece em virtude da falta de incentivos financeiros do poder público, dívidas com fornecedores e, consequentemente, greve de funcionários
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FACHADA da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, ao lado do Passeio Público (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FACHADA da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, ao lado do Passeio Público

A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza passa há anos por uma crise financeira que coloca em risco o atendimento integral da instituição e que, consequentemente, afeta a entrada de novos pacientes. O hospital filantrópico, localizado no Centro da Capital, registrou queda de 94% no atendimento cirúrgico em 2024. O motivo está relacionado à greve de profissionais, à falta de incentivos financeiros e a um débito de R$ 30 milhões com fornecedores.

Nos meses de janeiro e fevereiro deste ano foram realizadas apenas 40 cirurgias na Santa Casa, sendo 29 em janeiro e 11 em fevereiro. No mesmo período no ano passado, o hospital realizou 730 procedimentos cirúrgicos. Foram 389 em janeiro e 341 em fevereiro. A queda no atendimento cirúrgico está relacionada, principalmente, a uma greve de anestesistas desde dezembro passado, consequência do débito.

O motivo da paralisação acontece devido ao atraso dos salários dos profissionais. A expectativa da Santa Casa é que os anestesistas retornem às atividades ainda neste mês visto que a instituição está quitando as dívidas com as emendas estaduais de R$16 milhões, que estão sendo liberadas em parcelas.

O cenário hoje da capacidade do hospital é de 100 atendimentos clínicos diários. No entanto, a oferta atual está 67 por dia. Já no setor cirúrgico, o hospital possui capacidade para 147 cirurgias, mas só consegue realizar 114. Os demais atendimentos em setores psicossociais, UTI, psiquiátricos e Casa de Saúde Eduardo Salgado não sofreram queda do ano passado para cá.

A Santa Casa de Fortaleza possui dívida acumulada de R$ 100 milhões. Desse valor, há um débito com fornecedores que chega a R$ 30 milhões. Ainda segundo o equipamento, há um déficit mensal de cerca de R$ 3 milhões do valor que recebe do Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa é uma das atuais preocupações financeiras do hospital, visto que o cenário afeta o funcionamento integral do equipamento, principalmente em relação aos profissionais que prestam serviços através de cooperativas.

De acordo com o provedor da Santa Casa de Fortaleza, Vladimir Spinelli, como a Tabela SUS não é atualizada desde 2011, os valores pagos por procedimentos de média complexidade, tanto clínicos quanto cirúrgicos, não são suficientes para cobrir os custos. Spinelli destaca que dois pontos ainda tornam o cenário ainda mais vulnerável.

“O primeiro pelo fato de se manter como um hospital voltado para os mais carentes, com índice de pacientes SUS em torno de 95% do total de atendimentos. O segundo por continuar disponível para procedimentos clínicos e cirúrgicos de média complexidade, mesmo com as defasagens”, cita o provedor.

No entanto, outro cenário está relacionado ao total de atendimentos ambulatoriais e hospitalares. No ambulatório, as consultas, atendimentos especializados, como oncologia, oftalmologia e outros serviços, são quase 10 mil atendimentos, mas há capacidade para até 19,9 mil.

O provedor da Santa Casa destaca que, atualmente, há incentivos aos hospitais em três níveis de poder. Pelo Governo Federal são repassados anualmente R$ 9 milhões, Estadual são R$ 6 milhões e Municipal R$ 3 milhões. No entanto, Spinelli afirma que o hospital tem um custo em torno de 300% maior do que aquilo que recebe.

“Nós não estamos pedindo para o Governo subsidiar a Santa Casa, estamos solicitando que os governos compensem os custos que a Santa Casa tem para prestar serviços. Não é justo ter que ficar correndo o tempo atrás de emendas e doações para cobrir um custo que é do Governo. É obrigação do Governo manter a população com saúde”, destaca o provedor.

O Ministério da Saúde informou que a Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza recebe o montante anual de R$ 3,888 milhões, referentes ao Incentivo de Adesão à Contratualização (IAC).

A pasta federal informou que os valores dos procedimentos que constam na Tabela de Procedimentos do SUS são utilizados “apenas como referência, sendo facultado aos gestores de Saúde negociar com os estabelecimentos sob sua gestão, mediante contrato, os valores a serem pagos”.

“O Ministério da Saúde não realiza repasse de recursos para as unidades de saúde. As entidades prestadoras de serviços ao SUS recebem sua retribuição pecuniária do gestor contratante após aprovação da fatura de serviços prestados, e não como ocorre com o gestor, sob a forma de transferência regular e automática do Fundo Nacional de Saúde (FNS) ao fundo estadual, distrital ou municipal”, disse nota ao O POVO.

No âmbito estadual, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) disse que o valor mensal do repasse do Estado é de R$ 329 mil para manutenção dos serviços cirúrgicos, traumato-ortopedia, oncologia e clínica médica. A Pasta destacou que está em dia com o repasse a entidade.

“Em janeiro de 2024, também foram repassados R$ 2 milhões, referentes à primeira parcela do aporte extra de R$ 16 milhões oriundos de emendas parlamentares, aprovado na Assembleia Legislativa em dezembro de 2023. Neste mês de abril, foram repassados R$ 2,97 milhões”, comenta.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que, em 2023, mais de R$ 60 milhões foram repassados para a Santa Casa de Misericórdia. Neste ano, o montante foi de R$ 12 milhões, sendo o último no valor de R$ 3.983.737,15 em março.

“Os repasses seguem a tabela do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP), cuja atualização é de cunho federal”, disse a pasta.

Em janeiro deste ano, o presidente Lula sancionou um projeto de lei (PL) que estabelece o reajuste anual da tabela SUS. O PL nº 1.435, de 2022 pede a revisão anual dos valores de remuneração dos serviços prestados ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela rede complementar, como as Santas Casas e demais hospitais filantrópicos.

O objetivo da medida é assegurar o bom funcionamento e conferir previsibilidade econômica aos prestadores de serviços do SUS. A última revisão da tabela do SUS ocorreu em 2013.

 


 

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