Logo O POVO+
Os desdobramentos da barbárie do IJF
Reportagem

Os desdobramentos da barbárie do IJF

| VIOLÊNCIA | Ciúmes da companheira teriam motivado Francisco Aurélio Rodrigues de Lima, de 41 anos, a matar Francisco Mizael Souza da Silva, de 29 anos, dentro do maior hospital de traumas do Estado
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,23.04.2024: Assassinato no IJF. (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,23.04.2024: Assassinato no IJF.

O dia de ontem foi de incredulidade, lamento e revolta diante do bárbaro assassinato do zelador Francisco Mizael Souza da Silva, de 29 anos, dentro de um refeitório do maior hospital de traumas do Ceará, o Instituto Dr. José Frota (IJF), localizado no Centro de Fortaleza. Ele foi morto e decapitado por Francisco Aurélio Rodrigues de Lima, de 41 anos, ex-funcionário da unidade. A ação ainda deixou ferido outra pessoa que também trabalha no setor de alimentação do hospital.

Após o crime, ocorrido por volta das 8h30min, Francisco Aurélio fugiu e foi localizado, por volta das 15 horas, no distrito de Patacas, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza. Uma moto usada por ele foi apreendida. Conforme o titular da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS), Samuel Elânio, o crime foi motivado pelos ciúmes que o acusado sentia da companheira, que também trabalhava no IJF, com a vítima — ela negou ter tido relacionamento com Francisco Mizael.

Imagens de câmeras de vigilância mostram o suspeito ingressando no IJF às 8h15min. Às 8h39min, ele deixa o hospital correndo. A arma de fogo usada no crime foi encontrada dentro de uma mochila ainda nas dependências do IJF. Segundo um funcionário do hospital, de nome preservado, foi um momento de muita "aflição". "Foram quatro tiros antes (da decapitação). Muita correria. Teve outra pessoa que não tinha nada a ver e foi ferida", descreveu. O suspeito conseguiu acesso ao hospital porque seu reconhecimento facial ainda era válido, mesmo ele tendo saído do emprego em 2022.

De acordo com Samuel Elânio, que concedeu entrevista coletiva no IJF ainda pela manhã, Francisco Aurélio já vinha "apresentando atitudes de de uma pessoa ciumenta" e "dado indícios que poderia praticar algo semelhante a isso". 

O delegado Ricardo Pinheiro, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), contou que Francisco Aurélio "incomodava-se" com as amizades que a companheira dele tinha. Ele chegou a intimá-la para que ela deixasse o emprego; caso contrário, o homem ameaçou "fazer uma loucura". Após ser preso, o suspeito exerceu o direito de ficar calado. Francisco Aurélio já tinha antecedentes criminais por ameaça e desacato, caso ocorrido em 2022 em Aracoiaba (Maciço do Baturité). Esta ocorrência está em segredo de Justiça e, por isso, as circunstâncias do caso não foram divulgados.

Não houve interrupções no atendimento realizado pelo IJF. "As famílias das vítimas estão sendo acolhidas e a situação está sendo acompanhada pelos órgãos de segurança, que estão recebendo todo o apoio para as investigações", afirmou em nota a direção da unidade.

Elânio ainda disse que não houve falha do sistema estadual de segurança, chamando o prefeito José Sarto (PDT) de "irresponsável" por fazer essa ilação. "Primeiramente, se a pessoa foi demitida, independente de qual for o motivo, ela não deveria ter livre acesso como teve. E, muito menos, portando uma mochila, que facilitou que ele adentrasse com arma de fogo e praticasse esse crime", afirmou o titular da SSPDS. "Não se trata de segurança pública. Se o município não é capaz de garantir a segurança, com a sua Guarda Municipal do hospital, não caberia ao sistema de segurança pública do Estado do Ceará".

O secretário Municipal de Segurança Cidadã, o coronel Heraldo Pacheco, afirmou, por sua vez, estar tentando entender "onde foi a falha para poder corrigir". Ele informou que a segurança do IJF é feita 24 horas por dia por 20 guardas municipais. "Vocês tem que pensar o quê? Que todas as pessoas vítimas ou atores de homicídios, de violência, estão aqui dentro", afirmou Pacheco. "E isso é um fator que aconteceu isoladamente. Isso mostra o quanto a estrutura tem a sua segurança. Falhas na segurança podem acontecer, mas nós vamos corrigir, vamos verificar e vamos corrigir". Ele ainda prometeu reforçar o efetivo da Guarda Municipal no IJF e aumentar os números de câmeras". (Com informações de Dayanne Borges, Jéssika Sisnando e Cláudio Ribeiro)

 

Funcionários do IJF pedem segurança
Funcionários do IJF pedem segurança

Sindicato cobra segurança após funcionário ser morto no IJF

Após um funcionário do Instituto José Frota (IJF) ter sido assassinado enquanto trabalhava na unidade, servidores fizeram ato e pediram por segurança no hospital. Outro trabalhador também foi alvejado e socorrido na emergência do próprio hospital. 

