Horário de pico. Dezenas de carros, motos e caminhões de grande porte transitam pela avenida José Sabóia, no bairro Cais do Porto. Em meio ao tráfego, intensificado pela operação das indústrias de derivados de petróleo que funcionam a poucos metros, alunos da escola municipal Godofredo de Castro Filho saem às 17 horas, ao fim de mais um dia de aula. O cheiro forte de gasolina se espalha pela avenida.
O aparelho de monitoramento da qualidade do ar instalado em frente à escola marca o pior nível de poluição do ar de Fortaleza, com a concentração diária de 13,3 microgramas por metro cúbico (ug/m³) de material particulado, resíduo da queima de combustíveis fósseis em forma de material sólido ou líquido suspenso no ar com até 2,5 micrômetros de diâmetro.
O nível ainda é 1,7 pontos menor do que limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 15 ug/m³. No entanto, quando comparado com outros pontos da cidade, a concentração de material particulado presente na José Sabóia chega a ser mais de oito vezes maior do que o registrado na avenida Padre Antônio Tomás, próximo ao Parque do Cocó (1,5 ug/m³).
Os equipamentos que medem a poluição fazem parte de uma política da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), que analisa os dados de 21 monitores da qualidade do ar espalhados pela Capital.
“[O cheiro de gasolina] é direto assim. Esse horário da tarde é pior. A quentura do sol piora”, relata Nátila Santos, 29, que tem filhos e sobrinhos na escola. Ela afirma que a poeira proveniente de uma fábrica de cimento em uma rua próxima também agrava a situação.
Ao todo, a unidade atende 911 alunos, com 45 professores e outros 30 funcionários. Os docentes recebem uma Gratificação de Incentivo à Lotação (GIL) — um adicional ao salário para quem ensina em escolas localizadas em áreas insalubres ou vulneráveis.
“Ali no pátio dá pra sentir muito, dentro da sala também. Tem dias que fica muito forte”, diz Ellen Karoliny dos Anjos, 14, aluna do nono ano. A jovem compartilha a frustração com a poluição do local. “Todo canto é poluído. Você queria um lugar limpo para ter uma boa saúde, mas não tem como.”
Demóstenis Cassiano, gerente de projetos do Laboratório de Inovação de Fortaleza (Labifor/Citinova), explica que a política de monitoramento ainda está na fase piloto, tendo sido iniciada em 2023. O objetivo é utilizar os dados para subsidiar decisões de outros órgãos.
“Na legislação nacional, o limite diário é 25 ug/m³, ela é menos restritiva que a OMS. A gente tem uma situação boa em Fortaleza com relação à qualidade do ar. Onde é mais alto, no caso da avenida Osório de Paiva (10,5 ug/m³) e no Cais do Porto, está muito atrelado às atividades, são vias que têm um volume de tráfego elevado, passa muito caminhão, ônibus”, afirma.
Já na avenida Beira Mar, onde o fluxo de veículos é alto, porém há estrutura cicloviária, local para atividades físicas e não há indústrias próximas, Cassiano ressalta que a média de poluição diária é de 5,3 ug/m³.
Ele ressalta que políticas de arborização, de expansão da malha cicloviária, de incentivo ao transporte público e da construção de microparques são algumas das iniciativas de Fortaleza para melhorar a qualidade do ar. Os números consolidados devem orientar outras políticas.
“O principal problema hoje dentro das grandes cidades é a questão da emissão de poluentes decorrentes do transporte. Visto que o tráfego veicular é o principal responsável pela degradação da qualidade do ar, a gente precisa eletrificar a frota de transporte público, fomentar o uso racional do carro”, afirma.
A Prefeitura de Fortaleza destaca ainda que a Capital foi a única cidade do Brasil a atingir todos os parâmetros que consideram a qualidade do ar boa em todo o território, segundo o 6º Relatório Anual Mundial sobre a Qualidade do Ar, feito pela empresa suíça IQAir. Foram 38 municípios avaliados.
A queima do combustível fóssil gera diversos poluentes que trazem prejuízos à saúde. Óxido nitroso, dióxido de enxofre, compostos orgânicos voláteis, monóxido de carbono, ozônio e os materiais particulados são alguns dos principais. O contato prolongado com essa poluição pode acarretar problemas crônicos e agudos.
