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Quadra chuvosa de 2024 é a melhor em 15 anos no Ceará
Reportagem

Quadra chuvosa de 2024 é a melhor em 15 anos no Ceará

|cartola |Especialistas avaliam que dois fatores climáticos podem ter contribuído para o cenário positivo das precipitações no Estado, a dispersão do El Niño e o aquecimento das águas do Oceano Atlântico Sul. As mudanças climáticas, no entanto, podem estar relacionadas ao aquecimento global
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Entre 1º de fevereiro a 31 de maio, período que marca a quadra chuvosa, choveu 754.4 milímetros no Ceará (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Entre 1º de fevereiro a 31 de maio, período que marca a quadra chuvosa, choveu 754.4 milímetros no Ceará

O início do mês de junho marca o fim da quadra chuvosa no Ceará que, neste ano, foi a melhor em 15 anos. Entre 1º de fevereiro a 31 de maio, período que marca as precipitações, choveu 754.4 milímetros (mm) no Estado, conforme balanço parcial da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). O acumulado deste ano fica atrás apenas do ano de 2009, quando a região registrou 966.7 mm no período.

O Estado encerrou a estação com 23.8% das chuvas acima da média. Os índices pluviométricos divergem, inicialmente, com o primeiro prognóstico da Funceme divulgado em janeiro, pré-quadra chuvosa. Na época, o órgão apontou para um cenário mais negativo para o período, com a previsão de 45% de chuvas abaixo da média entre fevereiro e abril de 2024.

Diferente do cenário anterior, um novo prognóstico da instituição, em abril, apontava, no entanto, para uma previsão mais positiva para o período entre abril e junho, com 40% de probabilidade de chuvas dentro da média. Os meses de abril e maio são os dois últimos meses de quadra chuvosa, enquanto junho costuma receber precipitações pós-quadra.

A previsão dos dois prognósticos apontavam para uma tendência de uma estação chuvosa mais curta e irregular para o Ceará, com alta variabilidade espacial e temporal na distribuição. Os principais acumulados de chuva foram apontados para os meses de fevereiro e março, sendo mais irregulares em abril e em maio, o que foi confirmado.

Nos meses de fevereiro e março choveu 464 mm, com 41.5 % acima da média, enquanto nos meses de abril e maio, o Estado acumulou 305 mm, com 8.7% acima da normal histórica de 281.4 mm, conforme dados preliminares da Funceme. As informações ainda mostram que o índice médio das precipitações da estação chuvosa deste ano superou em cerca de 14% os números do mesmo período de 2023, quando o acumulado fechou em 644 mm.

No balanço mensal, o maior aumulado ficou em março, com 233.3 mm e 13% acima da média para o período (206.5 mm); o segundo maior volume acumulado ficou em fevereiro, com 230.7 mm, posteriormente abril, com 226.1 mm, e maio, com 78.8 mm, último período que ficou abaixo da média esperada, com 13% abaixo da média. Os meses de março e abril ficaram 13% e 18.6% acima da média, respectivamente.

Nos quatro meses da quadra, seis macrorregiões do Estado encerram o período com volumes considerados "acima da média". São elas Cariri (789,4), Jaguaribana (721 mm), Litoral de Fortaleza (1199,9 mm), Litoral do Pecém (979,3 mm), Litoral Norte (1108 mm), Maciço de Baturité (872,4 mm). Em outras duas, acumulo é classificado "dentro da média". Foi o caso de Ibiapaba (723,6 mm) e Sertão Central e Inhamuns (581,7 mm).

A mudança entre o prognóstico e a realidade ocorreu, segundo especialistas em climatologia, em função da dispersão do El Niño no Nordeste, fenômeno que aumenta a tendência de estiagem e que se instalou desde junho do ano passado, mas que quando disseminado contribui para alta das precipitações nas regiões. O outro fator está relacionado às alterações das condições oceânicas no Atlântico Tropical Sul.

O climatologista Alexandre Costa, professor na Universidade Estadual do Ceará (Uece), avalia que o maior peso para a mudança do prognóstico e, consequentemente, o resultado de uma boa quadra chuvosa é consequência do aquecimento do Oceano Atlântico Sul, o que não era observado desde 1950.

“O mais provável é que o suprimento de umidade do oceano sul aquecido proporcionou a mudança do cenário da quadra chuvosa, e é o principal fator responsável pela qualidade da estação”, disse Alexandre.

Ainda segundo o climatologista, é preciso observar que o clima atual não é o mesmo de anos atrás e que as previsões para as estações chuvosas devem levar em consideração esse cenário. Nas previsões chuvosas, ele destaca que são utilizados dois modelos: os estatísticos e os dinâmicos.

No modelo estatístico, a previsão é feita com base no comportamento da atmosfera e do oceano no período passado, onde o modelo insere qual o comportamento, ou seja, a previsão dos meses seguintes baseado nesse comportamento anterior. O climatologista afirma que o modelo não deve ser utilizado visto que o clima não é o mesmo do passado e que as previsões não podem ser baseadas nesse contexto.

No modelo dinâmico, as previsões são baseadas nas leis da física e de acordo com a atmosfera. “Você consegue ter uma representação dos processos físicos reais. Só mesmo os modelos dinâmicos vão poder dar conta da possibilidade de fazer previsão climática sazonal nesse contexto de mudança do clima”, pondera.

O meteorologista e pesquisador do clima, José Maria Brabo, avalia que, em virtude do enfraquecimento a partir de fevereiro do El Niño, que se instalou no Nordeste em junho passado e estava previsto para permanecer até os seis primeiros meses deste ano, favoreceu a formação de nuvens a partir de fevereiro no litoral do Nordeste. “A gente não esperava chuvas mais abundantes, mas um dos fatores foi esse enfraquecimento”, disse.

O pesquisador também explica que quando tem um El Niño forte é esperado menos chuvas, onde o cenário é mais positivo para a estiagem, o que não aconteceu. “Isso está relacionado à questão das mudanças climáticas. A gente teve uma estação que não era esperada. É preciso ainda avaliar, mas o que aconteceu foi algo atípico”, comenta.

Em avaliação parcial, a Funceme disse que as alterações das condições oceânicas no Atlântico Tropical Sul, principalmente, foram o maior fator para a ocorrência dos acumulados acima da normalidade durante a estação chuvosa de 2024. O órgão destacou que, entre fevereiro e abril, as temperaturas das águas nessa parte do oceano aumentaram cerca de 0.8ºC, alcançando um desvio de 1.4ºC em relação à média para o período.

De acordo com a Funceme, o valor nunca havia sido observado desde 1950. “O aquecimento do Atlântico Tropical se mostrou expressivo, contribuindo para a convergência de umidade em baixos níveis da atmosfera e transporte desta para o continente nordestino. Reforça-se ainda que prognósticos climáticos apontam todas as categorias possíveis, não sendo assim uma estudo determinístico, mas sim probabilístico”, disse.

Os dados consolidados da quadra chuvosa de 2024 no Ceará serão apresentados em coletiva de imprensa na próxima semana pela Funceme em conjunto com demais órgãos, entre eles a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH).

Com as chuvas acima da média, conforme dados preliminares, o Ceará completará o sétimo ano sem seca, depois de um período de cinco anos com poucas chuvas. Atualmente, os açudes estão no melhor nível para esta época do ano desde 2012, primeiro ano da mais longa seca da história do Estado.

Quadra chuvosa chega ao fim com reserva hídrica de 56% no Ceará

Com o fim da quadra chuvosa, o Ceará atingiu a quinta melhor reserva hídrica em 15 anos, com 56,91% da capacidade de armazenamento. No começo da estação chuvosa, em fevereiro, o percentual era de 37%. O melhor percentual hídrico do Estado na estação aconteceu em 2009, quando foi registrado 89,5% da capacidade. Em seguida, os melhores cenários foram observados nos anos de 2011, com 81,3%; 2010, com 67%; e 2012, com 62,5%.

Os dados do Portal hidrológico da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) que também mostra que os açudes cearenses acumularam, até esta sexta-feira, 31, 18,5 bilhões de metros cúbicos (m³) de água neste ano. O aporte seria suficiente para encher o Açude Castanhão, maior reservatório do Estado que, neste ano, não chegou a atingir a capacidade total de armazenamento e encerrou a quadra chuvosa com volume de 36,33%.

Conforme o doutor em Engenharia Civil e professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleiton Silveira, o cenário deste ano da reserva hidríca é positiva em relação aos anos anteriores. 

"Tivemos alguns anos abaixo da média historica e com uma baixa recarga de reservatorios estratégicos. A recarga foi além do esperado no inicio da quadra chuvosa. Contudo, a seca plurianual vivida nos ultimos anos, requer que o Ceará tenha cautela e continue fazendo o gerenciamento dos seus recursos hidrícos, com gestao participativa dos múltiplos usários da água", analisa.

Ainda segundo especialista, a populaçao pode e deve participar para o Estado continuar com um bom abastecimento. Ele cita algumas orientações. "É preciso uso eficiente da água em suas proprias residências em atividades cotidianas, como banho, lavagem de roupas etc. Além disso, a populacao pode participar das decisoes associadas a esse recursos natural em seus comites de bacias, por meio de seus representantes", destaca. 

Dos 157 açúdes monitorados pela Cogerh, 50 sangraram e atingiram a capacidade de 100%. Ainda segundo o portal da Cogerh, 32 estão com volume acima de 90%, 20 com abaixo de 30% da capacidade, cinco estão com volume morto: Barra Velha, Favelas, Madeiro, Sousa e Várzea do Boi, e nenhum com volume seco.

Além do Castanhão, os dois grandes reservatórios do Estado também não sangraram, mas acumularam bons aportes. O Banabuiú, por exemplo, elevou sua cota armazenada para 2,7 bilhões de m³, atingindo 42,86% de sua capacidade. No começo de fevereiro, o percentual era 36,38%.

Já o Orós, atingiu 74,86% da sua capacidade. Em fevereiro, ele registrou 50,64%. No início da quadra chuvosa, apenas um açude tinha atingido a capacidade máxima, um acima de 90% e 45 açudes abaixo de 30%.

Das doze bacias hidrográficas, sete estão na categoria muito confortável, com reservas acima de 70%. Duas operam em nível confortável, com mais de 50% de água armazenada e outras três bacias estão em estado de alerta, com níveis maiores que 30% e abaixo de 50%. O bom volume das bacias reflete a cheia dos açudes. 

No balanço, a bacia do Baixo Jaguaribe está com 100%, Coreaú, com 99.7%, Litoral, com 99.7%, Acaraú, com 95.9%, Serra da Ibiapaba, com 77.9%, Curu, com 71.6%, Alto Jaguaribe, com 70.2%, Metropolitana, com 85%, Salgado, com 68.2%, Médio Jaguaribe, com 37.2%, Banabuiú, com 45.3% e Sertões de Crateús, com 23.8%. 

 

O POVO procurou a Cogerh, nessa quarta-feira, 29, solicitando uma fonte do órgão para analisar o cenário da reserva hidríca no fim da quadra chuvosa no Estado. A pasta estadual informou que os dados dados estão em fase de consolidação e que serão apresentados em uma coletiva de imprensa. 

"Em breve realizaremos uma coletiva de imprensa para apresentar os resultados da quadra chuvosa em conjunto com os demais órgãos do Sistema Estadual de Recursos Hídricos. Informamos que os dados estão em fase de consolidação", disse nota da Cogerh.

 

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 A contribuição das chuvas para a safra no Estado

Os agricultores cearenses se prepararam para um "inverno ruim", mas o que chegou foi chuva. E muita. Essa chuva acima do esperado para alguns cultivos não é fator positivo. "Uma safra não muito boa, vamos perder. Teve muita chuva em fevereiro, março. E pouca em maio", resume Erinaldo Lima, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece).

Segundo ele, a safra da agricultura familiar deve ser abaixo da média em relação ao esperado para todo o Estado. Ele explica que muita chuva prejudica o enchimento da espiga de milho, "o caroço do milho não fica tão desenvolvido". "Houve excesso quando não deveria e falta quando precisava", diz. Outros cultivos foram satisfatórios, como o da macaxeira, arroz, jerimum, melancia, melão.

Na localidade de Sororô, no município de Itapipoca, localizado a 139,9 km de Fortaleza, a quadra chuvosa foi favorável para o feijão, mas não para o milho. "Quando o milho tava precisando de um pouco de sol, de perder a umidade, tava chovendo. Essa umidade atrapalhou um pouco o crescimento. Essa região aqui que a gente planta é um pouco baixa, passa perto de riacho", conta Rômulo Teixeira Oliveira, 28.

No caso do feijão, a safra está boa. "A gente plantou feijão no período da chuva. O feijão tardão (de ciclo mais longo), que demora cerca de 60 a 70 dias para começar a 'pajear', como a gente chama", relata o agricultor, que cultiva desde os 17 anos.

"Para mim, foi uma boa quadra. O milho serve muito para os bichos. O feijão serve mais para a nossa alimentação. Com um feijãozinho, a gente fica satisfeito. Ano passado foi boa no geral, milho, feijão e roça", avalia. "Roça" faz referência a plantios de macaxeira e mandioca, por exemplo.

"A gente plantou no seco na esperança que viesse bom tempo. Graças a deus veio. A gente escutava que ia ser seca", agradece Rômulo, que tira da agricultura, trabalho que aprendeu com a mãe e os avós, o sustento da família. (Ana Rute Ramires)

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