De acordo com o presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimento de Serviço de Saúde (SindSaúde), Quintino Neto, não é a primeira vez que a organização laboral denuncia acontecimentos dessa natureza. Ele afirma que já acionou o Ministério Público a fim de preservar a vida dos trabalhadores.

O POVO esteve no local nesta manhã. A movimentação de agentes de segurança era intensa, com presença das Polícias Militar, Forense e Penal, além da Guarda Municipal. 

Câmeras de segurança mostram fuga de suspeito do IJF após morte de funcionário; VEJA

A entidade afirma que "o assunto foi discutido em mesas de negociação com a gestão, mas nenhuma medida concreta foi tomada para resolver o problema". 

"O medo e a ansiedade têm impactos diretos na prestação de serviços à população, afetando a qualidade do atendimento e, em última análise, comprometendo a saúde pública como um todo", disse ainda o Sindsaúde Ceará em publicação nessa terça.

No último mês de abril, um paciente sob escolta policial que recebia atendimento na unidade tentou fugir utilizando cordas de lençóis, mas foi contido por vigilantes. Em agosto do ano passado, outro paciente pulou da janela de uma enfermaria da unidade de saúde. O homem estava internado devido a múltiplas perfurações causadas por arma branca.

Outro caso de violência foi registrado em 2021, quando um paciente foi preso em flagrante suspeito de tentativa de homicídio contra um outro paciente. Ele desferiu golpes de pinça cirúrgica contra um homem que aguardava cirurgia. Duas enfermeiras que tentaram socorrer a vítima foram atingidas e um militar sofreu tentativa de lesão.

 

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,23.04.2024: Assassinato no IJF.
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,23.04.2024: Assassinato no IJF.

Assassinatos em escola e hospital: a urgência de um pacto estratégico em nome da segurança

Em 2018, a Prefeitura de Fortaleza aderiu ao programa Acesso mais Seguro, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). O objetivo da parceria era garantir que a população tivesse acesso a serviços públicos essenciais mesmo em áreas de vulnerabilidade social e com elevados índices de criminalidade e violência. A medida foi tomada logo após o Ceará bater o recorde de assassinatos em meio ao momento mais agudo da guerra entre facções.

Há um consenso de que, mesmo nos conflitos armados mais renhidos, o mínimo de sociabilidade pacífica precisa ser mantido. Esse é um parâmetro para se mensurar o tamanho da gravidade dos fatos ocorridos na manhã de ontem: dois casos de assassinatos em instituições que deveriam servir como um ponto de apoio seguro tanto para os cidadãos que delas se valem quanto para as pessoas que trabalham em tais estabelecimentos.

As motivações dos dois crimes divergem frontalmente. Em comum, o estado de vulnerabilidade dos espaços públicos em um cenário de recrudescimento da violência letal. Em ano eleitoral, falta quem assuma a responsabilidade e sobram terceirizações. O bate-boca que seguiu, entre Governo do Estado e Prefeitura, após a divulgação dos homicídios, não é o que esperamos de nossas lideranças políticas.

Cada ente público possui suas obrigações. Estados e municípios não fogem a essa regra, possuindo papel de protagonismo no que tange à segurança pública.

O mais sensato a se fazer é aparar as arestas entre os dois poderes com vistas à melhoria da segurança da população. Firmar um pacto de entendimento sobre pontos centrais que vão além das desavenças eleitorais. Os motivos para esse “cessar-fogo” são vários, mas me detenho em apenas dois: a) as pessoas, de modo geral, não querem saber se cabe a partido X ou Y assegurar a segurança, mas ter esse direito garantido em seu cotidiano; e b) até mesmo por uma questão de cálculo eleitoral, quem é vitrine não pode ficar atirando pedra a esmo no vizinho. Nesse entrevero, somente os franco-atiradores saem ganhando.

O que você achou desse conteúdo?