O médico Ubiratan de Paula Santos, membro da Comissão de Doenças Respiratórias Ocupacionais e Ambientais da Sociedade Brasileira de Pneumologia, explica que um adulto em condições normais respira 10 a 15 mil litros de ar por dia. “Junto do oxigênio, vêm porcarias que têm no ar, desde pólen, bactérias, vírus, fungos e esses poluentes.”
Esses compostos são interpretados pelas células do pulmão como uma infecção. “(Acontece que) Os poluentes são substâncias químicas e as nossas defesas não são boas para combatê-las. Elas acabam autoagredindo o pulmão e cronicamente vão provocando uma inflamação”, diz.
Doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais (AVC), doença pulmonar crônica, câncer de pulmão e infecções respiratórias são as condições mais comuns provenientes do contato com a poluição do ar.
Mesmo em concentrações nos limites das diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), os materiais particulados são os principais causadores dos prejuízos, segundo o médico. Quanto mais próximo dos locais geradores de poluição, como indústrias e avenidas com grande tráfego, maiores os riscos.
As empresas presentes na zona industrial do Porto do Mucuripe são estabelecimentos de base para recebimento, armazenagem e distribuição de combustíveis líquidos claros e gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido como gás de cozinha. O local, também chamado de parque de tancagem, deve ser transferido para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém.
Conforme o Governo do Estado, as obras serão realizadas no porto localizado no município de São Gonçalo do Amarante, vizinho a Fortaleza, em parceria com a iniciativa privada. “O referido projeto em desenvolvimento no Pecém está em processo de Licença Ambiental de Instalação e tem previsão de iniciar as obras no final deste ano”, afirma a gestão estadual em nota.
O encerramento das atividades das indústrias será obrigatório quando a construção do novo parque de tancagem estiver pronta, de acordo com o decreto estadual número 32.883, de 21 de novembro de 2018.
Uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado (MPCE) busca firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com as empresas para desmobilização das atividades no Porto do Mucuripe assim que o novo local adequado seja entregue. O Estado afirma que sete dos empreendimentos já assinaram os termos.
Discussões sobre a localização dessas indústrias tão próxima a escolas, postos de saúde, equipamentos culturais e residências não são novas, conforme a advogada Jacqueline Alves Soares, membro consultiva da Comissão de Meio Ambiente da OAB Ceará.
“E não é qualquer tipo de indústria, é de alto risco”, relembra Jacqueline, mencionando os incêndios de grandes proporções ocorridos nas décadas de 1980 e 1990. Devido aos acidentes nas operações, centenas de famílias chegaram a ser removidas de casa, duas mortes foram registradas em 1985 e houve vazamento de substâncias altamente inflamáveis, conforme registrado nas páginas do O POVO à época.
Enquanto as indústrias permanecem, Jacqueline afirma que são necessárias ações que visem, além da segurança das operações, a manutenção da qualidade do ar, de forma a controlar emissões de gases que agravam as mudanças climáticas.
Há consenso entre cientistas que a queima de combustíveis fósseis é um fator importante para o aquecimento do planeta. A fiscalização dos padrões de emissões desse tipo de estabelecimento é fundamental.
Não há data para a transferência completa das indústrias do local. No entanto, o planejamento a longo prazo para a região deve levar em conta outros usos para a área do Cais do Porto que hoje comporta essas empresas.
Na revisão do Plano Diretor Participativo e Sustentável de Fortaleza (PDPS), discutido entre sociedade civil, poder municipal e legislativo, a área é classificada como Zona Centralidade de Orla 5 (ZCO 5). O documento deve orientar a ocupação e uso de cada região da Capital, sejam elas urbanas ou ambientais, pela próxima década.
“A ZCO 5 tem como objetivo implantar ações e medidas para a melhoria da qualidade socioambiental da orla marítima e da balneabilidade das praias, em especial para lazer, turismo, valorização do patrimônio histórico, ambiental e educação ambiental”, explica a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma).
Elaborar estudos técnicos direcionados às atividades produtivas relacionadas à economia do mar e referentes aos impactos das mudanças climáticas também são ações previstas pelo novo Plano Diretor.
Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS)