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Eólica offshore: a força do Nordeste na nova fronteira da energia renovável
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Eólica offshore: a força do Nordeste na nova fronteira da energia renovável

| Desenvolvimento |Está na costa da Região o maior potencial de geração da energia eólica gerada no mar do Brasil
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An AI-generated image of a single, impressive wind turbine in the middle of the ocean, viewed from above The turbine spins gracefully, generating green energy, set against a backdrop of a wide, (Foto: ADOBE STOCK)
Foto: ADOBE STOCK An AI-generated image of a single, impressive wind turbine in the middle of the ocean, viewed from above The turbine spins gracefully, generating green energy, set against a backdrop of a wide,

Cataventos instalados a cerca de 20 quilômetros médios da costa brasileira e com diâmetro de giro superiores a 220 metros são considerados a nova etapa das energias renováveis do País e mais uma vez está no Nordeste o maior potencial de geração da chamada eólica offshore.

Em operação no mar do Norte, Ásia e parte da Europa, a nova modalidade movimenta bilhões de dólares pelo mundo e já mira a costa brasileira. Hoje, 97 projetos estão inscritos no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o que representa 234,23 gigawatts (GW) de potência.

Desse total, 109 GW é projetado para o litoral dos quatro estados nordestinos alvos dos investidores: Ceará, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte. Todos estão entre os oito maiores geradores de energia eólica onshore (na terra) e, agora, preparam-se para esta nova etapa.

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Mas, juntamente com Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, eles não devem experimentar o cenário projetado para os próximos anos pelo Conselho Global de Energia (GWEC, na sigla em inglês), que espera uma taxa de crescimento anual média de 6,3% até 2026 e de 13,9% em termos de novas instalações até o início da próxima década. A expansão fará com que o setor eólico offshore ultrapasse a marca de 30 GW já em 2027. Mas, no Brasil, as primeiras usinas são esperadas para depois de 2030.

Expectativas e modelagem de leilões

Até mesmo os pedidos de licenciamento no Ibama são "inócuos", como classifica Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), porque o País ainda não possui um marco regulatório.

Ela observa, no entanto, que o projeto de lei 5.932/2023, que trata das offshores, está no Senado Federal e em fase de finalização. "Tudo está sendo feito de forma intensa. Na hora certa. A gente espera que em junho ainda este PL seja aprovado e, uma vez virando lei, o governo federal vai poder preparar os primeiros leilões", estima, observando que o modelo dos certames será o de cessões, "muito parecido com o que é praticado no setor de óleo e gás."

Transmissão e compra de energia devem ser objetos de leilões também, mas muitos dos projetos, informam estados envolvidos nas negociações com os investidores, já têm compradores para a energia e visam uma infraestrutura adequada para essa distribuição.

Impacto em setores similares e mercado de trabalho

Neste contexto, estima Elbia, os impactos previstos vão além de um megawatt duas vezes mais valorizado que o da eólica onshore - até mesmo porque os custos caíram 66% nos últimos quatro anos, segundo a BloombergNEF. A Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) calcula a necessidade de 17 postos de trabalho para cada megawatt de offshore e informa que, ao longo de 25 anos de vida útil de um projeto de 500 MW.

Essa demanda implica não só na capacitação de mais profissionais, mas também na migração de outros. No último caso, estudos internacionais estimam a conversão de pessoal da eólica onshore e ainda da indústria de petróleo e gás, pela semelhança das instalações no mar. As petroleiras, inclusive, são boa parte dos investidores interessados em offshore no Brasil.

Cenário positivo na Região

O cenário futuro, novamente, vai ao encontro das atividades e do potencial natural do Nordeste brasileiro. Com mar raso, vento constante e sem histórico de tempestades, a costa equatorial da Região se projeta como o melhor ambiente do País para a instalação dos projetos. E os estados estão cumprindo as tarefas para se sobressaírem neste setor.

"Todos estão fazendo muito bem o dever de casa", atesta a presidente da Abeeólica, referindo-se aos atlas de energia já lançados por Ceará e Rio Grande do Norte e classificando como "condição necessária" um porto-indústria para a operação do setor, uma vez que os equipamentos devem ser fabricados no pátio pela agilidade logística. As indústrias que compõem a cadeia produtiva, os investidores e os possíveis compradores dessa energia se mostram atentas e aptas para desenvolver as eólicas offshore no Nordeste.

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se preparando

Os funcionários da Vestas Wind Systems realizam verificações finais em seu novo molde de pá de turbina eólica V236 de 15 megawatts em sua fábrica em Nakskov, na Dinamarca.
Os funcionários da Vestas Wind Systems realizam verificações finais em seu novo molde de pá de turbina eólica V236 de 15 megawatts em sua fábrica em Nakskov, na Dinamarca.

Cadeia produtiva apta na Região

A formação de uma cadeia produtiva apta a fabricar equipamentos para os parques eólicos offshore (alto-mar) não será um gargalo para a nova modalidade de geração, segundo assegura a presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum. Muito menos para os projetos que miram o Nordeste - e as indústrias já instaladas no Brasil comprovam isso.

"A Vestas está comprometida em construir uma indústria eólica offshore sustentável que seja capaz de garantir novos empregos e oportunidades duradouras para as comunidades locais", disse ao O POVO Leonardo Euler, VP Assuntos Públicos e Institucionais da empresa para a América Latina.

Instalada desde 2012 em Aquiraz (CE), a 30 km de Fortaleza, a empresa dinamarquesa atingiu a marca de 7GW em dezembro passado com os projetos onshore (em terra) já atendidos neste período. No mundo, tem expertise em offshore e figura com ao menos 30 aerogeradores indicados entre os projetos já inscritos no Ibama para geração eólica no mar.

O parque industrial nordestino, do qual a Vestas faz parte, possui capacidade equiparada a da região, que é a maior geradora de energia renovável do País. Pás, geradores, torres e profissionais são desenvolvidos com êxito nos nove estados há mais de 20 anos e o espelhamento para a nova modalidade deve acontecer de forma natural.

"A região Nordeste do País tem excelentes condições climáticas para geração de energia eólica. Há ali um dos melhores ventos do mundo para a produção dessa energia. Os ventos são mais constantes, têm uma velocidade estável e não mudam de direção com frequência. Essas boas condições em áreas de águas rasas que já têm plataformas de petróleo instaladas favorecem os projetos de eólicas offshore no Nordeste", atesta o executivo.

Euler, assim como a presidente da Abeeólica, considera que o setor só "deva se estabelecer efetivamente no início da próxima década." A projeção traz na conta o tempo de aprovação do marco regulatório - processo no qual o executivo possui experiência, pois estava na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) quando a legislação do 5G foi aprovada.

Mas a Vestas diz ter no onshore um mercado ainda com larga margem de crescimento, além de projetar impactos positivos em outros setores produtivos.

"Ainda temos bons terrenos com oportunidades para onshore, mas onshore e offshore vão coexistir, com o advento do hidrogênio verde a demanda por energia elétrica será muito alta, para o Brasil estamos falando de um aumento de 43% em relação ao PNE (Plano Nacional de Energia) até 2040, mais de 170 GW adicionais, isso deixa espaço para ambos os segmentos", ressalta.

Aeris pronta para atender o mercado

A brasileira Aeris compartilha do entendimento da Vestas e também já se diz apta a produzir pás eólicas para as usinas offshore de todo o mundo. Isso porque, ressalta José Azevedo, diretor Administrativo Financeiro e de Relações com Investidores, "o que determina a possibilidade de atuar no segmento offshore é a capacidade de produzir pás acima de 100 metros" - e essa capacidade a Aeris possui.

O executivo classifica 2024 como um período de "desafio no Brasil - com menor perspectiva para a instalação de novos parques eólicos, redução no número de contratos e no volume de vendas -" e aponta para o exterior como opção de novos negócios.

"Seguimos muito confiantes com o setor de energia eólica no longo prazo, dados os compromissos de descarbonização que estão sendo firmados no Brasil e no mundo. Acreditamos que o mercado externo deva atingir cerca de 40% da nossa receita até 2025, com boas oportunidades nas Américas, de maneira geral (Estados Unidos, Chile, México, Argentina)", indica Azevedo.

Para chegar aos destinos, ele destaca a localização da fábrica da Aeris, estrategicamente instalada a 15km do Porto do Pecém, no Ceará, "região que concentra mais de 50% do total potencial eólico brasileiro."

 

Petrobras conclui primeira perfuração de poço na Margem Equatorial
Petrobras conclui primeira perfuração de poço na Margem Equatorial

Petrobras vai impulsionar setor

Maior empresa do Brasil, a Petrobras resolveu entrar no ramo da eólica offshore (em alto-mar) como uma forma de se colocar como uma empresa de energia - e não apenas uma petroleira - e faz uso do potencial e da expertise que tem para liderar a nova modalidade de geração renovável no País.

"A Petrobras é a empresa com maior potencial no País em projetos de geração eólica offshore, em capacidade protocolada em estudos junto ao Ibama. A companhia aposta em pesquisa para viabilizar projetos inovadores nesse segmento, que é um dos priorizados no atual Planejamento Estratégico, entre os que envolvem soluções de baixo carbono", afirma a empresa em nota ao O POVO.

Responsável por 10 dos 97 projetos inscritos no Ibama até agora, a companhia destaca "extensa experiência sobre o ambiente offshore brasileiro, em operações marítimas e em ambientes operacionais."

Além disso, uma unidade da Universidade Petrobras foi fundada no Rio Grande do Norte com o intuito de desenvolver estudos tanto para a Margem Equatorial quanto para as eólicas offshore em parceria com o Senai daquele estado.

Com iniciativas assim, aponta o Ricardo Pinheiro, membro da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), a companhia impulsiona o setor porque estimula a entrada de outros investidores, confiantes de que haverá um desenvolvimento do setor pela participação da maior empresa brasileira na atividade.

"A Petrobras tem uma experiência muito grande em exploração (de petróleo) offshore em águas rasas. Tem, inclusive, folga de capacidade para isso. E dificilmente vai se colocar um parque eólico offshore em águas profundas, que são bem mais caros", diz, apontando áreas grandes no Rio Grande do Norte de profundidade média entre 15 metros e 20 metros.

Outra vantagem, afirma, é a engenharia montada para as plataformas de petróleo que "reduz os riscos e aumenta a chance de sucesso dela com eólicas offshore." "Acaba deixando um conhecimento técnico para a sociedade e outras empresas vão seguir. Com certeza, a Petrobras vai acelerar a instalação de eólicas offshore no País, seja no Nordeste ou em qualquer área em que esteja operando", analisa.

Pinheiro, no entanto, observa que a mudança no comando da empresa pode reduzir a velocidade desses projetos. Ele compara o ex-presidente, Jean Paul Prates, com a atual, Magda Chambriard, indicando a maior afinidade pessoal dele com as energias renováveis. No entanto, considera que a manutenção de Maurício Tolmasquim na diretoria da companhia como estratégico para a condução ágil desses projetos.

 

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 20-07-2023: Fortescue visita Jornal O Povo e debate sobre o hidrogênio verde. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 20-07-2023: Fortescue visita Jornal O Povo e debate sobre o hidrogênio verde. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

H2V: usinas geram expectativas

Principal aposta do mundo para substituir os combustíveis fósseis e com grande número de projetos no Nordeste brasileiro, o hidrogênio verde (H2V) - produzido a partir de energias renováveis - tem na geração das eólicas offshore uma aposta para a ampliação da produção, segundo analisa Luís Viga, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde.

Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) já aponta essa possibilidade em curso no Exterior, com modelos entre 2021 e 2022 em Alemanha, França, Irlanda, Malta, China e Coreia do Sul. Nos modelos-pilotos internacionais, a turbina instalada no mar é conectada diretamente no eletrolisador (separa as moléculas de água, gerando o hidrogênio). No Brasil, tanto a indústria quanto os estudiosos estimam que os parques offshore devem ser conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN), como acontece com os onshore, fotovoltaicos, hidrelétricas e térmicas.

Mas, no Brasil, devido ao curso dos marcos regulatórios do hidrogênio e das eólicas offshore, Viga acredita que o uso desta modalidade de energia só deva entrar numa segunda etapa das usinas de H2V. "A gente estima que o hidrogênio verde, se o Brasil tiver 4% de participação mundial até 2050, o País precisaria de aproximadamente mais de 450GW de energia de capacidade instalada. Isso equivale a mais de dois brasis hoje e todas as fontes renováveis vão ser de grande importância".

A principal ponderação se deve ao custo do megawatt offshore, que gira em torno de R$ 500 atualmente. Como 70% dos custos da produção de H2V corresponde à energia, a conta fica inviável. A expectativa de Viga é de que o quilo hidrogênio verde saia dos atuais US$ 4 para US$ 1, "e isso passa pelo preço da energia".

 

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